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Ações de patriotismo

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Por Igor Macedo de Lucena
Atualização:
Igor Macedo de Lucena. FOTO: DIVULGAÇÃO  Foto: Estadão

No Brasil, espanta-me o quão erroneamente ocorrem ações que são consideradas por considerável parcela da população "atos de patriotismo". De alguma maneira parece que, ao realizar tais atos, uma parcela da população busca firmar suas ideias e convicções, independente do real significado das suas ações ou mesmo esquecendo que podem, com essas ações, gerar consequências nefastas e prejudiciais para toda a sociedade.

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Nesse caso que independe de espectros políticos, e dentro deste contexto, é importante distinguir que atos de patriotismo são intimamente ligados à pátria, ao local em que nascemos, à terra natal que nos une a todos por vínculos afetivos, culturais e históricos.

Ainda no mesmo sentido, gostaria de relatar o que definitivamente não são atos de patriotismo e que muitas vezes são usurpados por políticos e grupos políticos para de alguma forma dar um "ar de legalidade ou patriotismo" a atos que definitivamente não são. Na cidade de Fortaleza, durante governos de esquerda, foram inaugurados os Cucas (Centros de Arte e Cultura) na periferia da cidade que de fato são excelência em serviços públicos para a juventude e que são considerados agentes com um importante papel social. Entretanto, uma dessas unidades foi batizada como "Cuca Che Guevara", em homenagem a um revolucionário sanguinário que trocou uma ditadura por outra em Cuba, e que foi homenageado e idolatrado durante a inauguração do equipamento como uma espécie de "ligação entre os povos e as nações". Ora, não há insulto maior à pátria do que relacionar obras públicas com pessoas responsáveis por atrocidades no exterior, embaladas por histórias fantasiosas de um "guerrilheiro da liberdade" que nunca existiu.

Por outro lado, não faltam imagens de bandeiras do Brasil em que, ao invés das estrelas e da faixa, vemos a face de políticos em uma espécie de ideia de transmutação, na qual determinado político esteja intimamente ligado à noção de pátria como se ele fosse o Estado, algo que passa do ridículo tentando personalizar em uma só pessoa toda uma nação. Tal visão é monárquica e não republicana!

Vale ressaltar que não faz muito tempo que o mundo aprendeu uma importante lição sobre a distinção entre ideologia política e patriotismo. Em recente comício da CDU (União Democrata-Cristã), partido de centro-direita da Chanceler Angela Merkel, um membro do partido levou uma bandeira da Alemanha para o palanque; nela não havia nenhum símbolo nacional, apenas símbolos do partido e da sua visão política. No momento que um membro do partido levantou uma bandeira no palanque, a Chanceler determinou, austera, imediatamente que retirassem a bandeira, pois em sua visão seu ato foi um sinal de respeito e reconhecimento de que um partido não deve se apropriar de símbolos que pertencem a um país inteiro, pois aquele não era o local nem o momento para misturar ideologias com patriotismo.

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É importante que todos nós, brasileiros, tenhamos a capacidade moral e intelectual para sabermos o que é a nossa Nação e o que ela representa para nós, que nossa Nação é constituída por uma população que partilha a mesma origem, língua, religião e cultura; ou seja, que nela existem pessoas que possuem história e identidade comuns, onde ideologias políticas não são capazes de extinguir esses vínculos históricos. De maneira mais simples, podemos declarar que, sejamos de esquerda ou de direita, todos nós gostamos de comer feijoada, pois, não importando em quem votamos, esse alimento é algo cultural e histórico dos brasileiros. Da mesma maneira cantamos o nosso hino nacional, temos amor pelo Cristo Redentor, adoramos as praias do Nordeste e nos maravilhamos com as belezas da Amazônia.

É importante, sim, que tenhamos em mente a defesa de nossos pensamentos, ideais e visões políticas de mundo, sejam elas de direita ou de esquerda, e que tenhamos o direito e a capacidade de expressá-las. Todavia, dois pontos devem sempre estar em nossa mente: o primeiro é que o direito de um indivíduo acaba quando o do outro começa; ou seja, tenho direito de realizar ações e divulgar pensamentos e ideias desde que isso não suprima ou afronte o direito do meu semelhante, isso é a base da democracia e do Estado de Direito que vivemos; o segundo é que devemos sempre distinguir o que são elementos e ações patrióticas que dizem respeito a todos nós, independente do espectro político, com ações de partidos e pensamentos de grupos políticos ou de ideias coletivas.

Associar elementos e pensamentos sobre nossa pátria de maneira personalista, atrelá-los única e exclusivamente a um grupo político ideológico, independente de ser de esquerda ou de direita, é uma inconsequência com seus seguidores, uma mentira com os eleitores, um desrespeito com a sociedade e principalmente um perigo quando se tenta personificar em agentes políticos a noção de que eles são os legítimos representantes da pátria, excluindo todos os outros. Infelizmente no Brasil tanto a esquerda quanto a direita tentaram usar essa ideia, e o resultado sempre foi desastroso. Enfim, do que precisamos? De união, força, determinação e muito trabalho em favor do Brasil e dos brasileiros!

*Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House - The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política

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