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Acesso à informação: riscos e oportunidades

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Por Valdir Simão
Atualização:
Valdir Simão. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Demoramos muito para regulamentar o acesso à informação em poder dos órgãos governamentais, direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal. A Lei de Acesso à Informação (lei 12.527/2011), que completa (16/05) 8 anos de vigência, foi um grande avanço e introduziu uma regra muito simples: toda informação governamental é pública, salvo se o sigilo for imprescindível para a segurança da sociedade ou do Estado.

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Ainda que o sigilo seja necessário, a restrição de acesso à informação não é eterna. Observará um prazo máximo de tempo ou a ocorrência de determinado evento, de acordo com a classificação dada à informação (reservada, secreta ou ultrasecreta), em função da gravidade do risco decorrente de sua divulgação. Transcorrido o prazo ou consumado o evento, a informação  torna-se automaticamente pública.

Outro princípio importante da lei é que o poder público deve proteger a informação, garantindo sua disponibilidade, autenticidade e integridade. E aqui, corremos sérios riscos, associados à evolução tecnológica e à adoção de novos instrumentos de comunicação e tomada de decisão.

A lei foi publicada num momento em que já se iniciava a desmaterialização dos atos administrativos, inicialmente com as mensagens eletrônicas, via e-mail, e posteriormente com a adoção de processos digitais e digitalização de acervos documentais. Os arquivos públicos foram substituídos por bancos de dados mantidos em computadores ou em nuvem, em alguns casos administrados por prestadores de serviço privados.

A gestão de informações digitais deve ser uma das principais políticas dos programas de compliance governamentais. Infelizmente não é isso que se vê na prática. São raros os casos de órgãos públicos que se preocuparam em disciplinar, por exemplo, a proibição de deleção de dados em servidores de mensagem. Sim, mensagens enviadas ou recebidas por uma conta pública de e-mail devem ser preservadas e sujeitas às regras da  Lei de Acesso a Informação.

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A situação se agrava se considerarmos que, nos dias de hoje, é comum autoridades públicas utilizarem aplicativos de mensagens instantâneas para dar comandos e orientações, inclusive para demitir ou orientar que se demita subordinados. Como garantir transparência, disponibilidade, autenticidade e integridade a essas informações de evidente interesse público? As administrações públicas estão preocupadas em preservá-las para fins de acesso público, controle social ou prestação de contas? Creio que não.

Já em relação às audiências com autoridades públicas, temos uma grande oportunidade de avançar em relação à transparência. Por conta do distanciamento social recomendado durante a pandemia, todos os órgãos se instrumentalizaram para a realização de reuniões virtuais, usando para isso ferramentas tecnológicas que permitem a interação entre os participantes e, o mais importante, a gravação do encontro.

Tornar obrigatória a gravação das audiências e garantir sua preservação e divulgação ativa contribuirá enormemente para a evolução da transparência das interações com particulares, até então limitada ao registro dos participantes e dos assuntos tratados.

O mesmo deve ocorrer com as reuniões governamentais, como as do Conselho de Governo que está no centro do debate sobre possível tentativa de interferência do Presidente da República na Polícia Federal. Em regra esses encontros são gravados e poderiam ser divulgados na íntegra. Se não forem classificados serão públicos, diz a lei. A divulgação também teria um caráter disciplinador ao conter bravatas ou palavrões de autoridades públicas cientes da gravação.

Transparência e prestação de contas são os dois pilares da probidade administrativa e o acesso à informação é elemento central para o controle social. Mas como a sociedade poderá exercê-lo se a informação imaterial não está disponível, ou pior, se nem se tem conhecimento da existência de dados de interesse público armazenados em aparelhos de telefone ou em servidores de aplicativos de mensagem? Como classificar e preservar essas informações, quando sigilosas, de forma que, no futuro, possam ser reveladas?

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Utilizar aplicativos e ferramentas que dificultam a preservação e rastreabilidade das comunicações governamentais é um mau hábito, quase suspeito. É urgente que se busque alternativas para o pleno acesso a todas informações governamentais, seja uma simples mensagem por aplicativo de celular. E é de extrema importância a vigilância de toda a sociedade para que não haja retrocesso na transparência governamental.

*Valdir Simão, advogado, ex-ministro-chefe da Controladoria-Geral da União e do Planejamento. Autor do livro Manual de Sobrevivência do Administrador Público, Trevisan Editora, 2020

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