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'Ação que estampa exceção', diz Marco Aurélio sobre 'plano B' da CPI da Covid para contornar possível inércia de Aras

Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal avalia que ação direta no STF contra o presidente Jair Bolsonaro é uma iniciativa 'muito difícil'

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Por Rayssa Motta
Atualização:

Com o encerramento da CPI da Covid, a bola está com o procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem cabe dar a palavra final sobre as sugestões de indiciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e das demais autoridades com prerrogativa de foro listadas no relatório final. Temendo ver o trabalho de quase seis meses engavetado por um suposto alinhamento do PGR com o Planalto, a comissão parlamentar chegou a consultar juristas sobre as alternativas na mesa para garantir a responsabilização pelas mais de 600 mil mortes na pandemia. A carta na manga em discussão tem sido a chamada ação penal privada subsidiária da pública, instrumento jurídico previsto na Constituição para situações de inércia do Ministério Público.

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Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que a medida seria um tiro no escuro. Isso porque o instrumento não foi desenhado para investigações conduzidas por comissões parlamentares. O ministro Marco Aurélio Mello, aposentado do Supremo Tribunal Federal, avalia que é uma iniciativa 'muito difícil'. "Agora como nós vivenciamos temos estranhos tudo é possível", sintetiza com a frase que virou quase um bordão.

A Constituição prevê que a 'inércia' do Ministério Público fica configurada quando não houver manifestação - seja pelo oferecimento de denúncia, pelo arquivamento do caso ou para fazer aprofundar a investigação.

"Essa ação é uma ação que estampa exceção, porque o titular da ação pública é o Ministério Público, é o procurador, é ele que atua em defesa da sociedade", explica Marco Aurélio. "Se ele pedir o arquivamento não é inércia. Como ele é o titular exclusivo da ação penal pública, esse pedido é inafastável. O juiz do Supremo ou qualquer outro juiz não pode substituir-se ao Ministério Público", acrescenta.

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O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal. Foto: Dida Sampaio / Estadão

Outro ponto de peso na balança é que, pela lei, a legitimidade para entrar com a ação penal privada subsidiária da pública é da vítima ou de seus familiares. A cúpula da CPI procurou representantes de associações de familiares de vítimas da covid-19 e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). "Os senadores que compuseram a CPI podem ser qualificados como vítimas? Não. Então eles não têm legitimidade. Pelo que me consta, os senadores ainda não são vítimas. A Ordem também não tem legitimidade, não se trata aí de processo objetivo, de ação direta de inconstitucionalidade, mas de uma ação penal", afirma o ministro.

No caso da CPI da Covid, há ainda outras particularidades, como a natureza dos crimes investigados: não são delitos particulares, mas sim contra a coletividade, como crime contra a vida e crime contra a saúde pública.

"A lei fala vítima. É uma redação antiga, de 1941. Não tinha tantos crimes onde a vítima não é uma pessoa individual, é uma coletividade. Talvez não se encaixa na jurisprudência tradicional, mas não significa que não deveria ser tentado e não possa ser tentado. No fundo, a jurisprudência só muda quando ela é desafiada no bom sentido", explica Thiago Bottino, que é professor de Direito Penal e Processual Penal.

Ele também avalia que é 'muito difícil' demonstrar inércia do MP. "Se o Ministério Público denunciar, ninguém vai discutir que ele agiu. Se ele arquiva, o Supremo considera que o MP fez uma escolha, uma interpretação dizendo que não tinha elementos para propor a ação penal. O que sobra é a situação quando o Ministério Público fica investigando, e em tese está se movimentando, mas não vai nem para um lado e nem para o outro. Nessas situações também não dá para propor a ação penal privada subsidiária da pública. Ela costuma ser usada quando, por exemplo, uma investigação já foi concluída e está relatada pela polícia, casos como o da CPI não bem menos frequentes, e o Ministério Público não obedece o prazo para decidir após o recebimento do inquérito finalizado", detalha.

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Entrega do relatório final da CPI da Covid. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Bottino lembra que a jurisprudência do STF é refratária a invasões na prerrogativa do Ministério Público como titular da ação penal e responsável por decidir sobre eventuais denúncias. Ele também chama atenção para as particularidades que envolvem uma investigação parlamentar.

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"É um caso particular, porque é uma CPI, então para contar o prazo é diferente do que se conta no inquérito normal, é diferente porque são muitos indiciados, então tem que avaliar caso a caso, o que facilitar para o MP justificar que não está inerte, mas está avaliando. E um terceiro complicador é o crime ser contra uma coletividade e a lei falar em vítima", resume.

Em sua avaliação, a ação penal privada subsidiária da pública tem mais chance de prosperar em relação aos indicados contra os quais a comissão parlamentar conseguiu reunir mais elementos. "No caso da CPI, há três grandes grupos de indiciados: aqueles em que já há provas, casos em que precisaria investigar mais e situações que seriam arquivadas por falta de elementos. Aí pode ser que eventualmente que se esse relatório ficar 30 dias e alguém propuser uma ação penal privada subsidiária da pública contra aqueles pessoas que já tem elementos, eventualmente pode ser que isso funcione", avalia.

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