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Ação cautelar e o prazo para ajuizamento de ação principal

Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:
Rogério Tadeu Romano. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  Foto: Estadão

I - DA TUTELA CAUTELAR

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O mérito do processo cautelar, ou, para muitos, suas condições de ação, se sintetiza no periculum in mora e no fumus boni iuris.

O fumus boni iuris, como acentuou Ronaldo Cunha Campo, in "Estudos de Direito Processual", págs. 128-132, deve ser apurado na reunião das condições ou requisitos da ação de mérito. Não se concebe uma fumaça de direito, não a probabilidade de existência de um direito material. Verdade que respeitada corrente entende ser esta probabilidade o fulcro da cautela.

Já o periculum in mora é atestado pelo fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à tutela, na lição de Liebman, tutela quanto a um estado de perigo sem satisfazer bem ameaçado.

Esta cognição a ser exercida é sumária, própria das situações de aparência, sem cognição aprofundada do objeto litigioso. A cognição, como aduz Luiz Guilherme Marinoni, "Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória", pg. 25, é sumarizada pela redução das provas permitidas.

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Outra característica das ações cautelares, ou pelo menos de quase todas, como alerta o mestre Ovídio A. Baptista da Silva, "Ação Cautelar Inominada no Direito Brasileiro", é o fato de terem natureza de ações mandamentais, atestado de suas raízes interditais, onde a ordem era a excelência da medida, assim como sua sumariedade.

Na linha de Marinoni, em obra citada, são características da tutela cautelar:

a) urgência;

b) preventividade;

c) sumariedade formal;

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d) sumariedade no sentido material;

e) temporariedade e provisoriedade;

f) inexistência de coisa julgada material;

g) fungibilidade;

h) instrumentalidade;

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i) referibilidade.

Esta última caracteriza-se pela referência a um direito acautelado.

De toda forma, como já asseverou Donaldo Armelin, "A tutela jurisdicional cautelar", p. 129, a tutela cautelar não pode antecipar os próprios efeitos da sentença da tutela principal. A tutela cautelar não satisfaz, assegura, nasce a serviço de providência definitiva, daí sua instrumentalidade, como mencionou Calamandrei, "Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares", pg. 44. Sua fungibilidade permite serem revogadas ou modificadas, a qualquer tempo, não de ofício.

As liminares, no processo cautelar, são concedidas à vista de cognição superficial. Para Pontes de Miranda, "Tratado das Ações", Tomo VII, p. 334, a confirmação dessas liminares, nas sentenças cautelares seria de cognição superficial completa.

Ainda Pontes de Miranda, "Comentários ao Código de Processo Civil", 1974, volume I, página 148, faz duas observações que merecem destaque por sua relevância para a compreensão da tutela cautelar, como ensinou Ovídio Baptista, "Curso de Processo Civil", volume III, 2ª edição, pág. 64. A primeira delas é a de que a ação cautelar, tal como os interditos possessórios, pressupõe uma certa inaptidão dos meios de tutela jurisdicional comuns, para a proteção reclamada para o caso concreto. No mesmo sentido tem-se a lição de Calvosa, "La Tutela Cautelare", 1963, páginas 123 e seguintes.

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A outra lição de Pontes de Miranda é a de que tal como se dava com os interditos romanos - igualmente o julgamento cautelar exige uma sentença mandamental.

Fogem os juízos possessórios da tutela cautelar, apesar da autorizadíssima opinião de Carnelutti, que os considera cautelares, por serem provisórios e preparatórios. Esta provisoriedade verificada nas liminares possessórias é de índole satisfativa, antecipatória, adiantamentos da eficácia sentencial; eficácia executiva ou ainda mandamental. O juiz ao conceder uma liminar possessória aprecia a pretensão possessória. Quando o juiz concede liminar cautelar utiliza-se de um juízo de segurança, não antecipatório. Afasta-se o risco de dano, não se adianta o efeito sentencial.

Em conclusão, que sintetiza toda a sua análise das ações cautelares, Ovídio Baptista, assim arremata: "Na medida em que se enumeram determinadas ações cautelares, como é facilmente compreensível, surge a necessidade de estabelecer o princípio genérico da outorga da proteção cautelar, para os casos não abrangidos, na previsão legal. A solução poderia ter sido outra, radical, em que a opção excluísse qualquer enumeração de medidas cautelares específicas, riscando-se todo o capítulo II do livro III do Código". Arresto, caução, sequestro, etc, o que basta é que a medida tenha as características traçadas para ser cautelar. Não se discute em sede de cautela vínculos jurídicos substanciais, mas factum que altere a situação de fato existente, em cognição sumária, objetivando ordem, que se consubstancia na aparência do direito, num instrumento de proteção contra o estado de perigo. A sentença reveste-se de um mandamento imperativo e cogente. Assim pode-se determinar uma ordem de: arresto, sequestro, etc. Conclui-se que uma sentença cautelar não poderá ter índole condenatória: se uma caução concedida não for satisfeita, será substituída por um arresto."

Mas, ainda, salientou Ovídio A. Baptista da Silva, na obra citada, pág. 57, que "se a medida cautelar deve durar enquanto existir o estado de perigo, então a existência fundamental é que ela não crie uma situação fática definitiva, ou uma situação cujos efeitos sejam irreversiveis".

Na verdade, falta à sentença cautelar tanto o juízo declaratório sobre a relação jurídica protegida como igualmente não há nela qualquer declaração sobre a ilucitude da conduta do demandado, como se lê nas ações possessórias, sejam as de cunho executivo lato sensu(reintegração de posse) ou as mandamentais(manutenção de posse). Em razão disso, não se pode falar em coisa julgada material com relação a tutela cautelar.

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As medidas cautelares, pois, não assumem função satisfativa.

II - PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL

A ação cautelar é tipicamente instrumental, pois assegura os efeitos da ação principal.

Como tal, proposta a ação cautelar, há um prazo peremptório para ajuizamento da ação principal, onde se discutira a lide, o pedido. Tal prazo é contado da efetivação da medida cautelar.

Ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, revogado, Humberto Theodoro Júnior, "Curso de Direito Processual Civil", volume II, 22ª edição, ensinava que "segundo o art. 808, II, as medidas cautelares devem ser postas em execução no prazo de trinta(30) dias, prazo que, naturalmente, deve ser contado do decreto que o determinou."

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Ainda para Humberto Theodoro Júnior, naquela obra, "trata-se de um prazo fatal, do sorte que com o simples decurso dele a ordem judicial preventiva deixa de ser realizável e eficaz, como ainda reportou Leo Rosenberg, "Tratado de Derecho Procesal Civil", volume III, ed. 1955, § 213, pág. 271.

Disse, outrossim, Humberto Theodoro Júnior:

"Trata-se de prazo fatal, de sorte que com o simples decurso dele a ordem judicial preventiva deixa de ser realizável e eficaz.

A estipulação de tal prazo decorre do caráter excepcional e emergencial com que se decreta a tutela cautelar. Se a parte beneficiária dela não cuida de concretizá-la, deixando escoar longo tempo, presume-se que a situação de perigo desapareceu e não convém manter o requerido indefinidamente, sob a ameaça de restrições e constrangimentos de necessidade duvidosa."

O artigo 309 dispõe em seu inciso I que a eficácia da tutela cautelar cessará caso o autor não deduza o pedido principal dentro do prazo legal, ou seja, aquele estabelecido no artigo 308.

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Ali se diz:

Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.

ART. 309, II, do CPC:

Cessa a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se:

I - o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal;

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II - não for efetivada dentro de 30 (trinta) dias;

.......

Parágrafo único - Se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento.

Sobre o tema decidiu o TJMG, no AC 10079120672120001 - MG (Data da publicação: 30 de junho de 2015):

"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - MEDIDA CAUTELAR INOMINADA - AÇÃO PRINCIPAL AJUIZADA NO PRAZO DE 30 DIAS - EXTINÇÃO DO PROCESSO - IMPOSSIBILIDADE - CASSAÇÃO DA SENTENÇA - MEDIDA QUE SE IMPÕE.

A ação principal deve ser proposta no prazo legal de 30 dias, contados da efetivação da medida cautelar, sob pena de perda da eficácia da liminar concedida e de extinção do processo cautelar, nos termos do que dispõe os artigos 806 e 808, I, do CPC, bem como a Súmula 482, do STJ. Assim, se a parte autora ajuizou a ação principal dentro do prazo legal de 30 dias, impõe-se a cassação da sentença que extinguiu o feito. Seguiria o CPC o mesmo raciocínio de contagem para ajuizamento de ação principal após efetivação da cautelar, já disposto naquele artigo 808, I, do CPC de 1973 que foi revogado."

Observe-se outra decisão, no mesmo sentido, do TJMG, sobre o tema no AC 0175079-13.2015.8.13.0686 - Teófilo Otôni (Data da publicação: 25.2.2021):

"EMENTA: APELAÇÃO CÍVIL. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA. BLOQUEIO DE BENS. NÃO AJUIZAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. PRAZO ART. 806 DO CPC/73. PERDA DA EFICÁCIA LIMINAR. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.

1. Sendo a medida cautelar, preparatória da ação principal, há que se observar o disposto no art. 806 do Código de Processo Civil/73, que determina a propositura desta ação no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da efetivação da medida liminar.

2. Não sendo a ação principal ajuizada no trintídio legal, a liminar cessa a sua eficácia e, ato contínuo, deve a ação cautelar ser extinta sem julgamento do mérito, nos exatos termos da sentença recorrida."

Ainda lembraram Fabio Teixeira Ozi, Ligia Lima Godoy e Raphael Augusto Lopes de Freitas(Prazo de tutela cautelar ainda é tema sem consenso jurisprudencial, in Consultor Jurídico, em 13 de agosto de 2019) que "um dos principais julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo que defendem a contagem de referido prazo em dias corridos é o Agravo de Instrumento 2150988-43.2016.8.26.0000, da 16ª Câmara de Direito Privado, de relatoria do desembargador Coutinho de Arruda, julgado em 3 de novembro de 2016, interposto contra decisão que declarou a perda de eficácia de tutela cautelar antecedente de sustação de protesto, por apresentação do pedido principal em prazo superior a 30 dias corridos.

.......

Entendimento semelhante figurou no Agravo de Instrumento 2127703-50.2018.8.26.0000, da 7ª Câmara de Direito Privado, de relatoria do desembargador Rômolo Rosso, julgado em 20 de agosto de 2018. A turma partiu do pressuposto de que o prazo para apresentar o pedido principal deve ser contado em dias corridos por ser decadencial, sem maiores discussões."

Por sua vez, Fabio Teixeira Ozi, Ligia Lima Godoy e Raphael Augusto Lopes de Freitas(obra citada) ainda lembram lembram:" O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro possui ao menos dois julgados aplicando a contagem em dias corridos, o que reforça a abrangência e relevância da discussão ( TJ-RJ, Agravo de Instrumento 0035168-34.2018.8.19.0000, 3ª Câmara Cível, rel. des. Renata Machado Cotta, julgado em 11/10/2018; TJ-RJ, Apelação Cível 0007636-19.2017.8.19.0001, 3ª Câmara Cível, rel. des. Peterson Barroso Simão, julgado em 25/9/2017). Há, ainda, decisões de outros tribunais que mencionam que o prazo do artigo 308 do Código de Processo Civil é de natureza decadencial, porém não afirmam se sua contagem se dá em dias úteis ou corridos, não restando claro se o termo decadencial foi utilizado para vincular a natureza do prazo como material ( Nesse sentido: TJ-RS, Apelação Cível 70074412081, 20ª Câmara Cível, rel. des. Glênio José Wasserstein Hekman, julgado em 30/1/2019; TJ-MG, Apelação Cível 1.0000.18.078035-5/001, 5ª Câmara Cível, rel. des. Wander Marotta, julgado em 31/10/2018)."

Dir-se-á que esse prazo, em sendo decadencial, não está sujeito à suspensão ou interrupção na contagem do prazo (STJ, Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 898.521/SP, 3ª Turma, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/12/2016; STJ, Agravo Interno no Recurso Especial 1.444.419/MG, 3ª Turma, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/10/2016)."

Ouso dizer, com mil vênias, que esse prazo não é decadencial. Esse prazo é preclusivo, próprio do direito processual.

III - REsp 1763736

O STJ, recentemente, como principal guardião da lei federal, deu interpretação sistemática na matéria ao tema conjugando tal prazo a regra de que os prazos no processo serão contados em dias úteis. Tal se deu no julgamento do REsp 1763736.

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o prazo de 30 dias para apresentação do pedido principal nos mesmos autos da tutela cautelar requerida em caráter antecedente - previsto no artigo 308 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) - possui natureza processual e deve ser contado em dias úteis.

O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que julgou extinto, sem resolução de mérito, o pedido principal apresentado por uma empresa de hematologia, por entender que o prazo de 30 dias seria decadencial e, por isso, deveria ser contado em dias corridos, como se lê do site de notícias do STJ, em 28 de junho de 2022.

Ali se disse:

"Segundo o relator do recurso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, a jurisprudência da corte é unânime ao considerar decadencial a natureza jurídica do prazo previsto no artigo 806 do CPC/1973, que estabelecia o prazo de 30 dias para a propositura da ação principal após a efetivação de medida cautelar preparatória.

A divergência, afirmou o magistrado, surgiu apenas com a vigência do novo CPC, que trouxe uma importante alteração ao estabelecer que o pedido principal deve ser formulado pelo autor nos mesmos autos da tutela cautelar deferida.

"Logo, pelo código vigente, não se trata mais de lapso temporal para ajuizamento de uma ação, sujeita, por exemplo, aos prazos materiais de prescrição e decadência, mas sim de prazo para a prática de um ato interno do processo, com previsão de ônus processual no caso do seu descumprimento", explicou.

Para o ministro, estando o prazo do artigo 308 do CPC/2015 diretamente relacionado à prática de um ato processual de peticionamento e, consequentemente, à efetivação da prestação jurisdicional,"possui, por desencadeamento lógico, natureza processual, a ensejar a aplicação da forma de contagem em dias úteis estabelecida no artigo 219 do CPC/2015".

Antonio Carlos Ferreira lembrou que, nessa mesma lógica, a Terceira Turma firmou entendimento segundo o qual o prazo de 15 dias do artigo 523 do CPC/2015, para pagamento do débito advindo de condenação em quantia certa, possui natureza jurídica processual e deve ser contado em dias úteis."

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

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