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Abuso de álcool e outras drogas e infrações administrativo-disciplinares

Por Mário Sérgio Sobrinho
Atualização:
Mário Sérgio Sobrinho. FOTO: MPD/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Aquele que convive com um usuário abusivo de álcool e outras drogas, expressão que doravante será indicada pela sigla AOD, normalmente, deseja ver a pessoa próxima reunir forças para receber cuidados e lidar, de modo maduro, com a situação, especialmente, se isso dificultar a convivência. O abusador de AOD, por vezes, cogita se cuidar, mas por variadas razões, muitos demoram até pedir ajuda, enquanto outros, suportam perdas diversas sem mobilizar esforços em benefício próprio.

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Familiares e amigos, em geral, são lembrados por ofertarem apoio fraterno ao abusador de AOD, tanto que, por vezes, juntos eles buscam serviços da rede de atenção psicossocial. Afora do contexto familiar, o exercício de profissão, encargo ou atividade, por exemplo, nas áreas pública ou recursos humanos, a prática da advocacia ou exercício de lideranças religiosas, são cenários nos quais pode surgir pedido de apoio para questão envolvendo AOD.

Avançando para outro quadrante, se extrai do Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, clara indicação que o Estado Democrático deve assegurar direitos sociais e individuais, liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça, valores supremos para construir uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, entre outros, com a solução pacífica de controvérsias. O art. 3º, da Constituição Federal, indicou como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, se tratando de objetivo que deve orientar as propostas dos legisladores federais, estaduais, distrital e municipais, bem como, as ações da Administração Pública.

No Estado de São Paulo, a Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968, que dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado, reforçou esse objetivo constitucional ao ser atualizada pela Lei Complementar nº 1.361, de 21 de outubro de 2021, que entre outras novidades, regulou as medidas consensuais cabíveis às infrações administrativo disciplinares menos graves, as quais dispensam a apuração integral do ilícito por meio de procedimento administrativo e a aplicação da punição prevista pela citada legislação.

A saber, três são as medidas consensuais inseridas no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado: a) práticas autocompositivas, especialmente aplicáveis às situações resultado de conflitos interpessoais; b) termo de ajustamento de conduta, adequado aos casos de extravio ou dano patrimonial não intencionais; c) suspensão condicional da sindicância.

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A pactuação dessas medidas, segundo o abalizado entendimento de Messias José Lourenço, não gera ao servidor admissão de culpa, mantendo sua primariedade e bons antecedentes, cabendo observar que o autor se refere à última delas pela abreviatura "susconsind" e a conceitua como "(...) medida de caráter consensual, na qual o prosseguimento de uma sindicância já instaurada é suspenso pelo prazo de um a dois anos, período em que o sindicado deverá cumprir determinadas condições.[1]"

Ao analisar a atualização do texto do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis, Messias José Lourenço considera que "dependendo das peculiaridades da falta e do perfil do sindicado[2]", poderá a autoridade responsável pela apuração da infração propor medida consensual que leve o servidor receber ajuda para o abuso de AOD e, comprovado o cumprimento da medida, a punibilidade do infrator será extinta.

Ao responsável pela apuração da infração administrativo disciplinar caberá propor ou admitir pedido de aplicação de medidas consensuais relacionadas ao abuso de AOD, providência que atenderá ao real interesse público, caso o servidor alcançado por alguma delas retome equilibradamente suas atribuições.

Essas atualizações próprias do espaço de consenso inseridas na legislação paulista não são inovadoras, porque outros Estados, Municípios e órgãos públicos brasileiros já adotaram mecanismos semelhantes para tratar das infrações administrativas, possivelmente, inspirados nos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, previstos pela Lei 9.099/1995, bem como, no acordo de não persecução penal, introduzido pela Lei 13.964/2019.

A mudança do paradigma punitivo para o consensual, nos casos de infração administrativo disciplinar praticada por servidor abusador de AOD, entretanto, atenderá a orientação contida nos Princípios do Tratamento Eficaz, do Instituto Nacional de Abuso de Drogas (NIDA), dos Estados Unidos da América, ao dispor que "sanções ou seduções da família, ambientes de trabalho e/ou sistema de justiça criminal podem aumentar significativamente a entrada no tratamento, as taxas de retenção e o sucesso final das intervenções de tratamento da toxicodependência[3]" e, também, contribuirá para que a administração substitua o conflito pela pacificação, troque a verticalidade das imposições e das punições pela horizontalidade dos diálogos e das negociações e, sobretudo, oriente, reeduque, cuide e busque recuperar o servidor.

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[1] Reforma Administrativa Disciplinar no Estado de São Paulo, 2022, 1ª Ed., 2022. Disponível em .

[2] Idem.

[3] Disponível em: . Acesso em 12 mar. 2022

*Mário Sérgio Sobrinho, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo e membro do MPD

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)

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