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Abertura comercial e reformas: o Brasil e o acordo Mercosul-UE

Por Lucas M. de Souza
Atualização:
Lucas M. de Souza. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No último dia 28 de junho, foi anunciada a conclusão das negociações do Acordo de Associação entre Mercosul e União Europeia, pondo fim a um processo que estava em curso desde 1999 e que, no Brasil, foi conduzido sucessivamente por cinco presidentes da República.

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Desde o anúncio, muitos pronunciamentos políticos e análises sobre prós e contras vêm ocupando a imprensa sul-americana e europeia e tal profusão de opiniões - convergentes e antagônicas - dá a exata dimensão da complexidade dos temas, setores econômicos e produtos englobados pelo Acordo.

O extenso período de negociação entre os Blocos também nos leva à mesma conclusão sobre a dificuldade política (tanto sul-americana quanto europeia) para construir consensos sobre assuntos internos tão sensíveis, como a efetiva abertura dos mercados nacionais para produtos estrangeiros, com a eliminação de barreiras tarifárias. Dificuldade agravada, em ambos os lados do Atlântico, em relação a determinados setores da economia que tenham sido historicamente protegidos.

As repercussões do Acordo serão significativas. Os dois Blocos representam, em conjunto, aproximadamente 25% da economia mundial e, quando entrar efetivamente em vigor, o Acordo formará uma das maiores áreas de livre comércio do mundo.

O texto final negociado passará por uma revisão técnica e jurídica e será traduzido para os idiomas oficiais dos países de ambos os Blocos. Só então, estará pronto para a assinatura formal entre Mercosul e União Europeia. Depois de assinado, o Acordo deverá, ainda, percorrer os procedimentos de aprovação legislativa interna nos países membros do Mercosul e, na União Europeia, a aprovação do Parlamento Europeu, para que se chegue à fase das ratificações do tratado internacional e ele possa produzir todos os seus efeitos.

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Segundo o Resumo Informativo elaborado e divulgado pelo Governo brasileiro, que sintetiza os principais pontos constantes do Acordo, as eliminações e reduções tarifárias serão gradativas. Ao final de um período de 10 anos, 92% das importações oriundas do Mercosul serão beneficiadas com a eliminação de tarifas alfandegárias atualmente impostas pela União Europeia. De outro lado, num período total de 15 anos, o Mercosul liberalizará 91% das importações provenientes da União Europeia.

Em linhas gerais, o Acordo abrangerá pontos como a eliminação completa ou a redução parcial de tarifas incidentes sobre produtos agrícolas e industriais, normas específicas para o comércio de serviços e investimentos, disposições sobre regras de origem, sobre medidas sanitárias e fitossanitárias, bem como sobre propriedade intelectual, dentre outros temas.

Em capítulo próprio, o Acordo dispõe sobre comércio e desenvolvimento sustentável, reiterando expressamente o compromisso das partes com a proteção das condições de trabalho, conforme os princípios fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os Blocos reiteram também, nesse capítulo, seu compromisso com a proteção do meio ambiente, aí inseridos temas como mudança climática, proteção da biodiversidade, manejo sustentável das florestas e da pesca, segundo as informações constantes do referido Resumo Informativo.

Quanto ao Brasil, o impacto desse Acordo será igualmente expressivo. A União Europeia, considerada em seu conjunto, já é hoje o segundo maior parceiro comercial do País, atrás apenas da China. Em 2018, 17,6% das exportações brasileiras teve como destino os países do Bloco, enquanto que estes foram a origem de 19,18% das importações feitas pelo Brasil, conforme dados do Ministério da Economia.

Nos debates sobre vantagens e desvantagens para o Brasil em decorrência do Acordo, as oportunidades para o País - como a potencial ampliação nas exportações de um conjunto significativo de produtos, em especial, agrícolas (mas não apenas estes) - vêm sendo confrontadas com os desafios que outros setores da economia brasileira terão para enfrentar os produtos importados.

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A questão é complexa, pois o Brasil é um país de economia diversificada. Produz e exporta uma vasta gama de produtos com níveis diferentes de valor agregado e o impacto de qualquer abertura comercial será sentido de maneira diferente em cada setor, cada qual com maior ou menor condição de fazer frente aos seus competidores globais.

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As discussões devem perdurar (e se aprofundar) pelos próximos anos, haja vista que, até a efetiva entrada em vigor do Acordo, há bastante chão político a percorrer. Para o Brasil, em sendo bem aproveitado, esse tempo pode ser decisivo na preparação do País para obter mais ganhos do que suportar perdas.

É sempre importante lembrar que a competitividade das empresas brasileiras guarda íntima relação com um conjunto de questões estruturais, de responsabilidade do Poder Público. Para ficar apenas em algumas delas, vale lembrar que a infraestrutura do País, em larga medida precária, tem impacto direto no preço dos produtos e serviços nacionais. Em alguns casos, somos líderes na produção e exportação de determinados produtos apesar de todas as dificuldades enfrentadas.

A lista de problemas é longa e não se restringe à necessidade de melhores estradas, portos e ferrovias ou a outras demandas que há décadas fazem parte do debate político, mas que não saem do papel, tais como a reforma do sistema tributário, de modo a torná-lo mais simples e justo; a melhoria da qualidade da educação pública e a ampliação do seu acesso; e mais investimentos em ciência e tecnologia. São todos temas batidos, mas, nem por isso, menos verdadeiros.

Mais do que o embate entre "liberalização" e "proteção" de mercados, seria importante refletir sobre o quão diferente o Brasil poderia estar se alguns dos problemas estruturais do País tivessem sido resolvidos de 1999 para cá. Talvez, as oportunidades do Acordo entre Mercosul e União Europeia fossem maiores que os desafios para o Brasil. Elas (as oportunidades) existem desde que o País esteja preparado.

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*Lucas M. de Souza, advogado e professor universitário. Coordena a Área de Direito Internacional Privado do escritório Rocha, Calderon e Advogados Associados. É Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais. Especialista em Direito Internacional e em Política e Relações Internacionais. Licenciado em História e Bacharel em Direito

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