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A verdade sobre as '10 Medidas'

Preocupa sobremodo a escalada punitiva em curso, que parece olvidar as garantias e os direitos constitucionalmente consagrados, em nome de um combate à corrupção que deveria, na verdade, ocupar-se da efetiva análise e remoção das causas da corrupção

Por Antônio Mariz de Oliveira , Hamilton Dias de Souza , Ives Gandra Martins e Renato de Mello J. Silveira
Atualização:

O atual estado das discussões jurídicas no País é preocupante. A crise das instituições renova-se a cada movimento de um tabuleiro armado em terreno pantanoso. As últimas decisões havidas quanto às "10 Medidas Contra a Corrupção" são um exemplo de como a perversão da discussão mais confunde o leigo do que esclarece.

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Preocupa sobremodo a escalada punitiva em curso, que parece olvidar as garantias e os direitos constitucionalmente consagrados, em nome de um combate à corrupção que deveria, na verdade, ocupar-se da efetiva análise e remoção das causas da corrupção. Punir é necessário, mas evitar o crime é fundamental.

Chega a assustar, pelo ineditismo, a ênfase, o ardor com que tais medidas são defendidas por seus autores, a ponto de constranger aqueles que as contestam e, de imediato, são tachados de apologistas da corrupção. Nessa posição, claramente antidemocrática, já se vislumbra um avanço inaceitável do autoritarismo judiciário.

É preciso ter presente que a dialética processual, o livre debate de ideias e de propostas, inclusive das "10 Medidas", fazem parte de um sistema em que imperam o contraditório e a oposição no plano do pensamento, condição do sistema judiciário democrático.

Inicialmente, deve-se realçar que as referidas "10 Medidas", com as alterações introduzidas pela Câmara dos Deputados, não se apresentam como condição de êxito da Operação Lava Jato. Aliás, nem a ameaça de "renúncia" dos procuradores, como noticiado pela mídia, abalará tal operação, pois o Ministério Público é uno e indivisível. Outros procuradores assumirão as funções dos renunciantes.

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Tratava-se, a princípio, de projeto que visava a munir o Estado de instrumentos eficazes de combate à corrupção. Pretendia-se criar novos tipos penais, aumentar penas e alterar o Código de Processo Penal para acelerar o julgamento dessas matérias. Também se pretende modificar as leis da ação civil pública, da ação popular e de improbidade administrativa.

Constavam do projeto outras matérias, como as relativas a um "teste de integridade", com o objetivo de averiguar a honestidade de agentes públicos; à previsão de tipificação de crime de enriquecimento ilícito; a alterações nos prazos de prescrição penal; à responsabilização de dirigentes partidários e à suspensão do partido; bem como à imposição da extinção de domínio de bens antes da condenação final e à extinção da defesa prévia na ação de improbidade administrativa, entre outras.

Aprovaram-se ainda medidas decorrentes dos debates parlamentares, como normas de transparência que obrigam a publicação de estatísticas sobre o Ministério Público e o Poder Judiciário, bem como o treinamento de funcionários públicos contra a corrupção e o aumento de penas para alguns crimes (estelionato, peculato e corrupção).

Das inovações, além da criminalização do exercício irregular da advocacia e da violação da prerrogativa dos advogados, destaca-se também a travada em torno do projeto a respeito do abuso de autoridade. Aliás, no projeto das "10 Medidas" foram inseridos alguns dispositivos que criminalizam condutas específicas de juízes e de promotores.

Estes, com a repercussão que a mídia lhes dá, estão procurando difundir a ideia de que as respectivas figuras típicas representam "crimes de hermenêutica". Nada mais enganoso. São tipos que contêm núcleo, elemento subjetivo e elemento normativo bem definidos. Vale dizer, são tipos fechados que de forma alguma atingem condutas voltadas para a interpretação de lei ou de doutrina. Não se entra no mérito da pertinência de tais criminalizações ou de sua necessidade, o que se afirma, apenas, é que não constituem "crime de hermenêutica".

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Há outro projeto de lei em curso no Senado Federal (PL 280/16), que não se confunde com o oriundo da Câmara (PL 4.850/16), cujo texto original (elaborado entre 2008 e 2009) decorreu de trabalho de grupo designado pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. Foram seus integrantes os insuspeitos ministro Teori Zavascki, o professor Rui Stoco, Antônio Humberto de Souza Júnior, o desembargador Vladimir Passos de Freitas, os professores Luciano Fuck e Everardo Maciel e a doutora Dalide Barbosa Alves Corrêa. Nesse projeto se tipificam condutas cuja abrangência é significativamente superior àquela de que trata o PL 4.850/16.

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A grita que ecoa, de forma estrondosa, contra a criminalização do abuso de autoridade se refere principalmente ao alegado cerceamento que ele causará às autoridades que combatem a corrupção, pondo em risco a Operação Lava Jato.

Ora, vimos que a Operação Lava Jato se mostrou extremamente eficiente quanto aos fins a que se propôs. Será que tal eficiência decorre de reiterados abusos dos seus responsáveis? Sem os abusos, doravante, as medidas a serem adotadas não surtirão efeitos?

É óbvio que as autoridades afirmarão não ter havido excessos. Dessa afirmação, uma pergunta se impõe: se não houve ilegalidades, por que o receio quanto a uma lei que venha a punir abusos?

Cumpre realçar que todos os países civilizados adotam medidas legislativas que põem limites à ação punitiva estatal e sancionam condutas que ultrapassam tais limites.

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Talvez escape da percepção de alguns que não existem tantas novidades na proposta oriunda da Câmara dos Deputados. Apenas se giza que tais agentes públicos também podem praticar crimes. O que antes era genérico agora é específico. Mas isso, nem de longe, se afigura como mordaça, freio ou bridão de juiz, de promotor ou de qualquer outra autoridade. A liberdade é, em estado democrático, regra. Sua perversão, crime. E isso, pontue-se, não é inovação explícita do momento, mas discussão já de anos.

*Antônio Mariz de Oliveira, Hamilton Dias de Souza, Ives Gandra Martins e Renato de Mello J. Silveira são advogados **Artigo publicado em O Estado de S. Paulo na edição desta sexta-feira, 9

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