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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

A verdade (real) de Moro

Por Marco Antonio Barbosa de Freitas
Atualização:
Marco Antonio Barbosa de Freitas. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Tenho 50 anos, sou juiz de Direito há 25, e professor de Direito Processual Civil há 24. Não, não estou me candidatando a algum cargo público ou privado, pois me sinto plenamente realizado na Magistratura e no Magistério, apesar dos pesares.

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Essa singela apresentação serve apenas para que o distinto leitor saiba que tenho mais ou menos a mesma idade e experiência nas funções exercidas, até dezembro último, pelo nosso atual ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Fernando Moro, que então ainda permanecia na condição de juiz de 1.ª Instância de Vara Federal Criminal em Curitiba.

Por isso, creio que já tenha rodagem para afirmar que não é fácil ser um bom juiz, como também não é fácil ser um bom médico, ou um bom engenheiro ou um bom estudante, enfim, é tarefa árdua ser aplicado, diligente, disciplinado, comprometido em quaisquer atribuições ou desafios que se nos são apresentados nas circunstâncias pessoais de cada um.

Todavia, no caso específico da atuação do então juiz Sérgio Moro, permanentemente à tona em razão da repercussão dos casos que julgou e, mais recentemente, em face dos alegados vazamentos de conversas que teria mantido com membros do Ministério Público, é preciso que algumas ponderações sejam feitas para mera reflexão, sobretudo de quem não está habituado à rotina forense.

Logo de saída é preciso deixar claro que o raciocínio que cá se desenvolve é lastreado em premissas cuja veracidade não se sabe se presentes: esses tais diálogos que teriam sido extraídos por hackers, se efetivamente aconteceram, são, indubitavelmente, prova ilícita, e, portanto, imprestáveis para sustentar a acusação ou a absolvição de quem quer que seja, ainda que vozes interessantes ou interessadas possam dizer o contrário.

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Pois bem, mas ainda assim, suponhamos que se provasse que tal prova ilícita tem conteúdo irretocável - sem edição e sem descontextualização -, remanesce questionamento que tem suscitado não poucos e nem amenos debates entre articulistas, jornalistas, juristas, políticos e na sociedade em geral, de quem o atual Ministro da Justiça, dependendo da simpatia a determinada coloração política, sempre foi destinatário de amor ou ódio: o então juiz foi parcial quando julgava - e muitas vezes condenava - vários próceres da República das duas ou três últimas décadas?

A resposta, do ponto de vista da estrita técnica processual - registrada a devida vênia a quem pensa de forma diversa -, é negativa, ainda que seja plenamente salutar a existência do debate que possa apontar, num ou noutro ponto, alguma crítica à postura do magistrado, sempre se sublinhando que sequer se tem certeza se tais diálogos existiram.

Toda a celeuma gira no entorno do papel do juiz nos dias que correm, em especial quando em jogo o jus libertatis num processo penal; ensina-se, geralmente ainda no segundo ano das faculdades de Direito, que, em casos tais, o juiz não deve se conformar com posição de passividade em relação ao que acusador e réu lhe trazem de material probatório para julgar - a tal verdade meramente formal -, mas deve espontaneamente avançar na busca de provas, em caso de eventual inércia ou inépcia dos que, originariamente, deveriam bem se desvencilhar de tal mister.

Aprende-se, então, nas aulas de Teoria Geral do Processo, que nessas situações o juiz dará cabo do princípio da verdade real, eis que independentemente de solicitação das partes, seu objetivo maior é chegar o mais próximo possível dos fatos como realmente ocorreram; obviamente que estas linhas não se destinam à Comunidade Jurídica, para quem, certamente, esta é lição para lá de elementar, mas sim àqueles que, não sendo do meio jurídico, estranharam a procura do juiz, a todo tempo, por provas que pudessem delinear o eventual comportamento delitivo dos réus sob seu julgamento.

Não se pode confundir parcialidade de julgamento com busca incessante por provas: no primeiro caso, tem-se julgador subjetivamente vinculado a interesses de uma das partes; no segundo, tem-se julgador objetivamente comprometido na busca da verdade (real), e, por isso, não soa disparatado que, em harmonioso diálogo mantido com quaisquer representantes dos polos da ação, recomende o juiz a obtenção de provas que formarão o seu convencimento, já que ele será o destinatário delas.

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Registre-se, ademais, que o Ministério Público e o Poder Judiciário são instituições estatais que, no âmbito penal perseguem a Justiça, ainda que por vieses distintos: o primeiro promove a justiça - me parece muito mais adequada, pois, a nomenclatura que se dá a esse órgão no âmbito estadual (Promotoria de Justiça) -, enquanto que o segundo distribui justiça; tanto é que, se assim entender, o promotor pode (e deve), inclusive, pedir a absolvição de alguém que ele próprio denunciou, se ao cabo do processo não houver provas bastantes à condenação.

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Ao que se vê ao menos à distância - já que costumo dizer que falar de processo sem acesso aos autos é o mesmo que o médico examinar doente pelo telefone -, a sanha que impregnava o então juiz envolvia exclusiva e exaustivamente a obtenção de provas e não a condenação de réus; aliás, conclusão diversa implicaria se ignorar as quase duas dezenas de juízes que, em outras Instâncias do Poder Judiciário, com algum reparo pontual, mantiveram a maioria das decisões do Juízo Inferior, contra políticos dos mais diversos matizes ideológicos.

Na presente quadra o país atravessa, desde 2015, profunda depressão econômica na qual insiste em permanecer pelas mais diversas razões que caberiam ser consideradas em outro espaço; experimenta doses cavalares de paixões políticas desvinculadas das mais elementares evidências, e agora parece fadado a extremismos que, de um lado e de outro, parecem só se unir numa única plataforma: a ojeriza à verdade (real).

*Marco Antonio Barbosa de Freitas, juiz de Direito, Mestre em Direito e professor titular de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade Santa Cecília (Unisanta)

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