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A vacinação pelo SUS é justa, solidária e mais eficiente no combate à pandemia

O texto "Fatos e falácias sobre a vacinação privada", assinado pelos senhores Gabriel Maradei e Marcelo Acosta e publicado neste espaço, utiliza como ponto de partida uma frase minha contrária à permissão para que empresários possam comprar diretamente vacinas contra a Covid-19 para imunização própria e de seus funcionários e familiares. Ao contestá-la, fazem uma ardorosa defesa da vacinação privada. Para tanto, recorrem a informações enviesadas e sofismas, os quais, na condição de citado, me permito debater uma a uma.

Por Henrique Fontana
Atualização:

Excluindo algumas considerações desrespeitosas e eivadas de bordões do fundamentalismo liberal que em nada contribuem para enfrentar a gravidade da questão, vamos observar em que objetivamente os autores limitam seus argumentos. Falam da participação da iniciativa privada na realização de testes, em torno de 43%, dado real que se deve à política negacionista do governo federal. Este deputado, como tantos outros, sempre cobrou a aquisição de testes e de respiradores, além, obviamente, das vacinas. Aliás, chama a atenção no artigo a ausência de críticas em relação à desastrada gestão da pandemia por parte do governo Bolsonaro, o atraso na compra de vacinas, a defesa criminosa de medicamentos ineficazes e o permanente boicote aos protocolos recomendados pela Organização Mundial da Saúde.

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No entanto, mais adiante, os próprios autores do artigo observam que a comparação testes/vacinas "é injusta", portanto não me alongarei sobre ela. A seguir, argumentam que a participação privada na vacinação no Brasil alcança 8% do total contra moléstias como sarampo, poliomielite e influenza. São quadros completamente distintos. Hoje, enfrentamos uma doença nova, altamente contagiosa e com mortalidade muito elevada, que exige não a imunização individual, mas a imunização de toda sociedade, que é chamada tecnicamente de imunidade de rebanho, para que seja debelada o mais rapidamente possível, caso contrário ela persistirá, desenvolverá novas variantes e se manterá como um risco permanente à saúde pública por um longo tempo.

A única forma de enfrentar esse problema com responsabilidade é através de um Plano Nacional de Imunização operado pelo Sistema Único de Saúde que leve em conta critérios recomentados internacionalmente, priorizando as populações mais vulneráveis pelos critérios da idade, das comorbidades e dos maiores riscos de contaminação pela atividade que exerçam. Este é o critério justo do ponto de vista humanitário e o mais eficaz para controlar a pandemia. É difícil imaginar uma pessoa de bom senso defendendo que um jovem de 30 anos trabalhando em uma empresa X deva se vacinar antes de um diabético com 60 anos desempregado, por exemplo. O critério proposto pelos defensores da "vacinação empresarial" é o do salve-se quem puder. "Se a vacina está em falta quero primeiro garantir a minha", é a exasperação da visão individualista.

O deputado federal Henrique Fontana (PT-RS). Foto: Michel Jesus/ Câmara dos Deputados

Diante do caos sanitário que o governo Bolsonaro criou no País, por ter deixado de comprar vacinas quando elas eram disponíveis, e diante da constatação de que a pandemia saiu de controle e o Brasil já registra uma média de mais de 3 mil mortes por dia, essa elite do atraso resolveu colocar um plano em marcha: "na falta de vacinas, dizem eles, eu quero primeiro vacinar a mim, a minha família, e os meus funcionários e seus familiares".

O projeto aprovado na Câmara é um escândalo mundial e significa o abandono dos critérios técnicos, epidemiológicos, científicos e humanitários. Recorro à nota divulgada por 29 entidades ligadas ao setor da Saúde: "A abertura da vacinação para clínicas privadas pode impactar negativamente o controle da pandemia, aumentar as desigualdades sociais na saúde e os riscos inerentes ao prolongamento da circulação do vírus na população. A mercantilização da vacina não será tolerada por um Brasil que luta pela vida, por um país mais justo e solidário".

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Os autores do artigo argumentam que a compra privada de vacinas no mercado fornecedor aumentaria a quantidade de doses disponíveis. Para empregar um termo por eles utilizado, trata-se de uma falácia. Eu desafio os empresários a mostrar onde tem vacinas disponíveis no mundo. Se eles sabem onde elas estão, por que não contam para este governo incompetente de Bolsonaro, para que compre as vacinas para todos os brasileiros? Eles querem o privilégio, querem o escárnio, querem o salve-se quem puder.

Por fim, os autores concluem que optar exclusivamente pela vacinação pública "é apagar a mente brilhante de milhares de empreendedores brasileiros que poderiam ajudar". Se empresas querem ajudar, podem comprar vacinas e doar ao SUS. Se empresas tivessem mais eficiência do que a Nação para comprar vacinas, o que não é verdade, poderiam comprar e doar ao SUS para atender primeiro quem mais precisa. Mas não é isto que os defensores deste projeto querem, o que eles buscam é um canal para furar a fila num ambiente onde faltam vacinas no mundo.

Se querem ajudar o país a combater a pandemia como um todo, e não só furar a fila da vacina, por que não financiam leitos de UTI em hospitais privados para os seus funcionários com covid? Só para citar um exemplo. Aqui, é importante elogiar esforços do setor privado que contribuíram de forma universal e republicana no enfrentamento da pandemia. Mas, definitivamente, este não é o caso desta tentativa de privilégio na vacinação.

Outra pergunta intrigante que deixo para eles responderem é: por que as compras de vacinas foram todas feitas pelos governos, de forma pública, em todos os países do mundo que estão enfrentando bem a pandemia?

Apesar de Bolsonaro e sua política negacionista, a importância do Sistema Único de Saúde, constantemente assediado pelas visões privatistas, tem se afirmado perante a população como a melhor ferramenta para salvar vidas e, apesar de todas as dificuldades, combater a pandemia de forma eficiente.

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* Médico, deputado federal (PT-RS)

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