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A vacinação em empresas e a comunicação da compulsoriedade

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Por Ágatha Camargo Paraventi
Atualização:
Ágatha Camargo Paraventi. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A aprovação do PL 534/2021 pelo Senado Federal, que pretende autorizar estados, municípios e o setor privado a comprarem vacinas contra a Covid-19, acelera a discussão sobre como as organizações irão tratar a vacinação de seus empregados.

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O texto segue para tramitação na câmara dos deputados. Se aprovado, durante o período de vacinação dos grupos prioritários definidos pelo Ministério da Saúde, as empresas privadas deverão doar para o Governo Federal o total dos lotes comprados. Após esse período, as empresas poderão fazer uso de metade dos lotes das novas aquisições para seus empregados. O texto ainda destaca que a vacina não poderá ser cobrada, deverá ser oferecida gratuitamente pelas empresas.

Neste sentido, a pergunta "as empresas poderão obrigar seus funcionários a receber a vacina?" vem sendo discutida por advogados trabalhistas, juízes, profissionais de compliance, de recursos humanos e por profissionais de comunicação, que terão a responsabilidade de construir as narrativas e o posicionamento sobre o tema para os empregados e os diversos públicos.

No aspecto legal, as diferenças entre vacinação compulsória e forçada estão sendo bem esclarecidas, principalmente com apoio do julgamento do Supremo Tribunal Federal das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6586 e 6587, no qual decidiu-se que a obrigatoriedade de vacinação é constitucional. Na aplicação dessa obrigatoriedade, no entanto, uma empresa não poderia forçar um empregado a ser vacinado, mas, compulsoriamente, poderia estabelecer medidas restritivas.

Essas medidas restritivas poderiam envolver, segundo a interpretação de juízes do trabalho, a possibilidade de um empregador deslocar um funcionário de atividades presenciais para não colocar em risco os colegas de trabalho, não contratar pessoas que no processo seletivo declaram que não se vacinariam e até realizar desligamentos. Como o ingresso e a permanência de um empregado em uma organização representam uma escolha de ambas as partes, essa regra restritiva seria um critério adicional para estabelecer e manter relações de trabalho.

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Deste modo, a possibilidade de medidas restritivas coloca na agenda de compliance officers e comunicadores a necessidade de compreensão do universo de funcionários que possam decidir não se vacinar.

Uma pequena parcela da população tem reagido de forma contrária à vacina e está tencionando a opinião pública, principalmente com as disputas narrativas entre a Presidência da República, Ministério da Saúde, imprensa, profissionais e pesquisadores. A pesquisa Datafolha, realizada entre 20 e 21 de janeiro de 2021 com 2.030 brasileiros, aponta que 79% das pessoas pretende se vacinar, 6% a mais que o levantamento realizado em dezembro de 2020, mas ainda abaixo dos 89% que pretendia se vacinar em agosto de 2020, antes do posicionamento do presidente Jair Bolsonaro no dia 31 de agosto, de que "ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina". Pesquisa com objetivo similar foi realizada pela Fiocruz, com início de coleta de dados no dia 22/01/2021 e amostra que supera 170 mil pessoas, mas ainda não foi divulgada.

A partir dessa diferença de opiniões, que sim, estará presente nos ambientes de trabalho, é preciso refletir os desafios de construção do entendimento e de como uma organização irá implementar as políticas de restrições a quem desejar não se vacinar ou que não puder se vacinar, por exemplo, por estar gestante ou ter alguma forma de alergia.

Inicialmente, é preciso demarcar a responsabilidade das organizações. Talvez já esteja avançado o entendimento de que a vacinação de empregados deve ser compulsória porque as empresas são responsáveis por proteger a saúde e evitar a contaminação dentro de seu ambiente produtivo. Os empregados e o Estado cobram essa responsabilidade: em 2020, das 93 mil denúncias recebidas pelo Ministério Público do Trabalho, 38% ou 36.010 são relacionadas a desrespeito com protocolos e equipamentos de segurança para evitar a contaminação por Covid-19. Adicionalmente, a cobrança por comportamentos em conformidade com os temas de ESG é determinante para o valor atribuído por grupos de pressão, investidores, clientes e demais públicos de interesse.

Assim, as organizações precisarão garantir a vacinação de seus empregados para que eles e toda a sua cadeia produtiva, incluindo os públicos de relacionamento, estejam protegidos.

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Mas como fica essa responsabilidade da empresa frente à liberdade individual de um funcionário, de não poder ser obrigado a se vacinar? Existe uma discussão sobre a discriminação desses empregados, na aplicação das medidas restritivas. Se for do interesse da organização, ela pode promover adaptações, destinar esses funcionários a atividades de teletrabalho, por exemplo, mas nem sempre isso será possível.

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Neste sentido, a comunicação de integridade tem o desafio, neste momento de pandemia, de construir o código moral coletivo por meio do qual as pessoas dentro das organizações irão tomar decisões e julgá-las como justas ou injustas. Essas decisões, além de eficazes para proteger vidas, precisam ser compreendidas para não afetar valores organizacionais como respeito, cuidado, equidade e justiça. Como será interpretada, por exemplo, uma decisão de mudar um funcionário de área, contra sua vontade, porque neste mesmo ambiente trabalha uma gestante (que não pode se vacinar) e tem o direito de segurança e saúde? E se a decisão for pelo desligamento?

Esta primeira aprovação do PL 534/2021 suscita essa pergunta de como construir coletivamente o entendimento sobre o dever da responsabilidade da organização com todas as pessoas que ela afeta coletivamente, mesmo que individualmente algumas partes sejam prejudicadas.

Historicamente, a forma como são aplicadas restrições em casos de vacinação compulsória pode ajudar a traçar um paralelo, pois já convivemos com restrições a quem exerce sua liberdade de não se vacinar. O acesso a estados endêmicos para febre amarela, por exemplo, apenas é feito mediante carteirinha de vacinação; a contratação de funcionários em empresas destas regiões também é condicionada à apresentação deste comprovante. Cabe também citar o caso recente de julgamento pelo STF, em 17 de dezembro de 2020, de um recurso apresentado por pais que pediam a desobrigação de cumprirem o calendário nacional de vacinação com o filho, por convicções pessoais sobre cuidados com a saúde, sem o uso de medicamentos. Por unanimidade os ministros rejeitaram o recurso, por compreenderem, na interpretação do relator, Luís Roberto Barroso, que "o direito à saúde da coletividade e das crianças prevalece sobre a liberdade de consciência e convicção filosófica". Edson Fachin destacou em seu voto que "sem vida digna não há liberdade. A verdadeira liberdade para todos não poderia existir se submetida a um princípio que reconheça um direito de usar a própria liberdade independentemente do dano que pode ser causar a outros."

Essas restrições que já vivenciamos e acompanhamos demonstram a superioridade da responsabilidade coletiva. Dentro das organizações, entende-se que ela irá balizar as decisões, conduções e medidas restritivas necessárias.

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Mas não é suficiente apenas aplicar uma política e informá-la. É preciso cuidar para os significados que isso produz no clima e na cultura organizacionais. As culturas foram e estão sendo tensionadas e provocadas frente às adaptações desde o início da pandemia. Neste sentido, a condução das campanhas de vacinação, a observação do consentimento em ambientes organizacionais marcados por relações de poder que podem ser interpretadas como coação, bem como as possíveis medidas restritivas, precisam ser bem planejadas.

É preciso dialogar, colocar todas as alteridades em conversa para esse entendimento, ajustes e reajustes das medidas de responsabilidade das empresas. Talvez o ambiente organizacional seja o espaço no qual a falta de diálogo da sociedade polarizada possa ser superada por conversas de pessoas que já se unem por um objetivo profissional. Talvez seja o ambiente onde a partir das diferenças de posição, sejam construídos significados e caminhos para o objetivo de fato comum a todos nós: a proteção da vida.

*Ágatha Camargo Paraventi, professora da Faculdade Cásper Líbero

Este artigo faz parte de uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), com publicação periódica. Acesse aqui todos os artigos.

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