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A última ditadura da Europa?

No eterno governo de Alexander Lukashenko, bandas de rock são a trilha sonora dos protestos anti-regime na Bielorrússia

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Por Felipe Bonamin Viveiros de Paula
Atualização:

Felipe Bonamin Viveiros de Paula. FOTO: VIVIANE SEEGER Foto: Estadão

"Partisan rock é a música da luta pela liberdade. Não efêmera ou espiritual, mas uma liberdade verdadeira que permite decidir nosso próprio destino. Nós não queremos o retorno da União Soviética. Os povos da Bielorrússia e da Ucrânia querem uma libertação completa do jugo do Kremlin. A luta contra o totalitarismo, o poder sujo e o pensamento imperial de Putin é a tarefa mais importante e o tema principal de nossa resistência musical."

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Esse foi o manifesto do músico bielorrusso Siarhei Mikhalok e sua banda Brutto durante um show em Varsóvia, em 2015. A Polônia, assim como a Hungria têm sido espaço importante para a música bielorrussa. Em meio a polarização da mídia pública, falta de liberdade de imprensa, aparelhamento do Tribunal Constitucional e discriminação sistemática de minorias tanto na Polônia quanto na Hungria, bandas e cantores da bielorrussos ainda são livres para tocar a música e os corações de seus cidadãos exilados nos dois países. O que isso significa? Um novo paradigma. A ascensão das "Democracias Iliberais", como bem definiu - com orgulho - o primeiro-ministro húngaro Viktor Urbán, após sua reeleição em 2014.

Não há dúvida de que a Hungria e a Polônia caminham para uma direção autoritária. Embora sejam consideradas "democracias imperfeitas", de acordo com o Democracy Index da revista britânica The Economist, tais nações partem do princípio que a vontade da maioria parlamentar nunca pode ser questionada. Um entendimento equivocado da democracia, que deveria estar sempre inserida em uma estrutura de regras constitucionais que restringe o poder daqueles que ocupam os cargos. Nas "democracias iliberais" você não encontrará presos políticos ou jornalistas que desaparecem na calada da noite. Os dissidentes são livres para concorrer às eleições, organizar protestos e criticar seus governos em veículos de mídia independentes. O que distingue figuras como Andrzej Duda, na Polônia, e Viktor Orbán, na Hungria, é a crença de que os longos mandatos populares dão-lhes o direito de fazer o que bem entenderem. Vivemos na era das "Democraturas", verdadeiras ditaduras em pele de democracia. Há, é verdade, os que ainda não se preocupam com tal disfarce. A Bielorrússia, por exemplo, é governada há décadas - de maneira explícita - em dissonância com a democracia, por quem ganhou o título de "último ditador da Europa" no sentido mais tradicional da palavra: Alexander Lukashenko.

O líder é um típico "coronel" da política bielorrussa. No começo dos anos 1990 fez campanha eleitoral com a promessa de que iria conduzir a nação para longe das crises econômica e política. E ardiloso, não esclareceu como. Lukashenko conhece a política dos velhos costumes e os costumes da nova política. Colocou o país de volta no "rumo soviético", reintroduziu símbolos da República Socialista Soviética da Bielorrússia, destituiu o poder do Parlamento e reestabeleceu o russo como idioma oficial. Os jovens do país começaram a compor letras em bielorrusso, língua marginalizada e reprimida na antiga União Soviética. A música se tornou um ponto de encontro para os que se recusam a aceitar a "re-sovietização" do país.

Há, até mesmo, duas bandeiras nacionais. A oficial verde e vermelha - introduzida por Lukashenko e modelada na antiga bandeira da República Soviética - e a de protesto pré-soviética, nas cores branco-vermelho-branco (veladamente proibida). Lukashenko é o primeiro - e único - presidente da República desde a criação do cargo na Bielorrússia, em 1994. Mudou a constituição inúmeras vezes e permanece no cargo por uma impressionante marca de seis mandatos, enquanto os meios públicos de comunicação transmitem a ideia de um governo colorido. Erraram a paleta de cores. Nos bastidores da televisão estatal, a repressão segue em preto em branco. Os "nichos de liberdade" são vistos pelo regime como ameaça, e diversos músicos tiveram que deixar o país, como o caso da banda Lyapis Trubetskoy.

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O nome do grupo é uma homenagem ao herói do romance satírico "As Doze Cadeiras" de Ilya Ilf e Yevgeny Petrov. A banda alcançou popularidade em diversos países pós-soviéticos ao mesclar pop non-sense com ska punk irônico. No videoclipe de Kapital (2007), o conjunto fez uso da estética dadaísta para mostrar Lukashenko cercado por suas paixões: tratores, jogadores de hóquei no gelo e querubins alados em desfile ditatorial. Claro, o clipe foi banido na Bielorrússia. Já, do lado de fora das fronteiras, ganhou diversos prêmios e foi verdadeiro hit no YouTube.

Entre sucesso comercial, credibilidade underground e uma expressão única, lançaram em 2008 a canção Belarus Freedom, uma sátira da União da Juventude Republicana Bielorrussa (patrocinada pelo Estado). Com muita ironia, a letra deixa claro que "jogar hóquei é o grande destino do país". Lukashenko, com frequência, cita o esporte no gelo como um dos grandes símbolos do poder bielorrusso. A banda, tempos depois, foi trilha sonora das manifestações de 2011 na capital Minsk. E, no mesmo ano, foi banida no país. O motivo? Seus membros, de maneira aberta, não reconheceram os resultados da "eleição" presidencial de 2010. A quarta reeleição de Alexander Lukashenko.

O frontman, Siarhei Mikhalok, escreveu uma carta aberta para que o presidente libertasse os opositores detidos por discursarem questionando a legitimidade do seu "mandato". A resposta do governo? A abertura de processo criminal contra o músico por "insultar o Presidente". É muito claro que as estações de rádio, os canais de televisão e as casas de shows na Bielorrússia são livres apenas para aqueles que apoiam Lukashenko. As autoridades bielorrussas jamais sancionam apresentações e declarações de artistas pró-russos. Não há ideias radicais ou misantrópicas nas letras de Lyapis Trubetskoy. Mas, na Bielorrússia, a liberdade tem lado. As músicas da banda foram proibidas de tocar nas rádios do país. Inimigos do Estado e ardentes campeões do livre arbítrio, seus membros exilaram-se na Ucrânia.

Quando a liberdade individual é sufocada, busca um suspiro no coletivo. Respira e inspira o ar de outras fronteiras. Proibida na Bielorrússia, a canção Voiny Sveta - em português "Guerreiros da Luz" - tornou-se hino da Euromaidan, a primavera ucraniana de 2013. A música de Lyapis Trubetskoy soou, nas barricadas dos protestos, como um grito pelo fim do abuso de poder, respeito aos direitos humanos e aproximação com a União Europeia. Os "Guerreiros da Luz" também enfrentaram o som da escuridão. Mais de 100 pessoas foram mortas. Com o colapso do governo pró-Moscou na Ucrânia, a Rússia retalhou de maneira desproporcional - e ilegal - com a anexação da Crimeia, a maior apropriação de território na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Depois dos acontecimentos, Lyapis Trubetskoy separou-se e o frontman Siarhei Mikhalok tornou-se o líder do coletivo Brutto.

Na luta contra a ociosidade social e a inércia política, o vocalista deixou claro que os inimigos continuam sendo "o Kremlin, os impérios, os tiranos, Lukashenko e Putin". Lyapis Trubetskoy ficou conhecido por seus videoclipes chamativos, berrantes, ousados. A banda criou um vocabulário imagético para a resistência política na Bielorrússia e com o coletivo Brutto não foi diferente. A faixa Motherland, aborda a vida no exílio. Entre a fantasia da brutalidade e a brutalidade da fantasia, a canção traz a música como instrumento de defesa. Algo fundamental em uma região onde a censura do rock - mesmo na ausência de mensagem política aberta - é forte tradição do Estado. Diante das circunstâncias históricas, condições culturais e qualidades estéticas, a música popular reúne cidadãos para formar eficazes comunidades políticas.

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Uma disputa cultural está em curso na Europa. O prêmio? O direito de definir o continente. As linhas de cada batalha dessa guerra estão sendo traçadas em todos os aspectos da vida cotidiana, e as bandas de rock têm sido elementos centrais para a evolução dos protestos anti-regime. Duas das bandas mais criativas do pós-União Soviética, Lyapis Trubetskoy e Brutto têm respondido, de maneira consistente aos movimentos populares. Os bielorrussos querem ser cidadãos, não objetos do Estado. Os apelos por mudança na "última ditadura da Europa" nunca foram tão altos como a música que ecoa também pelas ruas das novas "democraturas". Seria mesmo a Bielorrússia, a "última ditadura da Europa"? Exilados, os hinos de protesto não encontram exílio para os regimes autoritários que produziram seus próprios heróis.

*Felipe Bonamin Viveiros de Paula, graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, tem extensão universitária em Comunicação Empresarial pela Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e é mestre em Relações Internacionais e Organização Internacional pela Universidade de Groningen (Holanda). Escreve e edita o site www.culturadorestodomundo.com

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