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A transformação digital da agenda política

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Por Wesley Vaz
Atualização:
Wesley Vaz. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  

No meio de uma pandemia global, entre a maior queda do PIB em décadas e com reformas estruturais sendo negociadas, o Brasil parece ainda não ter despertado para a melhor maneira de modificar os mercados e as políticas públicas em direção ao futuro: a economia digital. A evolução do ambiente digital no Brasil é fundamental para um futuro econômico mais próspero e para uma consciência coletiva sobre os impactos da economia digital na sociedade. A [r]evolução digital do Brasil deve se transformar em uma agenda política nacional.

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Temas de debates inflamados, episódios recentes como a invasão no twitter de personalidades, debate sobre projeto de lei sobre fake news, bloqueio de contas em redes sociais, telemedicina para tratamento da Covid-19 e debates sobre o leilão 5G têm tido destaque. Em comum, são assuntos que ocupam cada vez mais espaço nas instituições governamentais de todos os Poderes e exemplificam as nuances economia digital e seus impactos na política, na economia e na justiça.

Na semana passada, os principais executivos da Amazon, Facebook, Alphabet e Apple testemunharam junto à Comissão de Justiça do Congresso Americano. O motivo: se defenderem da tese de atuação predatória nos seus mercados, virtualmente sem concorrentes, resultando em excesso de poder. As quatro empresas somam US$ 5 trilhões em valor de mercado, o equivalente a aproximadamente três vezes o valor do PIB do Brasil. O foco da defesa sincronizada das Big Techs foi nos milhões de empregos, nos bilhões investidos em pesquisa e na melhoria da vida de alunos, profissionais liberais e pessoas comuns que utilizam as suas plataformas. A discussão não era sobre os benefícios inegáveis dos líderes globais da indústria digital, mas sobre os riscos e os limites de atuação que uma liderança tão expressiva impõe ao mercado e à sociedade.

Alçar a evolução digital do país a uma pauta nacional significa tornar o assunto prioritário e, acima de tudo, compreensível. Aumentar a maturidade institucional sobre as características da economia digital, seus atores, seus benefícios e seus riscos é fundamental. Com um smartphone por pessoa, país é o terceiro maior produtor de unicórnios em 2019 (atrás de China e EUA). Por outro lado, o Brasil é o 66° no ranking de inovação e possui um dos maiores déficits de profissionais de tecnologia do mundo. As incoerências do país também se refletem na economia digital, e esses desequilíbrios precisam ser enfrentados.

Valorizar o ecossistema de tecnologia e de dados é fundamental para construir a "soberania energética" de agora e do futuro. As iniciativas de incentivo à evolução do ambiente digital devem ser duradouras e agressivas, especialmente nas áreas em que o país é e deveria ser destaque mundial - agronegócio e indústrias limpas, por exemplo.

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As tecnologias e os métodos da nova economia são viabilizadores da transformação de mercados e de governos. Por ser uma indústria transversal, que habilita e transforma as demais áreas de negócio, os serviços e produtos digitais são fundamentais para sustentar as mudanças, especialmente as decorrentes das reformas estruturais que estão por vir. Reduzir o debate sobre as reformas e as políticas públicas aos aspectos do mundo jurídico, econômico e fiscal é condição necessária para um bom desenho do mundo teórico, mas muitas vezes insuficiente para impor às ações uma viabilidade prática de produzir os efeitos esperados.

O uso da mentalidade e das ferramentas digitais é a forma atual de viabilizar soluções efetivas, rápidas e em grande escala. O monitoramento dos infectados da Covid-19, o incentivo ao trabalho à distância, a inclusão digital de alunos e a transparência social são exemplos que reforçam a importância do uso dos recursos da indústria digital para resolver alguns dos problemas que enfrentamos neste momento.

A própria ONU reconhece a importância de aumentar a sua capacidade digital ao aprovar recentemente a sua estratégia de dados, que propõe a utilização e governança de informações em substituição à burocracia. O objetivo da estratégia é por uma abordagem orientada a dados, que forneça valor imediato à organização e que reforce o impacto e a integridade de suas ações.

A boa notícia: o ecossistema digital no país já existe e se fortalece a cada dia. Profissionais, empresários, políticos, pensadores, associações, startups, aceleradoras e universidades anseiam pelo dia em que a economia digital no Brasil se transforme em discussão política ampla, em tema de debate eleitoral e em pauta estratégica dentro dos governos. Sem isso, o ritmo é mais lento do que poderia, além da convivência com o risco concreto de ameaça da soberania, perda de mercado e de profissionais capacitados (já insuficientes!) e prejuízo das nossas ideias mais promissoras permanecerem no papel.

Para as vocações históricas e futuras do Brasil, a melhoria na economia digital é a saída inevitável para a inclusão profissional e o aumento da produtividade e da escala. Tornar a pauta digital uma estratégia nacional efetiva nos permitirá avançar para além de discussões regulatórias, concessões tributárias localizadas ou a simples instrumentalização de procedimentos burocráticos já existentes.

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A transformação digital da agenda política é o caminho. O suporte de alto nível, os incentivos inteligentes e ações coordenadas de educação formal e profissional servirá para que surjam relações de confiança inéditas, novos atores e uma agenda moderna de reinvenção dos arranjos produtivos. A [r]evolução digital do Brasil pode ser a forma mais promissora de tornar viável e real uma expectativa de futuro mais otimista.

As opiniões contidas no texto são pessoais e não expressam o posicionamento institucional do Tribunal de Contas da União.

*Wesley Vaz, secretário de Gestão de Informações para o Controle Externo do TCU, profissional certificado em estratégia e inovação pelo MIT e mestre em Ciência da Computação pela Unicamp. Coautor do livro A descomplicada contratação de TI na Administração Pública

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