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A tragédia e o circo da LGPD

Lei Geral de Proteção de Dados prometia dar maior controle e segurança à privacidade dos cidadãos, mas dois anos após sua aprovação, o cenário é de incertezas sobre sua aplicação

Por Marcelo Cárgano
Atualização:

Marcelo Augusto Spinel de Souza Cárgano. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Lei 13.709/2018, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), foi sancionada há quase dois anos com bastantes festejos. Vindo na cola da legislação europeia (GDPR), dizia-se que a nova lei, além de trazer maior proteção aos cidadãos, traria maior segurança jurídica e transparência nas relações comerciais, incentivaria o desenvolvimento tecnológico e econômico, e daria maior competitividade comercial às empresas brasileiras, que ficariam mais atraentes a mercados estrangeiros. Veríamos uma verdadeira mudança cultural em relação ao tratamento de dados pessoais.

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Dois anos depois, a importância da lei continua inquestionável, contudo o tom otimista deu lugar a incertezas e frustrações. O mais novo capítulo ocorreu na última quarta-feira, dia 5/8, quando o relator da Medida Provisória 959, deputado Damião Feliciano (PDT-PB)¸ apresentou parecer excluindo o dispositivo que adiaria a entrada em vigor da LGPD para maio de 2021. Pela proposta do relator, a maior parte da legislação de dados brasileira entraria em vigor já na semana que vem, pegando completamente despreparadas a maioria das empresas e demais organizações.

Os argumentos do relator não são de todo equivocados. É verdade que a LGPD traz direitos e mecanismos de proteção essenciais para a proteção da intimidade e a privacidade das pessoas, e que, especialmente em tempos de isolamento social e maior dependência da internet e serviços digitais, maior ainda a necessidade de proteção de dados pessoais. Também é fato que o prazo original para entrada em vigor da LGPD de 18 meses - completados em fevereiro deste ano - já havia sido dilatado em seis meses e que o prazo de agosto de 2020 já era conhecido há quase dois anos.

No entanto, o relator não reconhece que o principal motivo para o despreparo de tantas organizações são os sucessivos erros do próprio governo em relação à LGPD. A maior delas, naturalmente, é não ter criado até agora a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Responsável por regulamentar a LGPD, fiscalizar seu cumprimento e promover o conhecimento das normas e políticas de proteção de dados pessoais, a ANPD é o órgão sem o qual a LGPD (lei principiológica e abstrata) gera mais insegurança do que segurança jurídica.

O relator menciona que o adiamento da aplicação das sanções para agosto de 2021, aprovado pelo Congresso na Lei nº 14.010/2020, daria "maior fôlego para o mercado se adaptar, evitando a judicialização excessiva da matéria". Porém, o relator não menciona que a Lei 14.010/2020 adiou apenas os artigos referentes às sanções administrativas. Ora, com estas o mercado não se preocupava, pois tais sanções só poderiam ser aplicadas pela ANPD, que, como dito, sequer foi criada. Os artigos referentes à responsabilização civil e ressarcimentos de danos (artigos 42 a 45) estariam entre os que podem entrar em vigor já na semana que vem.

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Também é preciso dizer que os sucessivos adiamentos e propostas de adiamentos criaram no mercado uma dúvida sobre quando a lei entraria em vigor. Não é à toa: o artigo 65, que trata da entrada em vigor da LGPD, já foi alterado por duas MPs e duas leis. A sensação comum em diversas empresas era de "aguardar e ver" o que aconteceria. Com a pandemia e as consequentes perda de receitas, naturalmente muitas empresas seguraram ao máximo os custos de implementação com uma lei que o próprio governo sugeriu adiar.

Seria leviano criticar o relator sem ressaltar a responsabilidade do presidente da República na criação do caos atual. Afinal, caberia ao presidente dispor sobre a estrutura regimental da ANPD, bem como escolher e nomear os membros de seu Conselho Diretor. Se a ANPD não existe ainda, isto se deve, exclusivamente, à inércia do presidente. A MP 959 também pode ter sido um tiro pela culatra, pois quando foi publicada, já se discutia no Congresso uma possível alteração da data de entrada em vigor da LGPD para janeiro de 2021. Com a MP, esta alteração foi retirada.

É assim que, prestes a completar dois anos de sua sanção, a LGPD se encontra hoje sem órgão que a regule, sem prazo claro para entrar em vigor e sem gerar ainda os benefícios que dela se esperavam. Por isso, por mais importante e necessária que a lei seja, é fundamental que o parecer do relator não seja aprovado. A LGPD entrando em vigor já neste mês geraria apenas grande incerteza jurídica e judicialização em massa de demandas.

*Marcelo Cárgano é advogado do escritório Abe Giovanini Advogados

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