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A 'tiktokização' das profissões e os limites da publicidade na advocacia

Por Victor Hanna e Ian Delgado
Atualização:
Victor Hanna e Ian Delgado. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Ao longo dos anos, verificamos o surgimento e o declínio de diversas plataformas que visavam conectar seus membros, como por exemplo o Orkut, MySpace e Messenger. De início, essas redes tinham como objetivo a interação social e fomentavam o compartilhamento de fotos, músicas, vídeos e troca de mensagens privadas. Contudo, com o passar do tempo, as redes sociais se tornaram ferramentas fundamentais para o marketing de diversas empresas ao disponibilizarem espaços destinados à publicidade, como é o caso do Facebook, do Instagram e da mais recente plataforma, o TikTok. E com o surgimento e intensificação da utilização dessas novas plataformas, surgiu uma nova perspectiva para o compartilhamento de informações e de publicidade, já que as interações e o contato com o público alvo se tornaram mais dinâmicas, visuais e acessíveis.

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Nesse contexto, considerando o elevado número de usuários e de marcas investindo em publicidade nas plataformas, notou-se uma crescente e relevante oportunidade de divulgação pessoal e, consequentemente, uma grande adesão aos chamados "perfis profissionais". Neles, os usuários buscam interagir, de maneira mais informal, com seus possíveis clientes, através de coreografias e pequenos vídeos bem-humorados, que vêm se popularizando cada vez mais.

Entretanto, embora a ideia de divulgação exponencial seja interessante, ela apresenta diversos pontos controversos e pouco debatidos até o presente momento, considerando se tratar de um tema completamente inédito.

Em uma breve análise, podemos citar como pontos críticos, a falta de aprofundamento do conteúdo divulgado, haja vista o pouco tempo disponibilizado pelas redes para a gravação dos vídeos, e até mesmo o acúmulo de funções para aqueles que optam por esse tipo de divulgação, visto que, por vezes, além de ser médico, advogado ou personal trainer, por exemplo, o profissional também necessita ser roteirista, editor e especialista em marketing. Somado a isso, é comum encontrarmos perfis realizando postagens descabidas, com a utilização de imagens indevidas ao custo do aumento do número de visualizações e de seguidores.

Não se pode ainda deixar de mencionar a banalização de alguns assuntos que, em tese, deveriam ser tratados com seriedade e discrição e vêm sendo abordados de maneira supérflua, como por exemplo, no caso de profissionais da aérea jurídica.

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Entretanto, o principal problema gerado com a integração desta nova ferramenta é, sem dúvidas, a concorrência desleal.

Muito embora as redes sociais sejam democráticas e permitam que qualquer pessoa crie um perfil pessoal ou profissional, há de se concordar que nem todos possuem a mesma disposição, preparo e consciência para administrá-lo adequadamente. A discrepância pode ocorrer por diversos fatores, como a idade do usuário, o tempo disponível, bem como a disponibilidade financeira.

Como é de conhecimento geral, as plataformas possuem mecanismos de impulsionamento de alcance que estão diretamente condicionadas à aportes financeiros. Assim, a concorrência se torna desleal, pois, nem todos possuem os mesmos recursos, o que cria uma bolha de engajamento em certos perfis que já possuem muitos seguidores e, de certa forma, excluem os novos players, ainda que, esses números definitivamente não garantam a prestação de um serviço de qualidade.

Em decorrência deste novo debate, diversos conselhos federais e sindicatos profissionais têm se manifestado sobre as novas formas de publicidade no intuito de limitar e regulamentar a sua utilização. Especialmente no que tange à advocacia, existem regras específicas a serem observadas para divulgação dos serviços oferecidos. Nesse sentido, é importante destacar o artigo 28 do Código de Ética da OAB, segundo o qual é permitido que o advogado faça publicidade, desde que de maneira discreta e moderada, podendo ser divulgados os seus títulos, especialidades e qualificações, mas, sendo vedada a veiculação das propagandas através do rádio e da televisão.

A supracitada vedação incitou o debate da comunidade acadêmica sobre os limites do uso das redes para a autopromoção e, consequentemente, a captação de clientes. Diante deste novo cenário, a Ordem dos Advogados do Brasil publicou, no dia 21/07/2021, o Provimento nº 205/2021, dispondo de novas regras sobre o tema. O documento trouxe diversas inovações, sendo, a maior delas a autorização do uso dos mecanismos de impulsionamento de posts, o que deve aumentar, de forma considerável, o alcance dos conteúdos. Ademais, fora estabelecido a criação de um Comitê Regulador do Marketing Jurídico, como um órgão consultivo da Diretoria do Conselho Federal, que poderá, inclusive, ter poderes coercitivos, caso as Seccionais autorizem. Em suma, o Provimento autorizou a utilização das novas ferramentas, desde que seu uso esteja em consonância com o Código de Ética e Disciplina da OAB.

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Além disso, por meio do Provimento, foi proibido qualquer tipo ostentação, inclusive, nas redes sociais, por parte dos advogados. Segundo a nova regra, fica vedada em qualquer publicidade a ostentação de bens relativos ao exercício ou não da profissão, como uso de veículos, viagens, hospedagens e bens de consumo, bem como a menção à promessa de resultados ou a utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional. A regra busca atingir os profissionais que vinham se posicionando nas redes sociais de maneira luxuosa e ostentando ganhos materiais em razão da atuação jurídica, de modo a captar clientes ou até mesmo, colegas de profissão, com a promessa de auxiliar no crescimento na área por meio de aconselhamento exclusivo (os chamados coachs jurídicos).

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Em contrapartida, não há dúvidas acerca dos efeitos positivos que as redes sociais podem trazer para a sociedade. Em tempos sombrios e de alto índice de desemprego ocasionados pela pandemia, podemos constatar que o uso de plataformas como o Tiktok, por exemplo, possibilitou uma forma de renda alternativa para muitos. Exemplo disso é o jovem senegalês Khaby Lame que, após ter perdido o emprego em março de 2020, passou a gravar vídeos para a referida rede social, nos quais ironiza as atividades "complexas" do cotidiano. O influencer, atualmente, conta com mais de 100 milhões de seguidores e angariou diversos patrocínios.

Percebe-se, portanto, que as redes sociais possuem um enorme poder de divulgação, o que pode ser muito valioso em uma sociedade cada vez mais consumista e com sede por informações em tempo real.

No entanto, ante a ausência de um controle específico, é comum que sejam utilizadas de forma indevida. Nesse sentido, cabe ao usuário fazer um controle cauteloso e criterioso do que consome, tendo como base a qualidade e as referências dos profissionais e não apenas seus números nas redes sociais.

Cabe também às autoridades que representam as categorias profissionais a observação desses conteúdos divulgados e, sempre que necessário, a intervenção, no sentido de implementar regulamentos e provimentos, com o objetivo de evitar a utilização inadequada dos usuários.

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Isto posto, considerando o novo cenário mundial estabelecido, gerado pela amplificação do uso das redes sociais, é evidente que estamos diante de uma controvérsia inédita que ainda causará muita discussão. Apesar disso, em uma sociedade cada vez mais tecnológica e conectada, o caminho tomado pela OAB, no sentido de discutir e regulamentar a questão, parece ser o mais lógico, visando evitar os abusos e os excessos pontuados, sem, contudo, privar os usuários das benesses das novas ferramentas digitais.

*Victor Hanna, sócio do Goulart Penteado Advogados

*Ian Delgado, advogado do Goulart Penteado Advogados

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