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A suspeição de Sérgio Moro

Por Marco Antônio Nahum
Atualização:
Marco Antônio Nahum. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O artigo 254 do CPP estabelece que a suspeição do juiz se dá, entre outras causas, "se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes".

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A notícia de que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pede a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro traz a expectativa de que, caso o pedido seja julgado procedente, haja anulação dos atos praticados pelo ex-juiz no processo do triplex do Guarujá, em que houve sentença condenatória, assim como eventuais decisões tomadas em outros processos.

Alega a defesa, de maneira genérica e em resumo, que o ex-juiz tornou públicas algumas ações que influíram na eleição do presidente Jair Bolsonaro, que, posteriormente, o convidou para ser seu ministro da Justiça.

Por sua vez, o artigo 564 do CPP especifica os casos em que ocorrerá nulidade, e no seu "inciso I", a nulidade da suspeição é tratada como nulidade absoluta. Esta nulidade decorre da violação de uma norma constitucional que resguarde a legitimação da atividade jurisdicional. E claro que a imparcialidade do juiz é essencial no Estado de Direito.

A nulidade absoluta se distingue da relativa, porque aquela decorre de violação de garantia constitucional e, assim, não há possibilidade de ser sanada.

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A suspeição do juiz, portanto, torna viciado todo ato decisório por ele praticado.

E o princípio da contaminação, previsto no artigo 573, § 1º, do CPP, estabelece que o ato inválido perderá sua eficácia e, assim, os atos que se seguem também estarão nulos. A cadeia de atos processuais que constituem o processo válido, é formada pela validade dos atos sequenciais precedentes.

Evidente que o ato nulo, como inexistente, proporciona a eventual possibilidade de ser verificada a prescrição do processo, que é a perda do direito de punir do Estado, pelo decurso do tempo.

A inimizade capital, geradora da suspeição, é definida pelos nossos Tribunais como a constatação do efetivo comprometimento do julgador com a causa de maneira a inviabilizar sua imparcialidade. Além disso, a exceção de suspeição precisa ser apresentada na primeira oportunidade em que a defesa se manifestar nos autos.

Sérgio Moro levantou o sigilo do depoimento de Antonio Palocci seis dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais. O ministro Gilmar Mendes já afirmou que a divulgação, poucos dias antes da eleição, ocorreu em benefício do presidente Jair Bolsonaro que disputou a eleição contra Fernando Haddad.

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Por sua vez, o ex-juiz negou sua parcialidade ao incluir a delação de Palocci na ação penal movida contra Lula, e alegou: "a) O ex-ministro Antonio Palocci já havia prestado depoimento público na mesma ação penal sobre fatos atinentes ao ex-presidente. Portanto, a inclusão da delação não revelou nada novo; b) A inclusão da delação no processo visou a garantia da ampla defesa, dando ciência de elementos que eram relevantes para o caso e que ainda não haviam sido juntados aos autos, como exposto no despacho; c) Eu, como juiz, sequer proferi sentença na ação penal na qual houve a inclusão da delação de Palocci; d) a sentença condenatória contra o ex-presidente que proferi é de julho de 2017, ou seja, foi em outra ação penal e muito antes de qualquer campanha eleitoral, sendo ainda confirmada pelo TRF4 e STJ."

O STF já afirmou que "a inimizade capital como causa de suspeição exige a comprovação de fatos indicativos de ódio, rancor, desejo de vingança de malquerenças humanas" (Relator: Min. Luiz Fux; Julgamento: 06/03/2020; Publicação: 20/03/2020).

Por fim, a suspeição por causa superveniente não opera retroativamente (STJ; Ministro Felix Fischer; Quinta Turma; 17/04/2018).

Portanto, somente a análise e interpretação dos fatos de maneira politicamente isenta conduzirá à efetiva e justa conclusão.

Não se pode negar que o governo Bolsonaro levou o país a uma constante imprevisibilidade política, alimentada pelos efeitos turbulentos da pandemia. O país se divide em grupos ideologicamente antagônicos. O governo tem a ala dos militares, a ala da economia e a ala dos ideológicos. O Legislativo também se divide em grupos: bíblia, boi, bala etc.

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Dotados de legitimidade pública, tem-se que os ministros do STF e suas decisões, mesmo aquelas impopulares, serão sempre aceitas e respeitadas em razão também do processo de interação comunicativa com a sociedade que lhe outorga legitimidade, ainda que com divergências.

Porém, nessa interação com a sociedade por meio de suas decisões, as manifestações emocionais são inevitáveis ainda que o emissor seja um ministro do STF.

Além disso, intrinsecamente à decisão, também está em jogo a eleição presidencial de 2022.

Por isso, é importante realçar que, na análise dos fatos fundamentadores do pedido de suspeição antes referido, é pressuposto da legitimidade que caracteriza as decisões da Suprema Corte o atuar com a isenção necessária para afastar a nefasta influência da atual política divisionista que desafia nossas instituições, de maneira a impedir que o Judiciário seja transformado, mais ainda, em arena política.

Teoricamente o julgamento da suspeição está empatado. Os ministros Carmem Lucia e Edson Fachin já votaram por negar o pedido de suspeição. Por sua vez, Gilmar Mendes e Lewandowski, em outra oportunidade, indicaram que irão votar pela suspeição do ex-juiz. O último voto será proferido pelo ministro Celso de Mello, que se encontra com problemas de saúde.

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O ministro Gilmar Mendes, que pediu vistas no referido pedido de suspeição, afirmou seu desejo de que o processo volte a julgamento no retorno das sessões presenciais. O ministro Celso de Mello irá se aposentar em novembro. O novo ministro que será indicado pelo presidente Bolsonaro -- salvo algum pedido de remoção precedente -- irá ocupar o lugar do decano na Segunda Turma.

Diante de todo esse quadro, alguém se arrisca a dizer o que vai acontecer?

*Marco Antônio Nahum, desembargador aposentado do TJSP, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e sócio do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados

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