Dentre os três elementos que se revelaram essenciais e básicos para a vida humana, temos na respectiva ordem de importância: a alimentação, a proteção e o lazer.
Em nome desses três elementos, muitas guerras já foram travadas.
Por comida, ainda hoje, se mata e se morre.
Superada a fome, o passo seguinte do homem é procurar por algum nível de proteção.
Por um teto, ainda hoje, se mata e se morre.
Por fim, alimentado e protegido, o ser humano se volta para o prazer. E é aí que se abre um leque de possibilidades tão grande quanto os problemas que giram em torno do tema.
Diferentemente dos demais elementos, o prazer e o lazer não têm forma definida ou meios pré-determinados, permitindo a influência de elementos subjetivos e gerando insegurança nas sociedades, com muito mais expressão naquelas em que aspectos morais e religiosos têm grande influência sobre os indivíduos.
Com acerto ou não, religião, moral e Lei, em grande medida, regulam e limitam precisamente as formas de obtenção e expressão do prazer.
É nesse contexto que temos de falar das substâncias químicas denominadas "drogas", bem como da chamada "guerra às drogas"¹.
Exatamente porque, como se sabe, na guerra às drogas (1), ainda hoje, se mata e se morre.
Mas aqui é necessário entender quais são as mortes decorrentes das drogas em si e quais são decorrentes da própria ilegalidade das drogas.
Os números apresentados no recente documentário "13ª Emenda" colocam em xeque "a guerra às drogas" e mostra o desastre que foi e é a política seletiva de Lei e Ordem na criminalização de substâncias que, em última análise, são procuradas pelos indivíduos porque a sua reação química propicia uma das mais básicas necessidades humanas, justamente o prazer.
É imprescindível ter maturidade o suficiente para reconhecer que a depender da forma e quantidade as drogas trazem sim algum grau de malefícios aos seres humanos, tal qual se vê com outras atividades prazerosas, como o sexo e o jogo.
A questão que vem sendo colocada há um bom tempo pela medicina, pelo direito, pela psicologia e tantas outras áreas de conhecimento é se ainda faz algum sentido que a necessária regulamentação seja feita no campo jurídico penal, quando, em grande medida, as consequências se dão no campo da saúde pública com reflexos muito mais evidentes na perspectiva exclusiva e individual do usuário.
As opções para o Estado estão entre cuidar ou prender, tendo em mente que os números de encarceramento provam que proibir e reprimir, longe de funcionar, retroalimenta um sistema de violência e criminalidade organizada.
Ao pé da letra, o chamado traficante nada mais é do que o comerciante de um produto que, segundo dados da ONU (²), é procurado diariamente por 243 milhões de pessoas em busca de lazer. Porém, ainda vai levar um tempo até que se substitua a simplista visão pela qual os mercadores são tachados de destruidores de lares e, por isso, penalizados.
Por ora, qualquer que seja o avanço nesse tema deve ser comemorado por todos que acreditam e lutam pela menor interferência possível do Estado na esfera privada dos indivíduos, ainda mais quando consideramos a intervenção por meio do braço armado estatal.
Nesse sentido, é com aplausos de pé que deve ser saudada a recente decisão do Conselho Institucional do Ministério Público Federal em considerar que não configura crime a importação de pequena quantidade de sementes de maconha.
Não é crime de tráfico internacional de drogas porque a semente, que na verdade é um fruto, não contém o princípio ativo THC e, portanto, não é droga e sequer pode ser considerada tecnicamente matéria prima para a produção de drogas. Também não é contrabando porque a quantidade de sementes no caso concreto era tão ínfima (12) que foi reconhecido que a conduta é penalmente insignificante.
Pouco conhecido do público em geral, esse Conselho é um exemplo ímpar de democracia e transparência, sendo composto por 21 dos mais abalizados membros do Ministério Público Federal. Todas as sessões de julgamento são divulgadas antecipadamente e são transmitidas ao vivo pela internet, além disso, os áudios das sessões podem ser ouvidos a qualquer tempo na página do Conselho Institucional.
O resultado desse julgamento no Ministério Público Federal infelizmente não tem caráter vinculante, mas é de uma importância incomensurável e uma semente de esperança para a política de drogas no país justamente no momento em que o Supremo Tribunal Federal deve decidir sobre a inconstitucionalidade do crime de consumo de drogas, podendo selar o fim de uma batalha em uma guerra em que não existem vencedores.
*Alexandre Pacheco Martins, criminalista e sócio do Braga Martins Advogados
1 - A "guerra às drogas" é uma expressão que foi cunhada pelo ex-presidente americano Richard Nixon, que, talvez, seja muito mais conhecido pelo caso Watergate.
2 - Relatório Mundial sobre Drogas, UNODC, 2014.