Thais Pinhata e Elaine Barbosa*
07 de abril de 2021 | 08h00
Thais Pinhata e Elaine Barbosa. FOTOS: DIVULGAÇÃO
O mês de março é conhecido como março das mulheres, em razão do estabelecimento do dia 8 como Dia Internacional da Mulher. No Brasil, por tradição, as casas legislativas aproveitam para pautar questões relacionadas aos direitos das mulheres nesse mês.
Em 2021, algumas dessas questões envolveram Projetos de Lei (PLs) que propõem medidas de combate à violência doméstica agravada pelo isolamento social em razão do COVID-19, da proteção da gestante, incluindo-se aí o Polêmico PL nº 5.435/20, chamado popularmente de “Bolsa Estupro”, que ora tramita no Senado Federal, além de tantos outros que tratam de alterações no crime de feminicídio e entraram na pauta do Plenário da Câmara dos Deputados. Sobre esses últimos, há no momento quatro Projetos de Lei, que buscam, alternativamente, tornar o feminicídio um tipo penal autônomo, aumentar a sua pena e recrudescer o cumprimento da pena para seus praticantes.
Mais detalhadamente, o Projeto de Lei nº 4.196/2020, de autoria dos deputados Fábio Trad (PSD/MS), Ronaldo Santini (PTB/RS) e Pedro Lucas Fernandes (PTB/MA), e o Projeto de Lei nº 517/2019, apenso ao primeiro, de autoria do deputado Lincoln Portela (PR/MG) pretendem, conjuntamente, dar uma nova redação ao artigo 121, § 2º, VI e VII e parágrafo 2º -A e incisos do CP, tornando o feminicídio um crime autônomo, destacado e independente do homicídio; substituindo o conceito “por razões da condição do sexo feminino” por “condição do gênero feminino”. E, ainda, criando o feminicídio qualificado (agravado), com aumento de pena de vinte a trinta anos.
Há ainda o Projeto de Lei nº 517/2019 de autoria do deputado Lincoln Portela (PR/MG) que propõe a modificação do § 7º do artigo da qualificadora do feminicídio, que hoje prevê aumento de pena para pessoa menor de 14 anos, para incluir a pessoa menor de 18 anos.
Por fim, o Projeto de Lei nº 1568/2019 de autoria da deputada Rose Modesto (PSDB/MS) altera o Decreto-Lei 2.848/1940 (Código Penal) e a Lei 8.072 (Lei de Crimes Hediondos) para aumentar a pena mínima do crime de feminicídio, e estabelecer que as penas aplicadas em decorrência da prática do delito deverão ser cumpridas integralmente em regime fechado pelo condenado.
A preocupação do Congresso Nacional com a violência doméstica e, em especial, com a violência fatal não é nova. Em 2013, após ampla requisição, foi instaurada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para “investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação dos instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência”. O resultado dos trabalhos, apresentado em relatório no ano de 2013, sugeriu, entre outras coisas, a criação da qualificadora do feminicídio, tornada lei dois anos depois sob o nº 13.104/2015 e destinada a penalizar de maneira mais drástica todo assassinato de mulheres em razão de sua condição de gênero.
O Atlas da Violência, publicado em 2020, trouxe a público números alarmantes de mortes de mulheres, indicando que uma mulher morreu assassinada, em razão de seu gênero, a cada duas horas, perfazendo um total de 4.519 mulheres, das quais 68% das mulheres mortas eram negras. No decênio estudado, de 2008 e 2018, houve um aumento de 12,4% de mortes de mulheres, que no primeiro semestre de 2020, início da pandemia do Covid-19, havia sido ainda aumentado em 2% de feminicídios, em relação ao mesmo período do ano anterior (Anuário da Violência, FBSP, 2020).
Por válidas que sejam as preocupações, estender a criminalização não parece ser a resposta adequada, que deveria vir por meio de políticas públicas de prevenção e conscientização da realidade do feminicídio em nosso país e não com aumento nas punições, por mais sedutora que a retórica punitivista possa parecer. Os Projetos de Lei aqui tratados, nesse sentido, não merecem prosperar se o foco final for a melhora da vida das mulheres.
A criminologia feminista vem ao nosso auxílio, lembrando que a pedagogia esperada do direito penal é inútil, por atuar depois do fato, quando nada mais pode ser feito, e por apenas estimular o aumento do encarceramento, esta máquina de moer homens negros e jovens, mantendo-os em condições desumanas em um verdade estado institucional de coisas, tal como reconhecido pela nossa Corte Suprema.
Assim, é por meio de políticas de estado que fortalecem as mulheres, dando condições para que as mulheres sejam protegidas, sobretudo da violência letal representada no tipo de feminicídio. O fortalecimento de redes de acolhimento, que envolva diferente entidades, a começar pelo Sistema Único de Saúde, passando por delegacias e parquets, além da atuação dos movimentos sociais é essencial, mas toda essa mobilização só funciona quando coordenada com políticas públicas gerais voltadas para as mulheres.
*Thais Pinhata, advogada. Doutoranda em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade de São Paulo
*Elaine Barbosa, advogada. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
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