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A Saúde precisa de um ministro?

Por Antonio Baptista Gonçalves
Atualização:
Antonio Baptista Gonçalves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

2020 é o ano que constará nos livros de história pela disseminação de uma pandemia mundial com consequências sanitárias, sociais e econômicas para os países envolvidos. A covid-19 desvelou as deficiências dos países inapelavelmente. O Brasil mostra seu despreparo em lidar com questões essenciais ante às necessidades da população, veja a condução recente do governo federal sobre a saúde e a educação, temas essenciais com atitudes díspares.

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No Brasil, o Ministério da Saúde não possui um ministro desde a saída de Nelson Teich em 15 de maio, após ter ficado menos de um mês no cargo. Já para a educação, o lapso temporal entre a saída de Abrahm Weintraub em 18 de junho de 2020 e a nomeação de Carlos Alberto Decotelli foi inferior a uma semana.

A disparidade de ações chama atenção e suscita o questionamento sobre a importância da figura de um ministro. Quando uma pessoa é escolhida para chefiar um Ministério se presume que sua expertise seja ilibada e adequada para tratar do tema, porém, no caso do Ministério da Saúde, o que se vê é a presença cada vez menor de profissionais da saúde, que foram substituídos por pessoas não vinculadas à saúde, a começar pelo ministro interino.

Então, se questiona, uma vez mais, qual a relevância desta figura. Ora a função de um ministro é representar o Chefe de Estado, leia-se presidente da República, em um ramo de análise, por se presumir que o presidente não tem a expertise para saber e cuidar de todos os grandes assuntos do Estado brasileiro.

Não é obrigatório que cada ministro seja adstrito a seu ramo de atuação, como por exemplo, o Senador José Serra que já ocupou o Ministério do Planejamento (1995-1996), da Saúde (1998-2002) e das Relações Exteriores (2016-2017), porém, espera-se que tenha ao menos manejo político para exercer tal função. O problema não é escolher mal, escolher errado e sim não escolher.

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Não há como comparar o que é mais importante se a saúde ou a educação para um país, porém, diante da grave crise pandêmica que o Brasil enfrenta com quase sessenta mil mortos, o governo federal pode ficar sem um responsável para comandar as ações na saúde? A presença de um ministro na saúde é essencial? O presidente tem tido atuação relevante a ponto de dispensar a presença de um ministro nesta área? Vejamos o antes e o depois para poder refletir sobre a questão: Quando a pandemia surgiu, o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, criou um conjunto de protocolos em ações integradas com sua equipe e foi um norte para as implementações dos estados brasileiros.

Quando do início da pandemia, há longevos quase quatro meses atrás, o país se mostrava estruturado com medidas sólidas e uma prevenção elogiada internacionalmente. A desestruturação começou com o ministro seguinte e cada Estado passou a ditar suas próprias regras. Com a saída do segundo ministro e a chegada de um interino sem a nomeação de outro ministro há quase dois meses, qual o retrato da saúde ante a pandemia no Brasil atualmente? Informações desencontradas, baixa aderência da população, e uma possibilidade real de nova onda de contágio. Não mais se observa as curvas de pico da covid-19, a ânsia é o retorno, ainda que precipitado, às atividades.

Em locais como o Amazonas, Pará e Ceará a pandemia se aproveitou de um controle pouco rígido e cidades como Manaus, Belém e Fortaleza enfrentaram o caos na saúde com falta de leitos e acúmulo de mortos, sem o devido espaço nos cemitérios locais. Manaus, em especial, revelou a subnotificação presente no Brasil, na qual se omite a realidade dos dados da covid-19, cujo número real pode ser entre dez e doze vezes maior do que o divulgado.

Com a saída do segundo ministro, a saúde perdeu seu planejamento inicial e os governantes estaduais não tiveram uniformidade de comportamento, também por conta de uma ausência de orientação do governo federal, uns flexibilizaram, outros promoveram o isolamento, fizeram o lockdown, enquanto outros, mesmo diante do crescimento de infectados, não quiseram arriscar seu capital político e os números de casos e mortes não pararam mais de subir.

Mesmo assim, muitos prefeitos determinaram a abertura e a retomada das atividades, como no Rio de Janeiro, com alta concentração e circulação de pessoas, mesmo ainda no período de pico. Claro está que falta comando, falta exemplo e falta um plano de ação a ser seguido.

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O Estado Democrático de Direito Brasileiro escolheu centralizar as ações para supostamente mitigar as desigualdades, porém, resta claro que a postura do chefe de Estado não tem encontrado consonância com os profissionais da classe médica, por isso a não nomeação de um novo profissional vinculado à área. Todavia, nada obsta que fosse feita uma nomeação política, como no caso já citado de José Serra, apesar para citar um dos vários exemplos, de um político experiente para administrar não apenas a grave crise da saúde, como para trazer orientações e um norte aos governadores e prefeitos do Brasil.

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Se o presidente entendeu que a educação não pode ficar à deriva sem um ministro, o mesmo deve ser aplicado à saúde. A figura do ministro é essencial quando não existem diretrizes claras, um plano de ação, com etapas e controle de isolamento social eficaz e não o sistema de erro e acerto que alguns prefeitos implementaram como medidas aplicadas em um dia e alteração já na sequência, como no caso do fracassado rodízio de placas pares e ímpares na cidade de São Paulo que não durou nem uma semana.

A pandemia é uma demanda que os governantes não estão acostumados e para se mostrarem preparados precisam de um eixo que deve vir do Ministério da Saúde na figura de seu ministro. Então, sim, nos moldes escolhidos pelo Estado Democrático de Direito Brasileiro, a figura do ministro é importante e deve ser preenchida esta lacuna, já que boa parte da equipe de saúde foi desmantelada com reflexos negativos à população e aos governantes estaduais e municipais.

O Brasil já é um dos países com maior desnível em desigualdade social do planeta e acentuar o que já é grave porque um interino não sabe como proteger a periferia, não sabe orientar os governadores e prefeitos é um lapso que o governo federal não pode se dar o luxo de cometer. Com vidas humanas não se pode ter interino, se precisa de liderança, atitude e planejamento, a população brasileira agradece.

*Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP e presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP - subseção de Butantã

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