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A saga luminosa de Arruda Alvim

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: WERTHER SANTANA/ESTADÃO Foto: Estadão

A coleção de perdas infligida ao Brasil pela indesejável das gentes foi expressivamente acrescida com o desaparecimento do notável jurista José Manoel de Arruda Alvim Netto (2.5.1936-1º.9.2021).

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O paulistano, filho de D.Helena Pellegrini de Arruda Alvim e de José Manoel de Arrda Alvim, formou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a PUC, na Turma de 1960. Já praticava a advocacia desde o ano anterior e foi Procurador da Fazenda Nacional, mas seu amor pelo ensino jurídico fez com que galgasse todos os estágios da Pós-graduação, tornando-se Livre Docente da PUC-SP em Direito Judiciário Civil - como se chamava então - desde 1970.

Àquela época, o Poder Judiciário detectava os grandes talentos e os convocava para o Quinto Constitucional, instituição concebida como fórmula de oxigenação de uma carreira que poderia se converter numa entropia corporativista. Foi assim que, em 18.6.1979, foi nomeado Juiz do Primeiro Tribunal de Alçada Civil e em 14.5.1981 guindado ao Tribunal de Justiça, onde permaneceu até 31.7.1984.

Desenvolveu intensa e crescente atividade jurídico-cultural, sem prejuízo de ascender na vida acadêmica. Integrou Comissão Julgadora em Concurso de Monografia "Rodrigues de Alckmin", expôs o tema "O Processo Civil e a Nova Ordem Constitucional" em ciclo de estudos, proferiu conferência sobre "Poderes e deveres do Juiz como garantia dos jurisdicionados", atuou de forma incessante em todos os eventos da Escola Paulista da Magistratura e do Instituto dos Advogados de São Paulo.

A Magistratura bandeirante hauriu de sua erudição disponibilizada de forma acessível e didática, para acompanhar a profunda reforma estrutural do processo civil pátrio. Não houve qualquer evento direcionado ao aprimoramento na ciência processual civil que não contasse com a participação de Arruda Alvim. Era presença indefectível nos Cursos de Aperfeiçoamento destinados a Juízes e não se recusava a partilhar seu conhecimento e experiência em auditórios de outras localidades, como Santos, Campinas e Jundiaí, atendendo à insistência do convite dos que pretendiam se abeberar em sua fonte clara e segura, sempre atenta às alterações do processo. Ciência para a qual devotou o intenso brilho de seu talento, responsável por considerável parcela dos incrementos destinados a convertê-la em concreto instrumento de realização da melhor justiça humana possível.

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Era constantemente chamado a grandes foros nacionais e internacionais quando se cuidava de modernizar o processo. Embora tivesse deixado a Magistratura para dedicar-se à docência e à transformação da ciência processual, produzindo obras consistentes e seminais, nunca deixou de prestigiar o Judiciário. Em 2015 assumiu a Cadeira 19 da Academia Brasileira de Direito Registral e Imobiliário, escolhendo como patrono Francisco de Paula Lacerda de Almeida. E tratou também da desjudicialização, dissertando sobre o tema no webinário de lançamento da obra "Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse - Dez Anos da Resolução CNJ 125/10, em 28.8.2020.

Sua vasta bibliografia é profusamente citada em acórdãos de todos os Tribunais brasileiros e produziu sólida doutrina, de forma surpreendentemente prolífica, a orientar legislação, doutrina e jurisprudência. Basta mencionar, como exemplo, seu "Manual de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento", que ultrapassou dezessete edições, e as "Teses Jurídicas dos Tribunais Superiores", que coordenou com prestigiosa equipe.

Foi mentor de uma plêiade formada de estudiosos e pesquisadores que revolucionaram o processo e nada disso excederia em merecimento, à constituição de uma família extraordinária. A companheira Thereza e os filhos Tereza e Eduardo foram pilares que consolidaram o titânico empreendimento de reconstruir o Processo Civil em nossa Pátria. Continuarão a disseminar o conhecimento que notabilizou o condutor desse projeto e que garantiu a eternização de seu nome no Panteão dos mais qualificados brasileiros.

Sempre admirei, a respeitosa distância, a legenda Arruda Alvim. Tive o privilégio de privar com o casal em 1991, quando, em companhia do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, participei de um Congresso em Coimbra, onde Thereza e José Manoel Arruda Alvim pontificaram. Viajamos juntos, a convite do casal, de Coimbra a Lisboa. Percebi o quão humanos e sensíveis eram aqueles grandes vultos da mais elaborada ciência jurídica. Estabeleceu-se, então, uma sólida amizade, alicerçada graças à generosidade da família e dos raros exemplares de excelência humana que congregam ao redor de si. José Manoel de Arruda Alvim Netto é uma das provas de que a espécie, de quando em vez, produz primícias de primeiríssima qualidade. Continuarão a brilhar, quais luzeiros, para inspiração da posteridade.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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