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A retroatividade da LGPD é possível?

Por João Pedro França Teixeira
Atualização:
João Pedro França Teixeira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados -- LGPD) entrou em vigor recentemente. E atualmente a maioria dos olhares volta-se para sua adequação e aplicabilidade.

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Com tal fato, vem a grande celeuma acerca da aplicabilidade da lei no tempo. O artigo 6º da LINDB é claro ao afirmar que "a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada", pregando pela irretroatividade da norma e a ausência de chancela aos fatos pretéritos a sua vigência.

Não posso esquecer também do princípio do tempus regit actum, no sentido de que os atos jurídicos se regem pela lei da época em que ocorreram.

Chamo a atenção quanto a isso pois estão sendo proferidas inúmeras sentenças que refletem fatos articulados em momento anterior à vigência da LGPD.

A título de exemplo, cito os autos nº 1080233-94.2019.8.26.0100 [1] -- 13ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, cujo fato gerador do dano refere-se à dispersão dos dados pessoais do autor, realizado pela ré, após pactuação de avença de compra e venda em 10 de novembro de 2018, sendo a ação ajuizada no ano de 2019.

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A LGPD entrou em vigência em 18 de setembro de 2020 e a referida sentença do processo foi proferida 11 dias depois.

Ainda que a LGDP seja utilizada em sede de sentença para reforçar a sua fundamentação, vem o questionamento processual por tratar-se de direito exclusivamente material. Ou seja, se seria possível a retroatividade dos seus efeitos.

Ainda nesse sentido, vem também a impossibilidade da chamada "decisão surpresa" [2], haja vista a necessidade de compromisso com a tutela da expectativa.

O artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal prevê: "A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

Fixada a premissa da irretroatividade (regra), devo ressaltar que ela não é absoluta.

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O professor Flávio Tartuce [3] aponta: "Direito adquirido: é o direito material ou imaterial já incorporado ao patrimônio de uma pessoa natural, jurídica ou ente despersonalizado".

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Logo, considerando que a LGPD se trata de uma norma de Direito material, somente vigoraria efeitos práticos a partir de sua vigência (incorporando o direito adquirido de quem quer que seja -- pessoa física ou jurídica).

Em contrapartida, temos também o argumento da retroatividade dos efeitos da LGPD, chancelados caso se enquadrem em obrigação de trato sucessivo (cujos efeitos se prolongam no tempo) e pela aplicabilidade por analogia ao artigo 2035 [4] do CC/02, notadamente quanto à validade dos negócios jurídicos constituídos antes da entrada da LGPD, contudo, a validação dos efeitos posteriores aos preceitos dela se subordinam.

Vejamos um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

"APELAÇÃO -- Preliminar de não conhecimento suscitada em contrarrazões -- Afastamento, porquanto o apelo atacou os fundamentos da sentença, nos termos do art. 514 do CPC - Recurso conhecido. LOCAÇÃO DE IMÓVEIS -- EMBARGOS À Execução -- Locação -- Contrato prorrogado por prazo indeterminado -- Disposição contratual que afasta a restrição temporal -- Fiança -- Exoneração -- Notificação nos termos do artigo 835 do c.c. de 2002 -- Contrato anterior ao novo Código Civil - Efeitos do negócio jurídico, entretanto, que seguem a égide do CC/02, nos termos do seu artigo 2.035 -- Aplicabilidade das disposições do CC/02 aos contratos de locação avençados na égide do CC/16, pois os efeitos da fiança se estendem no tempo, após a prorrogação automática do contrato de locação, por tempo indeterminado -- Exoneração da garantia, neste caso, que poderia ser realizada por denúncia simples dos fiadores -- Recurso improvido" (TJ-SP 10340610220168260100 SP 1034061-02.2016.8.26.0100, Relator: Carlos Nunes, Data de Julgamento: 16/10/2017, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/10/2017).

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Pelo amor ao debate, fica o questionamento processual acerca da aplicabilidade da Lei Geral de Proteção de Dados: retroage ou não?

*João Pedro França Teixeira é advogado, sócio do escritório Mota Ribeiro, Barbosa e França, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, LLM em Direito Empresarial pela FGV, pós-graduando em Direito Minerário, vice-presidente da Comissão de Direito Minerário da OAB/BA, membro da Associação dos Advogados de São Paulo, membro do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e vice-presidente do Instituto Baiano de Mineração (IBAHM)

[1] https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=2S0013T8I0000&processo.foro=100&processo.numero=1080233-94.2019.8.26.0100&uuidCaptcha=sajcaptcha_9482e47225a44b9b8b09957b562d6e1a.

[2] "Artigo 9º - Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Artigo 10 - O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício".

[3] Tartuce, Flávio. "Direito Civil, 1: Lei de introdução e parte geral." 6 ed. -- Rio de Janeiro: Forense -- São Paulo: METODO, 2010, pag. 68.

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[4] "Artigo 2.035 - A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução".

Artigo originalmente publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico (Conjur), em 21 de outubro de 2020

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