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A retroatividade da lei benéfica para acusados de improbidade

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Por Daniel Gerber e Eduardo Alexandre Guimarães 
Atualização:
Daniel Gerber e Eduardo Alexandre Guimarães. FOTOS: DIVULGAÇÃO E ARQUIVO PESSOAL  

O Projeto de Lei nº 10887/2018, que tramita na Câmara dos Deputados e tem por objetivo alterar de maneira substancial a Lei de Improbidade Administrativa, tem levantado discussões acaloradas desde que foi aprovado pela Casa Legislativa no dia 16 de junho.

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A principal alteração legislativa seria no ponto em que a configuração dos atos de improbidade administrativa, dependeriam, necessariamente, de comprovação do dolo por parte do agente - para todos os atos previstos como sendo ímprobos.

A redação atual da Lei nº 8.429/1992 prevê a necessidade de demonstração de dolo somente no caput do art. 10, restando silente acerca do ponto nos artigos 9º, 10-A e 11.

O objeto da alteração legislativa é fazer com que a Lei de Improbidade Administrativa incida somente contra agentes efetivamente desonestos e indignos do cargo, deixando de punir, com a severidade que lhe é peculiar, o administrador despreparado ou inapto ao exercício do cargo.

Nesse sentido, a propósito, o STJ vem decidindo há tempos no sentido de que "a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil". Mas a questão que embala a presente análise é outra: considerando-se que, sendo a Lei de Improbidade Administrativa efetivamente alterada, passando a exigir a presença de dolo nas condutas ímprobas, tal alteração retroagiria para casos anteriores à mudança legislativa?

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Ora, parece ser inegável que a exigência legislativa no sentido de que seja demonstrada a presença de dolo nos atos tidos por ímprobos é, de fato, benéfica aos acusados.

Antes de mais nada é necessário reafirmar o entendimento que temos externado acerca da Lei de Improbidade Administrativa e as consequências potencialmente advindas de sua aplicação. O direito administrativo sancionador, do qual a LIA faz parte, é um verdadeiro subsistema penal e uma ramificação do poder punitivo estatal. Tanto que o preceito secundário da Lei de Improbidade é o mesmo preceito secundário das leis penais, ou seja, é pena, punição, sanção penal. Assim, tendo-se em mente que o que está em jogo é o poder punitivo estatal, temos defendido a aplicação de todos os direitos e garantias pensados para o processo penal, também, no âmbito de processos do direito administrativo sancionador.

De tal modo, concretizando-se a alteração legislativa anunciada para a LIA, mesmo os casos anteriores à mudança legal, serão iluminados pelas luzes do inciso XL do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual, a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Nitidamente, a alteração legislativa em comento desponta evidente benefício para o acusado. Afinal de contas, será imprescindível que o órgão acusador demonstre no caso concreto, sem espaço para dúvida razoável, a presença de vontade consciente, por arte do acusado, voltada à prática do ato ímprobo.

Portanto, conquanto a regra geral seja a que diz que tempus regit actum, poderá a mudança legislativa retroagir para beneficiar o acusado, já que o princípio da anterioridade impede apenas a retroação de lei maléfica.

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Aliás, a extra-atividade da lei penal serve justamente para limitar o poder punitivo estatal, permitindo que a lei benéfica posterior retroaja para beneficiar o réu e que a lei benéfica revogada ostente ultra-atividade para continuar deflagrando efeitos jurídicos em proteção de quem praticou conduta ao tempo de sua vigência.

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Neste ponto, há de se buscar socorro, para aplicação da LIA, no Código Penal - notadamente por possuírem, como dito, a mesma consequência jurídica, qual seja, aplicação de pena. O Código Penal, em franca obediência ao já levantado inciso XL do art. 5º da Constituição, assentou no parágrafo único do art. 2º, acerca da lei penal no tempo, que a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores.

Tem-se, pois, que não há dúvida acerca da aplicação da lei posterior mais benéfica, ainda que o agente seja acusado de praticar ato de improbidade administrativa - e não crime. Portanto, sendo confirmada a alteração legislativa na Lei de Improbidade Administrativa, os agentes acusados da prática de atos ímprobos antes da mudança serão beneficiados. Afinal, o órgão acusador deverá se desincumbir de seu novo ônus, qual seja, demonstrar a presença de dolo na conduta do agente público.

Para além do efeito jurídico ora tratado quanto a retroatividade, tem-se que mudança é salutar, também, em razão de render homenagens ao objetivo da Lei de Improbidade - a mens legis -, que, como bem consignado pelo STJ, deve alcançar o desonesto e não inábil.

Tal visão parece ser a óbvia. Se não há comprovação no sentido de que a vontade consciente do agente era praticar ato ímprobo, não se deveria nem cogitar de se aplicar a Lei de Improbidade Administrativa, devendo a questão relacionada ao erro do servidor e sua falta de conhecimento ou habilidade, ser resolvida no âmbito de processo administrativo disciplinar, o ambiente adequado para tanto.

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*Daniel Gerber é advogado da área penal com foco em Gestão de Crises Político e Empresarial, especialista em Direito Penal Econômico, mestre em Ciências Criminais, com foco em gestão de crises política e empresarial, sócio do escritório Gerber & Guimarães Advogados Associados.

*Eduardo Alexandre Guimarães é advogado da área penal com foco em Gestão de Crises Político e Empresarial e sócio no escritório Gerber & Guimarães Advogados Associados.

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