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A responsabilidade dos provedores de aplicação pelas fake news no PL 2.630/20

Por Renato Moraes
Atualização:
Renato Moraes. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Projeto de Lei no 2.630/2020 deveria ser votado pelo Senado Federal nesta semana. Originado a partir da preocupação com o grave fenômeno das fake news, a proposta não adota técnica legislativa adequada, criando confusão desnecessária. Mais especificamente, a norma adota redação vaga e pouco técnica em relação à responsabilidade dos provedores de aplicação pelo conteúdo publicado por terceiros, conferindo margem para o ressurgimento de discussão que já antes encerrada.

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Os provedores de aplicação são aqueles que oferecem conteúdo ao usuário da internet. Contrapõem-se aos chamados provedores de conexão, que proporcionam ao indivíduo o acesso à rede mundial de computadores.

Com o desenvolvimento das relações em ambiente virtual, houve o surgimento de situações nas quais indivíduos causavam danos a outros. Eventuais ofensas sofridas - inclusive em razão da divulgação de fake news - poderiam causar prejuízos na esfera material e moral, sujeitando o ofensor ao regime tradicional da responsabilidade civil. Surgiu então a necessidade de definir se - e em que medida - os provedores de aplicação deveriam ser responsabilizados, caso fossem utilizados por terceiros para a prática de atos ilegais.

A primeira resposta definida pela jurisprudência foi impor responsabilidade aos provedores de aplicação, caso os ofendidos os notificassem sobre a eventual divulgação de conteúdo ilícito, e não houvesse a posterior remoção da publicação. Esse entendimento colocava os provedores em posição delicada, e absolutamente inadequada para a função exercida por eles: competia-lhes analisar e decidir sobre a legalidade do conteúdo elaborado por terceiro, removendo tudo aquilo que entendessem ultrapassar os limites da liberdade de expressão.

Dentro desse contexto, os provedores tinham a responsabilidade de definir a tênue e controversa fronteira entre o exercício da liberdade de expressão e a prática de atos ilícitos, agindo sob o posterior controle do Poder Judiciário. Caso não removessem a publicação posteriormente considerada irregular, estavam sujeitos a indenizar o ofendido. Por outro lado, se excluíssem conteúdo considerado lícito, incorreriam em violação à liberdade de expressão, agindo como verdadeiros censores.

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O Marco Civil da Internet (Lei no 12.965/14) solucionou esse problema, atribuindo ao Poder Judiciário competência exclusiva para analisar a legalidade do conteúdo publicado na internet (arts. 18 e 19). A responsabilidade do provedor de aplicação surgiria apenas caso ele não excluísse determinada publicação após a notificação da autoridade judiciária. Com isso, inverteu-se a ordem inicialmente adotada pelos tribunais, colocando-se a observância da ordem judicial como parâmetro da responsabilidade, em benefício da segurança jurídica no ambiente digital.

Por mais surpreendente que seja, o PL 2.630/20 ameaça quebrar o salutar equilíbrio proporcionado pelo Marco Civil da Internet, ao menos no âmbito das fake news.

O artigo 5º do PL 2.630/20 estabelece proibição genérica quanto à existência de "contas inautênticas", "disseminadores artificiais não rotulados" - ou seja, os robôs de divulgação de fake news -, redes de disseminação de desinformação, e "conteúdos patrocinados não rotulados". Embora o propósito das vedações seja positivo - pois todas essas situações são indesejadas -, a norma se revela excessivamente vaga, pois não define o sujeito a quem compete coibir essas condutas.

A insegurança proporcionada pela proposta se torna ainda maior a partir do regime introduzido pelo art. 28 da proposta legislativa. Replicando quase integralmente o art. 12 do Marco Civil da Internet, a norma estabelece que o provedor de aplicação se sujeita às sanções de "advertência", "multa", "suspensão temporária das atividades" e "proibição de exercício das atividades no país". O dispositivo proporciona margem para dúvida, pois indica possível vinculação das penalidades nele previstas com as condutas genericamente vedadas pelo artigo 5º da norma.

Como resultado dessa equivocada técnica legislativa, é possível que se imponha ao provedor de conteúdo penas severas - como multa, ou até mesmo a suspensão ou proibição do exercício de atividades -, em razão da divulgação de fake news por terceiros. Retoma-se, desse modo, o regime jurídico anterior ao Marco Civil da Internet, mas com extensão potencialmente superior. Pois, se antes cabia ao provedor a delicada função de definir a legalidade do conteúdo de terceiros, com o PL, se atribui a ele a função de identificar e dizimar as complexas e sofisticadas redes de divulgação de fake news, em evidente exercício de atividade estatal, e sob pena da aplicação de punições bastante severas.

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*Renato Moraes, advogado de Contencioso e Arbitragem do Cascione Pulino Boulos Advogados

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