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A representação comercial está em extinção -- e a culpa é da lei tacanha e antiquada, que engessa essa relação

Por Thaís Kurita
Atualização:
Thaís Kurita. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Lei 4.886, de 1965, regulamenta a relação de representação comercial no Brasil. A ela, somaram-se alterações realizadas em 1992 (pela Lei 8.420).

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A atividade de representante comercial surgiu da oportunidade criada pela dificuldade de comunicação a longas distâncias. O tempo entre realizar pedidos, transmiti-los, processá-los e dar início à fabricação criou a figura do intermediário autônomo, atualmente (re)conhecido como representante comercial.

A necessidade de as empresas desbravarem mercados distantes de suas áreas de atuação contribuiu sensivelmente com a disseminação dos representantes, juntamente com a melhoria da malha de transportes, navios a vapor e todo avanço tecnológico próprio de meados do século XIX. Com o passar do tempo, dado o contexto histórico do Brasil da época, foi então editada a Lei 4.886/65, que regula fortemente o contrato de representação comercial, que dita claramente seu conteúdo e deixa pouco campo de manobra para livre acordo das partes envolvidas.

Por ser regida por lei própria, a representação comercial não se constitui de uma relação de emprego - essa regulamentada pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) - mas, sim, de uma relação de trabalho. Assim, pessoas físicas ou jurídicas podem desenvolver a atividade de representação comercial para uma ou mais empresas, em caráter exclusivo, semi-exclusivo ou não-exclusivo, conforme contratos entre as partes.

A lei é antiquada e engessada. Ao tentar proteger o representante comercial, a lei criou um efeito perverso para a categoria profissional, que a está levando, ano a ano, à extinção. Explico melhor.

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Diz o artigo 27 da lei 4.886, de 1965:

Art. 27. Do contrato de representação comercial, além dos elementos comuns e outros a juízo dos interessados, constarão obrigatoriamente: (Redação dada pela Lei nº 8.420, de 8.5.1992)

j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação. (Redação dada pela Lei nº 8.420, de 8.5.1992)

O artigo 27 da lei dispõe sobre o contrato de representação comercial, de forma bem detalhada. E é justamente por conter muitos detalhes que engessa a relação entre o contratante e o contratado.

Ao determinar, como no inciso J, que exista uma indenização pesada na rescisão contratual, a lei cria situações que vão de delicadas a praticamente sem solução nesta relação comercial.

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Existem empresas que, por exemplo, por não conseguirem pagar indenizações a representantes comerciais que já não desempenham qualquer papel benéfico em suas operações, simplesmente os mantêm no quadro de representação, porque os desvincular significaria levar a empresa à falência. E a relação já dura 30, 40 anos sem que haja qualquer satisfação comercial entre as partes.

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E o que fazer, já que a lei não tem previsão de ser revisada?

Existem duas alternativas viáveis para empresas que precisam de canais de representação/varejo/distribuição.

Quando a empresa ainda não implantou a representação comercial, ela pode estudar os canais alternativos a este modelo, que sigam outra legislação. É o caso de franquias ou licenciamento. Se ela dispuser de know-how para transferir, consubstanciada por conhecimentos específicos e próprios do negócio, então, a franquia é uma excelente opção, porque a expansão se faz, além de tudo, com capital de terceiros. Porém, é necessário que se crie uma estrutura de empresa franqueadora, seguindo-se a lei 13.966/19.

Se, entretanto, não houver a necessidade de transferência de know-how, sendo uma concessão de marca e distribuição de produtos, é possível optar-se pelo licenciamento, que segue, dentre outras, a lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). Aqui, diferentemente do que ocorre no canal de representação comercial, o contrato não tem sua figura engessada pela legislação, cabendo às partes negociarem aquilo que lhes aprouver.

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Quando a empresa já possui representantes comerciais e está insatisfeita com esse modelo, ela precisa agir estrategicamente, por meio da análise de dados. Então, entra a 'business intelligence' a favor do negócio. O cruzamento de dados de desempenho do representante, sua atuação e outros fatores podem ser preponderantes para alterar, para o bem das partes, a política comercial praticada, por exemplo.

Para que seja mais simples de entender, imaginemos uma representação comercial que atue em um estado inteiro. Por meio da análise de dados, percebe-se que as vendas estão concentradas apenas na capital, há um bom tempo, sendo que o restante do território não está sendo explorado pelo parceiro. Então, ele pode ter seu contrato reduzido e a empresa pode implantar franquias ou licenciados nas regiões em que o representante não atua. Assim, certamente, haverá uma expansão maior da empresa.

Da mesma forma, o representante pode ser incentivado a se tornar franqueado ou licenciado. Mostrando-se os benefícios dessa nova parceria a ele - e se também for benéfico para a relação - pode acontecer um entendimento entre as partes e ambos saírem ganhando com a nova possibilidade de ganhos mútuos.

Manter um canal de representação só porque se tornou impossível pagar a indenização prevista na Lei pode machucar a saúde da empresa de forma severa - e. muitas vezes. irremediável quando a longo prazo - e nada fazer a respeito é como jogar sujeira para debaixo do tapete.

As mudanças são necessárias: se por um lado, a empresa pode sofrer prejuízos se nada fizer, por outro, os próprios representantes sofrerão perdas em razão do encolhimento de sua fonte, que são as empresas que representa.

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Não adianta virar os olhos para essa realidade: a atividade de representação comercial surgiu num contexto em que a dificuldade de comunicação era a regra. Logo, num cenário onde a velocidade é a fundamental, como as respostas just in time, como esperar que a representação comercial ainda se mantenha exatamente como era em 1965?

É importante, claro, que se aja dentro da legalidade, tendo ambas as partes asseguradas por contratos bem delimitados e que não firam a legislação vigente. E, antes da tomada de qualquer decisão, é importante que especialistas em canais de distribuição sejam consultados, porque cada negócio precisa ser avaliado individualmente.

*Thaís Kurita é advogada especializada em canais de distribuição, como franchising e varejo. Sócio do Novoa Prado Advogados

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