Redação
06 de julho de 2015 | 10h00
*Por Mauricio Silva Leite
Voltou a ser suscitado tema que há muito tempo vem sendo discutido no Brasil e que pode voltar a ter protagonismo na pauta do governo federal, pela expressiva cifra estimada em US$ 100 bilhões que gira ao seu redor e pelo aumento da base arrecadatória que pode ocasionar. Trata-se da repatriação de recursos não declarados à Receita Federal do Brasil e mantidos no exterior, que estariam circulando no mercado financeiro internacional sem o conhecimento das autoridades brasileiras.
Premida pelo crescimento tímido da arrecadação e pelos gastos da máquina pública, a Administração federal voltou a cogitar a hipótese de legalizar a reentrada desse dinheiro no país sem maiores consequências para quem o possui.
A questão sobre a pretensa política de incentivo à repatriação desses recursos certamente provoca simpatias e antipatias de diversas naturezas, cabendo ao Poder Legislativo debater a questão e definir, no âmbito de sua competência constitucional, a conveniência de aprovar uma proposta nesse sentido.
Vale lembrar que a ideia de repatriar recursos não declarados, sugerindo alíquota diferenciada de tributos como forma de incentivo, não é propriamente uma novidade na história do mercado financeiro internacional. Diversos países já lançaram mão de iniciativa semelhante com grande êxito, tais como Itália, México e Alemanha, entre outros.
Em território brasileiro, já existem, há pelo menos dez anos, propostas legislativas nesse sentido, dentre elas o Projeto de Lei 5.228/2005, do deputado José Mentor (PT-SP); o PL 354/2009, do senador Delcídio do Amaral (PT-MS); e o recente PL 126/2015, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP).
Recentemente, um grupo de senadores reuniu-se com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, oportunidade em que foi sugerida a reinserção do assunto na pauta de discussões do governo federal.
É preciso reconhecer que a questão é sensível e deve ser analisada com muita parcimônia. Não se deve incluir entre as possibilidades de repatriação o dinheiro sujo proveniente de crimes contra a administração pública ou do narcotráfico.
Parece ser este o ponto de maior dificuldade que o Legislativo deve encontrar: criar critérios capazes de fazer a devida separação entre o dinheiro adquirido de atividades lícitas, enviado ao exterior principalmente na década de 1980 devido ao temor de que a instabilidade econômica decorrente da inflação de então ou dos planos econômicos frustrados gerassem perdas irreparáveis, e o dinheiro proveniente de crimes como o tráfico de drogas ou a corrupção.
Ao não separar o joio do trigo, o poder público correria o risco de incentivar e até criar caminhos para a internação de recursos obtidos com o tráfico e a corrupção, na contramão de inovações recentes da lei penal que facilitaram a persecução e a condenação judicial de quem é flagrado nesse tipo de conduta. Valores decorrentes dessas atividades devem ser recuperados através dos mecanismos de repressão disponíveis na legislação penal em vigor, e os titulares das quantias devem ser punidos nos termos da lei.
Todavia, quando se fala em valores fruto de atividades lícitas, que foram omitidos da declaração de Imposto de Renda e sobre os quais não foram recolhidos os tributos pertinentes, diferente tratamento deve ser dado ao contribuinte, abrindo-se oportunidade para a regularização da situação fiscal, com o retorno dos valores ao país, impondo-se uma tributação segundo critérios a serem definidos pelo legislador.
Outro argumento em favor da repatriação se apresenta quando analisamos o volume de processos fiscais existentes no Poder Judiciário em decorrência da tributação de valores mantidos no exterior. Com a repatriação, os processos correlatos seriam automaticamente extintos, desafogando as varas fiscais.
Além disso, mesmo o crime de evasão de divisas para esses casos perde a sua importância quando verificada a origem lícita dos valores, já que, nessa hipótese, o que enquadraria a conduta no crime de evasão seria semelhante clandestinidade verificada no caso da sonegação. Ou seja, não se encontra justificativa para que não seja perdoado o crime de evasão de divisas em uma possível repatriação, se o mesmo for feito em relação à sonegação fiscal.
Esta é uma grande oportunidade para resolver a questão, e a solução apresentada seria uma saída oportuna para o Brasil, que sofre com a estagnação econômica e depende de medidas criativas e urgentes por parte do Ministério da Fazenda. Repatriar recursos seria mais interessante que apenas onerar a sociedade com a criação de novos impostos, estratégia recorrente que não resolve o problema e apenas cria mais desemprego, visto que a consequência natural do aumento da carga tributária na atividade empresarial é o corte de custos com mais demissões.
O país mudou muito desde a década de 1980 e tarda o momento de se criar uma oportunidade para que os titulares de valores mantidos no exterior, adquiridos no Brasil por meio de atividades legítimas, possam regularizar a sua vida fiscal e reintegrar os valores na base tributária do Brasil. Ganhariam ambos os lados dessa relação.
E os ganhos seriam imensos, pois esses valores seriam investidos nas atividades empresariais ou então integrariam o sistema financeiro nacional, alimentando a economia e fazendo circular as riquezas no território nacional, gerando arrecadação imediata e financiando a atividade produtiva, proporcionando o desenvolvimento do país.
*Maurício Silva Leite é advogado, mestre em Processo Penal pela PUC/SP e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados
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