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A relação entre os critérios ESG e as barragens de mineração

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Por Thiago R. Maia e Izabella Reis
Atualização:
Thiago R. Maia e Izabella Reis. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Apesar da notoriedade e relevância do assunto nos últimos anos, os critérios ESG que fazem referência aos termos em inglês "Environmental, Social and Governance", também conhecidos no Brasil como ASG (sigla em português para Ambiental, Social e de Governança), não são novidade no mundo corporativo. A sigla ESG ou ASG, refere-se ao conjunto de padrões e/ou fatores que representam métricas para avaliação da sustentabilidade e impacto social das operações das empresas.

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No Brasil, a aplicação de ESG ainda tem muito campo para evoluir, mas é patente o aumento no interesse de empresas, investidores, iniciativas, governo e da própria sociedade em entender mais sobre o assunto e, especialmente, em como colocá-los em prática.

Os critérios ESG envolvem diversas práticas e setores e com a mineração não seria diferente. Apesar de ser uma atividade de grande impacto, o desenvolvimento dos países depende, em certa medida, da mineração. Da mesma forma, outros assuntos relevantes na atualidade, como a transição para economias de baixo carbono, também dependem da mineração (ex: para a fabricação dos painéis solares).

A complexidade deste cenário tem impulsionado empresas de mineração a internalizarem esses critérios e a se atentarem aos benefícios de longo prazo às suas operações. Atualmente, a mera divulgação sobre a descoberta de novos depósitos não é suficiente. Outros fatores são igualmente relevantes para o setor, como o engajamento das empresas com as comunidades, as contribuições dos empreendimentos para o atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, dentre outros.

Há, portanto, diversos aspectos da cadeia da mineração em que os critérios ESG podem e devem ser incorporados, sendo o foco do presente artigo sua interconexão com as barragens de mineração. Por uma simples análise das áreas endereçadas pelos critérios ESG, é possível depreender sua importância não somente para a construção, operação e fechamento de barragens, mas também o fomento de outras práticas como reaproveitamento de rejeitos e o incentivo à utilização da tecnologia como aliada para mitigar riscos e reduzir impactos.

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Nos últimos tempos, os inegáveis avanços nos estudos relacionados às barragens de mineração têm reforçado a complexidade e o caráter multidisciplinar do tema. Cada vez mais, as discussões sobre as barragens têm deixado de ter um viés puramente técnico, levando a atenção e foco das empresas também para o relacionamento com as comunidades afetadas, questões de transparência e para as necessárias alterações na governança corporativa para garantir que os riscos, impactos e medidas sejam devidamente endereçados.

Tal movimento, devido à sua relevância, ganhou espaço no cenário internacional. Tanto é que foi recentemente lançado o Padrão Global da Indústria para a Gestão de Rejeitos ("Padrão Global"), elaborado pelo Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e Princípios para o Investimento Responsável (PRI). O objetivo foi o de estabelecer um padrão, aplicável mundialmente, voltado à segurança das barragens de mineração visando atingir a desafiadora meta de "zero dano". Mas o que o Padrão Global traz em termos de ESG?

Em primeiro lugar, é inegável que o Padrão Global elevou o patamar do que já vinha sendo praticado pelo setor mineral em matéria de barragens ao intensificar questões de responsabilidade, incentivar práticas mais sustentáveis (incluindo o reaproveitamento de rejeitos) e endereçar riscos e impactos nas mais diversas esferas. Por uma simples análise dos 15 Princípios integrantes do Padrão Global, divididos em 6 tópicos no Padrão Global, nota-se claramente que os critérios ESG foram incorporados, ao tratar, dentre outros: i) do relacionamento com as comunidades; ii) da transparência e divulgação de dados; iii) da gestão e governança de empresas que tenham barragens sob sua responsabilidade; iv) das medidas para minimizar riscos (dentre outros, os ambientais).

Na mesma linha, no Brasil, as recentes alterações legislativas também refletem a atual preocupação com a incorporação de critérios ESG às barragens de mineração. As alterações trazidas pela Lei 14.066/2020 à Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), bem como as atualizações na Portaria nº 70.389, de 17 de maio de 2017 e legislação correlata, tornaram as regras mais rígidas e incorporaram preocupações com as comunidades afetadas, bem como com as condições de segurança das barragens inseridas no contexto da estrutura organizacional das mineradoras.

No que tange à PNSB, questões atreladas à transparência, comunicação e treinamentos das comunidades foram mais detalhadas em 2020. Não que estas questões não estivessem em certa medida endereçadas ou fossem exigidas pela redação original da PNSB, mas a evolução no entendimento sobre os riscos possibilitou um aprimoramento do arcabouço legal neste sentido. Ademais, já, há algum tempo, foi proibida a implantação de barragens cujos estudos de cenário de ruptura apontassem a existência de comunidades localizadas na Zona de Autossalvamento ("ZAS"), assim entendida como "trecho do vale a jusante da barragem em que não haja tempo suficiente para intervenção da autoridade competente em situação de emergência, conforme mapa de inundação" (art. 1º, IX da Lei 12.334/2010).

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Em termos de governança, tanto a PNSB como as normas emitidas pela Agência Nacional de Mineração ("ANM"), também trouxeram novas obrigações que objetivam levar as condições de segurança das barragens ao conhecimento daqueles responsáveis pela administração da empresa e munidos de poderes para tomada de decisões a respeito dos riscos e impactos. Com relação ao reaproveitamento de rejeitos, tal questão também foi endereçada no Regulamento ao Código de Mineração (Decreto 9.406/2018, ainda pendente de regulamentação pela ANM.

Nota-se, portanto, tanto na ceara nacional e internacional, que os critérios ESG têm sido cada vez mais incorporados aos padrões e normas aplicáveis à construção, operação, fechamento e pós fechamento das barragens de mineração. Esse relacionamento, diga-se, nada novo, está em crescente evolução e representa um passo significativo para promover uma alteração do cenário das barragens no mundo.

*Thiago R. Maia e Izabella Reis, sócio da área de fusões e aquisições e associada do Demarest Advogados

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