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A reforma tributária do IR e a sua falta de transparência e efetividade

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Por Diego Faria Guilherme e Alex Schur Faiwichow
Atualização:
Diego Faria Guilherme e Alex Schur Faiwichow. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

É consenso de que a legislação tributária brasileira precisa ser atualizada para se adaptar ao mundo atual, bem como para trazer maior praticidade, transparência e celeridade aos cumprimentos das obrigações fiscais. Neste contexto, é notório e conhecido que o Brasil possui um sistema tributário complexo e de carga elevada, considerando-se a totalidade dos tributos que são cobrados no país e o seu impacto total sobre a renda das pessoas físicas e jurídicas.

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Pensando nisso, rapidamente vem a nossa mente a expressão "Reforma Tributária", temática que voltou à tona recentemente dado o novo projeto de lei elaborado pelo Ministério da Economia.

Independentemente do teor deste projeto, referida expressão prescinde uma alteração ampla e sistêmica do arcabouço tributário local (geral ou de determinado(s) tributo(s)). Ou seja, parte-se do pressuposto de que o jogo precisa ser alterado para atender aos anseios daqueles que o jogam (no caso, Fisco e Contribuinte). Ao nosso ver, dentre as diversas mudanças que podem ser propostas, para que ocorra uma reforma "prática" no país, três elementos dever ser considerados:

  • A situação da arrecadação por parte dos Entes Federativos (União, Estados e Municípios);
  • A necessidade de simplificação e efetividade no cumprimento das obrigações fiscais; e
  • A complexa relação e comunicação existente entre Fisco e Contribuinte (contenciosa e consultiva).

O texto aqui não busca adentrar se os elementos apresentados pelo Governo (por exemplo, tributação de dividendos ou extinção do JCP) afetarão positiva ou negativamente o a vida dos brasileiros e do "mercado" como um todo, mas se referida proposta conseguiu tratar de forma efetiva os aspectos elencados acima.

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Situação da arrecadação no Brasil

A "reforma tributária do imposto de renda", proposta recentemente pelo Min. Paulo Guedes, representa, de maneira geral, um aumento de carga tributária, para todos os setores, num momento de recuperação de uma economia fragilizada.

A título exemplificativo, ainda que se alegue que a reforma traz uma elevação da faixa isenção do IRPF, o que justificaria uma "necessidade de compensação na outra ponta", tal argumento não se passa de uma falácia. Isto porque, a faixa de isenção do IRPF, como se sabe, está totalmente defasada (R$ 1,9 mil), haja vista que deveria ser aplicada correções monetárias anuais, o que se não se faz desde 2015 - ou seja, a faixa deveria estar no patamar de R$ 4 mil (no projeto do Governo, referida faixa iria de R$ 1,9 mil para R$ 2,5 mil), o que nem corresponderia com os aspectos financeiros de recuperação de valor no tempo.

Pois bem. No que se refere à arrecadação por parte da Receita Federal do Brasil (RFB), pode ser aferido que ela reflete, por óbvio, a economia do país dentro do ano. De acordo com dados da RFB, somente de tributos federais, o fisco arrecada, anualmente, uma média de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do país[1]. Veja:

 

Por meio do gráfico abaixo, é possível identificar a evolução da arrecadação nos últimos anos:

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Com relação ao gráfico acima, ressalta-se, mais uma vez, que somente se trata de Tributos Federais, ou seja, não são considerados na referida conta tributos como ICMS, ISS, ITCMD, ITBI e outros. De qualquer forma, sob a ótica fiscal, percebe-se que houve uma diminuição da arrecadação nos últimos anos.

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Em contrapartida, em maio/2021, a RFB teve a maior arrecadação para o período de sua história, permitindo a interpretação de que a redução antes identificada pode ser momentânea e consequência da situação econômica do país que tem, nos últimos meses, demonstrado uma perspectiva de melhora.

Indo adiante, quando se faz uma análise da proporção PIB x Carga Fiscal, de acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[2], em 2018, a carga fiscal brasileira corresponderia ao patamar de 33,1% do Produto Interno Bruto.

Por esses e outros motivos, o foco do governo, quando se trata da arrecadação (item 1 acima) não deveria ser exclusivamente o aumento de carga fiscal federal, mas, sim, a correção de discrepâncias do sistema, especialmente no que tange a carga tributária incidente sobre o consumo que é extremamente elevada, complexa e que, sob uma ótica de renda X arrecadação, onera mais a população com menor renda.

Além de ser a maior problemática, tributos que incidem sobre o consumo (como ICMS, ISS, PIS e COFINS) são aqueles que mais geram disputas entre fisco x contribuintes.

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Isto posto, resta claro que o governo necessita focar seus esforços em outras questões que tornam o sistema tributário custoso a todos os seus stakeholders, conforme demonstraremos a seguir.

Necessidade de simplificação do sistema tributário

Neste contexto, sabe-se que as empresas no Brasil gastam aproximadamente 2.000 horas/ano, e mais de R$ 60 bilhões, para cumprirem obrigações que, em muitos casos, estão, na concepção do Fisco, incorretas (o que, futuramente, irá gerar um contencioso fiscal). Em contrapartida, na média dos países da OCDE, o tempo gasto gira em torno de 160 horas/ano (menos de 10% daquela verificada no Brasil).

Vejamos um exemplo prático: um contribuinte do Lucro Real, a partir de seu entendimento legal, entende que determinada despesa é dedutível do seu lucro e, com isso, da base de cálculo do IRPJ/CSLL. O Fisco, por sua vez, entende que a despesa não seria dedutível para fins fiscais (o que eleva a carga a ser recolhida). O contribuinte realizou todos os procedimentos necessários e incorreu nos custos e gastos devidos. Por outro lado, por ter um entendimento próprio, as autoridades fiscais autuam o contribuinte sobre a diferença do imposto (valor correspondente a dedução desta despesa), acrescida de multa de mora (exemplo, 75% do valor do imposto que deixou de ser pago) e juros.

Veja, assim, a grande quantidade de tempo, pessoal e recurso financeiro despendido pelo empresário e pelo fisco ao longo deste processo. Isso é parte do famoso "custo brasil", que impacta de forma considerável o PIB brasileiro. Horas e horas são gastas para cumprir com obrigações fiscais

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Analisando-se a proposta do Ministério da Economia, verificamos que ela não se propõe a buscar soluções para um dos pilares a qual deveria se fundamentar qualquer sistema tributário: eficiência.

Não há uma mudança efetiva para facilitar e agilizar o cumprimento de obrigações acessórias, otimizar e aumentar a transparência na comunicação entre fisco e contribuintes, reduzir o contencioso administrativo e judicial, dentre tantas outras.

Comunicação entre fisco e contribuintes

Aliás, sobre a comunicação entre fisco e contribuintes, é importante fazermos uma analogia para compreendermos a situação do sistema tributário brasileiro sob essa ótica.

Neste contexto, para deixar a reflexão mais palpável, façamos um paralelo com algo do nosso cotidiano: o futebol. Sob essa ótica, percebemos que a proposta de reforma está mudando o sistema de irrigação do campo, os vestiários, a quantidade de árbitros, entretanto, o critério para marcação de faltas permanece o mesmo e o tempo de bola rolando permanece reduzido (comparando-se com o de países europeus), como consequência os jogadores têm menos tempo para desenvolver o seu jogo.

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Obviamente que jogar em gramado cuidado, sem buracos, liso, faz com que a bola gire mais e ofereça a possibilidade de o jogo ser "mais bonito". No entanto, tal fato não é garantia de que isso aconteça, pois, grande parte da qualidade do jogo depende das pessoas que o jogam - e não somente do campo.

Neste sentido, as discussões da reforma podem envolver, além da simplificação, os seguintes pontos:

  • a implementação de normas que estimulem a adoção de boas práticas na apuração e recolhimento de tributos (e.g. Programa "Nos Conformes" pelo Estado de São Paulo) e que incentivem, cada vez mais, um canal aberto e paritário de comunicação entre fisco e contribuinte;

  • a performance das autoridades fiscais devem ser objeto de acompanhamento pelas autarquias responsáveis pela cobrança e fiscalização de tributos, ou seja, os fiscais devem ser avaliados e responsabilizados em determinados casos, a fim de obstar a lavratura de autos de infração sem fundamentação jurídica (meramente para fins arrecadatórios), assim como a aplicação de multas desarrazoadas (e.g. 150% sem qualquer base); e

  • Reflexão e atualização do Código Tributário Nacional e da Lei de execução fiscal, ambos elaborados há mais de 40 anos, buscando atualizá-los à realidade do país, tendo como uma de suas premissas a simplificação de processos, a convergência entre fiscos e contribuintes e a redução do contencioso fiscal brasileiro.

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Considerações Finais

Com isso, é importante que seja discutido na reforma tributária a mudança de comportamento de Fisco e Contribuinte, para que o sistema seja mais bem organizado e aplicado. Caso contrário, poderia se ter uma legislação simplificada e otimizada, mas sem qualquer efetividade. O que ensejaria em perda de tempo, oportunidades e dinheiro.

Entendemos que a reforma tributária é imprescindível e discussões dessa natureza são positivas, entretanto precisamos focar no sistema e nos aspectos elencados acima, não no fato de que o Estado brasileiro está precisando de recursos. Caso contrário, entraremos em círculo vicioso e a máxima de que não acontece uma reforma tributária no Brasil será comprovada.

Ainda neste sentido, ressaltamos que não somos contrários a um eventual aumento de carga fiscal para determinados contribuintes (por exemplo, por meio da extinção do JCP o que inclusive facilitará a entrada do Brasil na OCDE) como consequência de um projeto de reforma tributária abrangente, desde que isso seja realizado com a participação do fisco e dos contribuintes e considere as questões discutidas acima. Caso contrário, o problema do sistema tributário nacional irá perdurar e daqui a 5, 10 anos, teremos as mesmas discussões e todos perdem, inclusive o fisco.

Precisamos perder o estigma de que fisco e contribuintes jogam em times opostos e a presente proposta de reforma tributária não está adotando esta premissa.

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A título exemplificativo, por que os pagamentos de gratificações e participação nos resultados aos sócios e dirigentes feitos com ações da empresa não podem ser deduzidos como despesas operacionais? Essa e outras medidas não parecem buscar reformar o sistema, mas sim aumentar a arrecadação e indiretamente reduzir o contencioso, entretanto sem considerar a realidade econômica do país, bem como sem ouvir todos os stakeholders da discussão.

Isto posto, deixamos ao leitor a seguinte reflexão: desde 2014, temos estádios de Copa de Mundo no país, mas, de lá para cá, a qualidade do futebol jogado no Brasil não teve qualquer evolução - muito pelo contrário.

*Diego Faria Guilherme e Alex Schur Faiwichow são sócios do Chatack, Faiwichow & Faria Advogados, especialistas em Direito Tributário

[1] https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/receitadata/arrecadacao/copy4_of_analise-teste

[2] https://www.oecd.org/tax/tax-policy/america-latina-e-caribe-ganhos-de-receita-tributaria-ameacados-em-meio-a-deterioracao-das-perspectivas-regionais.htm

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