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A reforma da Lei de Improbidade Administrativa: avanço ou o Brasil na contramão?

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Por Manoel Murrieta , José Antonio de Freitas Filho , Trajano Sousa de Melo e Edmar Jorge de Almeida
Atualização:
Manoel Murrieta, José Antonio de Freitas Filho, Trajano Sousa de Melo e Edmar Jorge de Almeida. FOTOS: DIVULGAÇÃO E ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Em meio à gravíssima crise sanitária decorrente da Covid-19, que muita dor tem trazido às famílias brasileiras, a Câmara de Deputados procura avançar no exame de proposições legislativas que, se aprovadas, dificultarão sobremaneira o combate à corrupção, à improbidade e a outros crimes particularmente graves, nada obstante, como é notório, as circunstâncias sejam as mais adversas e naturalmente não haja espaço para o adequado processo de reflexão e debates diversos dos necessários à prioritária contenção da pandemia.

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Encontra-se pronto para a análise do Plenário daquela Casa Legislativa, por exemplo, o parecer do Deputado Federal Carlos Zarattini (PT-SP) ao Projeto nº 10.887/2018, cujo objetivo é a reforma da Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.

A tentativa de alteração da denominada Lei de Improbidade Administrativa, que já tramitava em um ritmo acelerado, incompatível com a relevância da matéria, ganhou ainda maior impulso com o caos na saúde pública, a despeito das contundentes críticas de especialistas.

A propósito, não é minimamente razoável que o parlamento desconsidere o trabalho desenvolvido pelos integrantes de uma comissão por ele mesma constituída, com ampla representatividade social e institucional, voltada específica e declaradamente ao aperfeiçoamento do texto originário do projeto.

Fato é que está claro que a proposta, por enfraquecer o sistema de enfrentamento dos desmandos administrativos e, consequentemente, por prejudicar a defesa do patrimônio público, destoa flagrantemente dos anseios da sociedade brasileira.

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Dispositivos que restringem a atividade persecutória estatal e a aplicação das penalidades aos casos de ação ou omissão dolosa deixarão impunes posturas que, em prol da coletividade, precisam ser cabal e pedagogicamente prevenidas ou reprimidas.

Note-se que a lei ora estabelece, em seu art. 11, que "constitui ato de improbidade administrativa", contrário aos princípios da administração pública, "qualquer ato ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições".

Pelo projeto em tramitação, a punição limitar-se-ia ao enriquecimento ilícito e à lesão ao erário. O risco da mudança é gravíssimo.

A título de ilustração, ressalte-se que, hoje, um governante que porventura admita a preterição da ordem de vacinação contra o coronavírus poderá ser processado e responsabilizado por improbidade administrativa. A conduta, flagrantemente lesiva ao bem comum, não será punida, contudo, caso a punição condicionada fique à comprovação do dolo, ou seja, da "vontade específica" de cometer a irregularidade, ou se limite a situações em que não haja divergência interpretativa da lei.

Exsurge cristalino o intuito de se criar uma "zona de imunidade à responsabilidade", que se somará a obstáculos, igualmente evidentes, às investigações, assim como à blindagem das pessoas jurídicas envolvidas, pois se passará a exigir o conhecimento prévio, por seus representantes, dos atos de improbidade.

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Com efeito, não há como se ignorar que corruptos costumam evitar ou ocultar provas, indícios e rastros.

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A prova da obtenção de benefício direto pelas pessoas físicas vinculadas às empresas, como pressuposto de responsabilização, igualmente gerará impunidade, diante das consabidas dificuldades de obtenção quanto a todos os envolvidos.

A necessidade de detalhamento absoluto está, aliás, em desacordo com as diretrizes fixadas na Convenção da Organização das Nações Unidas contra a Corrupção, circunstância que, além de comprometer o desenvolvimento nacional, colocará o Brasil em lamentável posição na comunidade internacional.

Como não se pode ignorar, ademais, as ações de improbidade são complexas e se estendem no tempo em virtude da expressiva quantidade de recursos interpostos. Ao pretender reduzir o prazo prescricional, o projeto busca, na verdade, por vias transversas, legitimar uma espécie de perdão.

O único caminho a percorrer, efetivamente capaz de conduzir à prevalência do interesse público, está claramente sinalizado. Não há por que andar na contramão, rumo ao retrocesso.

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*Manoel Murrieta, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp)

*José Antonio de Freitas Filho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT)

*Trajano Sousa de Melo, presidente da Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT)

*Edmar Jorge de Almeida, presidente da Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM)

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