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A redução do seguro-desemprego pode financiar o Renda Cidadã?

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Por Arnaldo Lima
Atualização:
Arnaldo Lima. Foto: Divulgação

O governo revelou que estava estudando reduzir o número de parcelas do seguro-desemprego com o intuito de financiar a criação do Renda Cidadã, programa que substituiria o Bolsa Família. Apesar do seguro-desemprego ser um componente relevante no orçamento primário (R$ 39,4 bilhões), representando cerca de 2,5% das despesas primárias, percebe-se que, em termos reais, essas despesas têm caído desde 2015, quando foram aprovadas regras de exigibilidade mais rigorosas. Referidos aperfeiçoamentos economizaram cerca de R$ 58,5 bilhões nos últimos cinco anos em termos reais quando se utiliza como principal parâmetro a redução da quantidade de beneficiários do Programa de 8,5 para 6,4 milhões na modalidade formal. 

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Quando se analisa programas homólogos em outros países, percebe-se que o gasto com o seguro-desemprego no Brasil (0,55% do PIB) é próximo da média da OCDE (0,6% do PIB), sendo que países como Itália, Áustria, Finlândia, Espanha, Países Baixos e França gastam mais de 1% do PIB. Sob esta ótica, não se pode dizer que o gasto no País é elevado, especialmente quando se leva em conta a taxa de desemprego brasileira de 13,3% contra 5,4% da média da OCDE. Isso não significa dizer que não podem ser feitos alguns aperfeiçoamentos no programa brasileiro.   

Caso o governo queira avançar com propostas para reduzir tais despesas para abrir espaço no Teto dos Gastos, o caminho mais factível não é por meio da redução de parcelas do seguro, pois além de ser politicamente inviável, não se justifica tecnicamente, pois o número máximo de cinco parcelas no Brasil é bem abaixo da grande maioria dos países da OCDE (média de 13 parcelas). Dinamarca, Espanha, França, Itália, Noruega, Países Baixos e Irlanda possuem programas com o número de parcelas máximas superiores a 24 meses. 

Quando se avalia a taxa de cobertura, observa-se que ainda há espaço para fazer aperfeiçoamentos nas regras de acesso, pois o seguro coletivo brasileiro tem mais que o dobro de segurados em relação à população economicamente ativa (6,7%) do que a média da OCDE (2,8%). Sob esta ótica, o seguro-desemprego brasileiro só é menos abrangente que os programas da Bélgica (7,0%) e França (9,2%). 

É importante destacar que o marco legal do nosso seguro-desemprego possui conceitos inspirados nas melhores práticas internacionais, sobretudo os dispositivos que permitem o condicionamento do recebimento da assistência financeira à comprovação da frequência do trabalhador segurado em qualificação profissional e o cancelamento pela recusa por parte do trabalhador desempregado de outro emprego condizente com sua remuneração anterior. Contudo, esses dispositivos nunca foram aplicados de fato e revelam o pouco foco que damos em políticas ativas de mercado de trabalho. 

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Tendo em vista as dificuldades do Sistema Nacional de Emprego (Sine), um caminho possível é permitir que empresas privadas de intermediação de mão de obra possam ofertar vagas para os segurados e, em caso de sucesso, possam receber contrapartida financeira pelos serviços prestados, o que diminuiria o gasto de parcelas adicionais do trabalhador sem retirá-lo qualquer direito. Não obstante, o governo poderia estudar aumentar o período aquisitivo de 16 para 32 meses se o trabalhador for recontratado pela mesma empresa que deu origem à sua habilitação ao benefício, fortalecendo a governança do programa ao evitar eventuais conluios entre empregados e trabalhadores. 

Por fim, outro exemplo a ser estudado é o seguro-desemprego chileno que exige que o trabalhador primeiro esgote os recursos de seu seguro-renda privado para depois acessar o seguro coletivo. Ideia similar foi estudada no Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) em 2018 que limitava o saque do FGTS em parcelas iguais ao último salário do trabalhador antes dele poder acessar os benefícios pecuniários do seguro-desemprego, aumentando o tempo de reação do SINE para realocar esses trabalhadores em novas oportunidades de emprego, haja vista que a média dos saldos naquele Fundo equivaleria a três remunerações mensais. Conjuntamente, essas três propostas poderiam economizar cerca de R$ 3 bilhões por ano. Não é o suficiente para turbinar o Bolsa Família a ponto de aproximá-lo do Auxílio Emergencial (R$ 600), mas pode ser um pequeno passo para elevação dos valores médios de R$ 192 para R$ 208. Independente do nome do programa social, Bolsa Família ou Renda Cidadã, estamos caminhando na direção correta: proteger os trabalhadores mais vulneráveis. 

*Arnaldo Lima é diretor de estratégias públicas do Grupo Mongeral Aegon

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