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A recusa à vacinação e o Código Penal

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Por Mauro Argachoff
Atualização:
Mauro Argachoff. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Vamos direto ao assunto. Pode-se "obrigar" uma pessoa a ser vacinada? Isso é o que todos querem saber tendo em vista as disputas políticas que, infelizmente, se instalaram com o iminente surgimento de uma ou diversas vacinas nos próximos meses.

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Para responder tal questão precisamos fazer uma breve análise do ordenamento jurídico brasileiro.

A primeira coisa que deve ser observada quando se fala em obrigatoriedade é que nem tudo que é obrigatório, quando descumprido, torna-se criminoso. Votar, por exemplo, é obrigatório e aquele que no dia da eleição não comparece às urnas não é preso nem processado criminalmente. Recairá sobre tal pessoa outras sanções de caráter administrativo.

Visando o combate a pandemia, desde 06 de fevereiro de 2020, passou a vigorar em território nacional a Lei n. 13.979, estabelecendo medidas de enfrentamento ao coronavirus. Em tal dispositivo legal, encontramos a realização de vacinação compulsória (art. 3º, III, d) como uma das formas de combate a pandemia que assola o mundo.

Para que não se cometam deslizes de interpretação, importante que se observe com clareza o que se entende por obrigatoriedade.

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É evidente que cenas de agentes de saúde, invadindo casas juntamente com policiais e segurando moradores a força para vaciná-los não serão vistas. Isso se deve ao fato de vivermos, felizmente embora alguns poucos lamentem, em um estado de direito.  E como se obriga em um estado de direito? Através da sanção. O chamado preceito secundário da norma. Note-se: ninguém é amarrado para não roubar, mas se roubar sofre a sanção; não se prende alguém para não matar, mas se matar, aí sim poderá ser preso; não se arrasta alguém para vacinar, mas se não for se vacinar sofrerá a reprimenda prevista em lei. É assim que as coisas funcionam em um estado democrático. O leitor deve agora estar perguntando: mas existe lei para punir quem se recusar a vacinar? A resposta é SIM. Limitarei a análise ao aspecto criminal, muito embora o poder público também possa editar norma com sanções de caráter puramente administrativo. O Código Penal, em seu artigo 268, trata do crime de Infração de Medida Sanitária Preventiva, prevendo a pena de detenção de um mês a um ano e multa para aquele que descumpre determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. Em juridiquês, estamos diante da chamada norma penal em branco, que é aquela que necessita de uma outra norma que a complemente para poder ter eficácia. Então, para que se possa punir criminalmente àquele que não se vacinar, será necessário que o poder público edite uma norma determinando a vacinação. Tratando-se de norma penal em branco heterogênea, o poder público que baixar a determinação pode ser de qualquer esfera. Tal entendimento se extrai da leitura do art. 23, II da Constituição Federal que estabelece competência comum entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal para cuidar da saúde. Portanto, se um ou mais estados, que são entes federativos autônomos, editarem tal norma determinando a vacinação, o não cumprimento sujeitará o infrator a pena prevista no artigo citado. Isso não significa que a pessoa será presa, tendo em vista que a pena prevista é muito baixa, tratando-se de crime de menor potencial ofensivo. Importante frisar, que a conduta da pessoa em não se vacinar deve ser dolosa, ou seja, ela efetivamente e de forma livre não quis se submeter a vacinação.  O formato de operacionalização e fiscalização disso é que será um desafio a ser observado pelos gestores públicos. Quem viver até a vacina, verá.

Evidentemente, esse posicionamento está longe de ser pacífico entre juristas brasileiros, havendo quem defenda que compete somente a União estabelecer a determinação necessária para a aplicação do artigo 268 do Código Penal. Respaldam tal entendimento no artigo 22, I da Constituição Federal que estabelece competência privativa à União para legislar em matéria penal. Portanto norma editada por outro ente da federação não teria qualquer valor para a aplicação do código penal.

Sem dúvida, não havendo um consenso das autoridades gestoras e permanecendo um interesse meramente político, o tema iria a juízo e bateria às portas do STF. Se isso ocorrer, a pergunta que fica é: o vírus aguarda?

*Mauro Argachoff, delegado de Polícia em São Paulo e mestre em Direito Penal pela USP

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