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A questão dos honorários advocatícios na reforma trabalhista

Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:
Estátua da Justiça em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal. FOTO: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO  

Consoante informou o site de notícias do STF, com o voto-vista do ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), foi retomado, no dia 14 de outubro do corrente ano, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5766, ajuizada contra pontos da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que alteram a gratuidade da justiça a trabalhadores que comprovem insuficiência de recursos. O exame da matéria prosseguirá na próxima quarta-feira (20).

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O ministro Fux acompanhou o relator, Luís Roberto Barroso. Ambos entendem que as modificações têm o objetivo de reduzir o excesso de litigiosidade e permitir melhor prestação pela Justiça do Trabalho. "Esses dispositivos não vedam o acesso à justiça, eles geram uma externalidade positiva de desincentivo a demandas frívolas", afirmou Fux durante a leitura do voto.

A Procuradoria-Geral da República (PGR), autora da ADI, questiona o dispositivo que estabelece a necessidade de pagamento de honorários periciais e advocatícios pela parte derrotada (honorários de sucumbência), mesmo que esta seja beneficiária da justiça gratuita, e o que impõe o pagamento de custas pelo beneficiário que faltar injustificadamente à audiência inicial.

Até o momento, dois ministros (Luís Roberto Barroso, relator, e Luiz Fux) entendem que as regras visam restringir a judicialização excessiva das relações de trabalho e são compatíveis com a Constituição Federal. Para o ministro Edson Fachin, as mudanças são inconstitucionais, porque restringem os direitos fundamentais ao acesso à Justiça e à assistência judicial gratuita.

A matéria está sendo debatida nos autos da ADI 5.766.

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Volto-me ao voto do ministro Fachin.

O ministro Edson Fachin abriu a divergência em relação ao voto do relator e posicionou-se pela procedência do pedido. Ele sustentou que os dispositivos questionados mitigaram em situações específicas o direito fundamental à assistência judicial gratuita e o direito fundamental ao acesso à Justiça. Para Fachin, as restrições impostas trazem como consequência o esvaziamento do interesse dos trabalhadores em demandar na Justiça do Trabalho, tendo em vista a pouca perspectiva de retorno. Para ele, há a imposição de barreiras que tornam inacessíveis os meios de reivindicação judicial de direitos a hipossuficientes econômicos.

"Mesmo que os interesses contrapostos a justificar as restrições impostas pela legislação impugnada sejam assegurar um maior compromisso com a litigância para a defesa dos direitos sociais trabalhistas, verifica-se, a partir de tais restrições, uma possibilidade de negar-se direitos fundamentais dos trabalhadores", afirmou.

Para o ministro, as restrições ao direito à gratuidade acabam afetando o direito fundamental ao acesso à Justiça e o próprio acesso aos direitos sociais trabalhistas eventualmente contrariados. Outros direitos desrespeitados pelas normas questionadas seriam, de acordo com o ministro, os relacionados à cidadania, à dignidade da pessoa humana, ao objetivo de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, da erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais.

Sabe-se que esse tema surgiu com a reforma trabalhista forjada no âmbito de medidas liberais após o fim do governo de Dilma Roussef.

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Antes da Reforma Trabalhista tinha-se o Enunciado 219:

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De acordo com o Enunciado nº 219 da Súmula TST serão devidos honorários advocatícios, na Justiça do Trabalho, à parte que estiver assistida pelo Sindicato da Categoria Profissional e que comprove a percepção de salário inferior ao dobro do mínimo ou se encontre em situação econômica que não lhe permita demandar em juízo sem prejuízo do seu sustento ou de sua família.

Como bem lembrou Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (Os honorários advocatícios e a reforma trabalhista: a incidência imediata dos honorários aos processos trabalhistas em andamento), até o advento da Lei 13.467/17, o pagamento dos honorários era devido somente ao advogado da parte que era assistida pelo sindicato da categoria e ainda assim, se encontrasse em situação econômica que não lhe permitisse demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da sua respectiva família, nos termos da Súmula 219 do Tribunal Superior do Trabalho.

No entanto, depois da Lei 13467/17, a hipótese de cabimento dos honorários de sucumbência passa ser mais abrangente, possibilitando que os advogados que atuem em causa própria, bem como os advogados que atuem em demandas nas quais forem julgadas totalmente/parcialmente procedentes tenham direito subjetivo à parcela, em função dos serviços jurídicos prestados.

O artigo 791-A da CLT definiu também como devem ser arbitrados os honorários advocatícios pelo Juiz do Trabalho:

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  • Fixados entre mínimo 5% e máximo 15%;
  • Sobre o valor que resultar a liquidação da sentença;
  • Sobre o proveito econômico obtido;
  • d) não sendo possível mensurá-lo sobre o valor atualizado da causa.

Na fixação dos honorários o juiz deverá observar (art. 791-A, § 2º, da CLT):

I) o grau de zelo do profissional;

II) o lugar da prestação do serviço;

III) a natureza da causa e a importância da causa;

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IV) o trabalho realizado pelo advogado;

V) o tempo exigido para o seu serviço.

A insegurança jurídica provocada pela reforma trabalhista acabou por deixar os trabalhadores com medo de procurar seus direitos.

Afronta-se ao acesso gratuito à jurisdição.

Não se pode deixar de ressaltar que a gratuidade da Justiça apresenta-se como um pressuposto para o exercício do direito fundamental ao acesso à Justiça. Nas clássicas lições de Mauro Cappelletti:

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O movimento para acesso à Justiça é um movimento para a efetividade dos direitos sociais, ou seja, para a efetividade da igualdade. Nesta análise comparativa do movimento de acesso à Justiça, a investigação nos mostra três formas principais, três ramos principais que invadem número crescente de Estados contemporâneos. (...) (CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça.Trad. Tupinambá Pinto de Azevedo. In Revista do Ministério Público Nova Fase, Porto Alegre, v. 1, n. 18, p. 8-26, 1985, p. 9).

Por unanimidade, os ministros seguiram o voto relator do ministro Alexandre Luiz Ramos que fixou entendimento no sentido de que, se a reclamação trabalhista foi ajuizada após a vigência da Lei 13.467/17, como no caso dos autos, deve ser aplicado o disposto no art. 791-A, e parágrafos, da CLT, sujeitando-se a parte reclamante à condenação em honorários de sucumbência, mesmo sendo beneficiária da gratuidade de justiça (Migalhas).

Sendo assim, de acordo com o entendimento, se o reclamante é sucumbente em parte dos pedidos disposto na petição inicial, ele está sujeito ao pagamento de honorários advocatícios aos advogados da parte reclamada. O julgamento se deu no Processo: 425-24.2018.5.12.0006.

A matéria sobre a fixação de honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho é objeto de discordâncias, como mostram Anete Brasil de Moraes Mathias e Priscilla Pacifico Paghi (Honorários advocatícios na Justiça do Trabalho, in site Migalhas).

Disseram elas naquele artigo:

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"Essas discussões não demoraram a chegar às instâncias superiores e, hoje, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho tem pendente de julgamento um Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade do artigo 791, § 4º, da CLT.

Esse Incidente se originou na decisão da 6ª turma do TST que entendeu pela inconstitucionalidade da cobrança de honorários do reclamante beneficiário da justiça gratuita.

Além da 6ª turma, a 7ª turma também entendeu pela impossibilidade de descontar do crédito do reclamante qualquer valor a título de honorários sucumbenciais, sob fundamento de que isso implicaria em constrição de verba de natureza alimentar.

Por outro lado, as 3ª e 8ª turmas do TST já julgaram no sentido da possibilidade de cobrança de honorários do beneficiário da justiça gratuita, desde que existam créditos em seu favor na ação. "

Lembre-se que a 4ª turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST afastou a tese de que o trabalhador não pagará honorários caso os pedidos da inicial sejam julgados parcialmente procedentes, ou seja, se o reclamante é sucumbente em parte dos pedidos dispostos na petição inicial, ele está sujeito ao pagamento de honorários advocatícios aos advogados da parte reclamada (Processo 425-24.2018.5.12.0006).

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Acresça-se a isso que a lei 13.467/17 não conta com qualquer dispositivo prevendo a isenção do pagamento de honorários no cenário de sucumbência mínima. Pelo contrário, o § 3º do artigo 791-A, da CLT12, de forma expressa, limita-se a contemplar a hipótese de honorários sucumbenciais recíprocos, ou seja, sempre quando houver procedência parcial deverá o Juiz deferir honorários de sucumbência aos patronos de ambas as partes, sem qualquer ressalva sobre sucumbência mínima, como bem ressalvaram Anete Brasil de Moraes Mathias e Priscilla Pacifico Paghi (obra citada).

Ora a ação é um direito abstrato, como demonstrou Liebman. O direito de ação independe do fato do autor ter ou não razão, sendo ele proposto contra o Estado.

Longe estamos de agasalhar a ação em sua teoria concreta.

Precisamente por pressupor o acolhimento da demanda e a existência do direito, a teoria de Wach e Chiovenda foi apelidada de concretista: para que haja ação é necessária a presença, in concreto, do direito material.

Esse o raciocínio empregado, data vênia, pelo ministro Fux ao observar a chamada demanda frívola que é aquela ajuizada por razões até por capricho.

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Ora, como bem disseram Simone Camilo e Leandro Antunes (Inconstitucionalidade de honorários advocatícios contra o benefício da justiça gratuita), "o artigo 791-A da CLT , viola a norma constitucional (artigo 5º, incisos XXXV e LXXIV), tendo em vista que a finalidade do referido artigo é inibir aos trabalhadores, com insuficiência de recursos, a ingressarem com uma ação na justiça do trabalho, mesmo sabendo que seu direito é bom, uma vez que temerão assumir os ricos da demanda. Dessa senda, o artigo 791-A afasta a tutela do estado, prevista na Carta Magna, e viola o direito de gratuidade de justiça, visto que o pagamento de honorários poderá se dar através de valores auferidos no processo. Ou seja, o valor recebido pelo detentor da gratuidade talvez não dê nem para pagar os honorários dos pedidos que sucumbiram. Sendo assim, este é um risco que o trabalhador poderá correr, prejudicando o seu sustento e de seus familiares, ao buscar na Justiça do Trabalho uma verba de natureza alimentar."

Afora isso, há de se entender que os honorários advocatícios são devidos não em face de sanção no processo, mas em razão do princípio da causalidade, próprio da sucumbência.

Ao final, trago à colação importante decisão do TRT - 8ª Região, Processo nº 0000944-91.2019.5.08.0000, quando disse que o artigo da CLT foi incluído pela Lei nº 13.467/2017, popularmente conhecida como "Reforma Trabalhista", que promoveu profundas mudanças no Direito do Trabalho. No entendimento dos desembargadores, o artigo viola os princípios e garantias fundamentais consagrados no Art. 1º, III (princípio da dignidade da pessoa humana), Art. 5º, caput (princípio da igualdade), no Art. 5º, LXXIV (garantia fundamental da assistência jurídica integral e gratuita) e no Art. 5º, XXXV (princípio de amplo acesso à jurisdição).

De acordo com o relator do processo, desembargador Gabriel Velloso Filho, algumas medidas aprovadas pela reforma trabalhista violaram profundamente o direito do trabalhador causando obstáculo ao acesso à Justiça, surgindo o questionamento se esse dispositivo era compatível ou não com a constituição.

Afirmou-se, ali, a inconstitucionalidade do parágrafo quarto do Art. 791-A da CLT. Este artigo trouxe a possibilidade de condenação da parte sucumbente ao pagamento de honorários advocatícios em caso de perda do processo e fixou entre 5% (cinco por cento) e 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença.

Nas relações trabalhistas não se pode ter um tratamento similar ao encontrado no direito civil.

Como tal, Arion Sayão Romita (Direito do trabalho, Estudos, pág. 52) traz à luz a lição de Deveali que sustentou a autonomia relativa do Direito do Trabalho, aceitando sua definição como um direito especial em face do direito civil. Sendo assim o amparo especial o amparo especial que ampara que se outorga aos trabalhadores constitui simplesmente um meio para reconstruir o equilíbrio entre os diferentes fatores que concorrem na produção e defender desta maneira o bem-estar de toda a coletividade.

Em razão disso, trago à colação, ao final, conclusão da desembargadora Ivani Contini Bramante, do TRT - 2ª Região, Quarta Turma, no processo nº 1001156-80.2019.5.02.0059, quando disse que que, na Justiça do Trabalho, os honorários são devidos apenas quando a outra parte obtiver crédito. "A imposição de honorários advocatícios no processo do trabalho se distância da sucumbência típica do processo civil e assume feições de efetiva sucumbência creditícia, o que permite defini-la, no sistema processual brasileiro, como sucumbência atípica", como noticiou o site Consultor Jurídico, em 15 de abril de 2021.

É preciso restabelecer a integralidade do direito fundamental de acesso gratuito à Justiça Trabalhista, especialmente pelo fato de que, sem a possibilidade do seu pleno exercício por parte dos trabalhadores, é muito provável que estes cidadãos não reúnam as condições mínimas necessárias para reivindicar seus direitos perante esta Justiça Especializada.

Assim sendo, impõe-se, nesse contexto, uma interpretação que garanta a máxima efetividade desse direito fundamental, sob pena de esvaziar-se, por meio de sucessivas restrições, ele próprio e todos os demais direitos por ele assegurados, como bem salientou o ministro Fachin, naquela ADI 5.766.

Tem-se que o direito fundamental à gratuidade da Justiça encontra-se amparado em elementos fundamentais da identidade da Constituição de 1988, dentre eles aqueles que visam a conformar e concretizar os fundamentos da República relacionados à cidadania (art. 1º, III, da CRFB), da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB), bem como os objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I , da CRFB) e de erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais (art. 3º,III, da CRFB).

Impedir, desta forma, o exercício de ação na Justiça do Trabalho é agredir o princípio constitucional impositivo da dignidade da pessoa humana, veja-se bem.

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

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