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A proposta de reforma tributária é um ataque ao empreendedor brasileiro

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Por Felipe Martins Passero
Atualização:
Felipe Martins Passero. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Nas últimas semanas, quem trabalha com economia e investimentos não fala de outra coisa: a proposta de reforma tributária proposta pelo governo.

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O projeto é populista e eleitoreiro. Sob o pretexto de combater a desigualdade, o projeto propõe a bitributação do setor produtivo. As empresas, que já pagam IRPJ e CSLL, teriam um imposto adicional, que se soma aos mais de 90 tipos de impostos no nosso país: o imposto sobre dividendos.

Hoje, somando IRPJ e CSLL, uma empresa paga 34% de imposto sobre seu lucro. Pela proposta, o IRPJ cairia de 15% para 10%, enquanto a CSLL se manteria inalterada. Desta forma, as empresas pagariam até 29% de impostos antes da distribuição de lucros. Porém, os dividendos teriam 20% de impostos, incidindo mais de 43,2% de tributos sobre os lucros (antes de impostos), no caso de uma empresa que distribui 100% dos lucros. O Brasil tem uma regra que o diferencia de países como os EUA: aqui, toda empresa de capital aberto é obrigada, por lei, a distribuir pelo menos 25% de seus lucros. Ou seja, o empreendedor não pode, por exemplo, usar todo o seu lucro anual para investir na própria empresa, ou fazer uma recompra de ações.

A proposta também combate a chamada pejotização, solução adotada por brasileiros frente às normas altamente restritivas da CLT. "As brechas nas regulamentações permitem que a economia respire", dizia Ludwig von Mises.

Nos investimentos, as mudanças são bastante drásticas. Frente à crise doo INSS, jocosamente apelidado de "Isso Nunca Será Suficiente" e à inevitável Reforma da Previdência, tornou-se evidente a necessidade de as pessoas buscarem formas de aplicar suas economias para ter uma velhice mais tranquila. No entanto, a proposta cria uma distinção entre quem investe no setor imobiliário - essencial para criar empregos num país que sofre com um déficit crônico de moradias - e o setor agrícola. Enquanto instrumentos de investimento focados no campo permanecem isentos (CRAs e LCAs), os fundos de investimento imobiliário (FIIs) teriam um imposto de 20% sobre o rendimento mensal advindo de aluguéis. Segundo dados da Economática, em dezembro de 2020 o Brasil registrou 3,73 milhões de pessoas aplicando suas economias e aposentadoria em FIIs. Tais fundos são, muitas vezes, a porta de entrada para o pequeno investidor. Instrumentos de crédito ligados ao setor imobiliário (CRI e LCI) permaneceriam isentos, abrindo mais uma distorção.

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Outro ponto que chama atenção: pessoas que têm parte de suas reservas fora do Brasil passam a ser tributadas na tabela de IRPF (em até 27,5%). Acaba o limite de isenção de 35 mil reais para quem negocia ativos fora do Brasil, justamente quando as novas tecnologias possibilitaram ao pequeno poupador comprar ações de empresas estrangeiras através de plataformas digitais. Proprietários de imóveis ou bens no exterior, como executivos de empresas estrangeiras que recebem parte de sua remuneração via ações dessas empresas, não poderiam mais integralizar o capital de uma Private Investment Company (PIC) pelo custo, mas pelo valor de mercado desses bens, sendo obrigados a recolher o imposto sobre ganho de capital até aquele momento.

Aqui cabe uma explicação: um indivíduo com domicílio fiscal no Brasil, quando recebe algum tipo de remuneração no exterior (situação cada vez mais comum numa economia globalizada), para não se sujeitar à tributação em dois países diferentes, costuma abrir uma empresa - PIC - para organizar tal patrimônio. Com isso, a cobrança dos impostos no Brasil fica mais justa e simples, compensando eventuais ganhos e perdas entre seus diferentes ativos.

Os poucos pontos positivos são:

1) Maior padronização tributária em fundos de investimento, ativos de renda fixa, ganho de capital com ações e FIIs, que passam a ser taxados em 15%. O imposto come-cotas (IR cobrado a cada seis meses, independente do resgate), torna-se anual.

2) Possibilidade de atualizar o valor de imóveis com uma alíquota de 5%, ao invés dos 15% a 22% atuais. Neste caso, o intuito do governo é antecipar uma arrecadação que normalmente ocorreria só na venda desses imóveis. As famílias declaram seus imóveis pelo custo de aquisição. Passam-se os anos, e com a inflação, ele passa a valer mais. No momento da venda, o efeito da inflação é tributado.

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3) Aumento da faixa de isenção de IR sobre pessoas físicas que ganham até R$ 2.500. Vale ressaltar que, se a tabela de IRPF fosse atualizada pela inflação, a isenção de IRPF deveria ser para quem ganha até R$ 4.022, segundo dados do Sindifisco Nacional (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal).

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Há mudanças para casos mais específicos. Fundos exclusivos passam a ter come-cotas[i], imposto cobrado dos fundos de investimento convencionais pela regra atual. Fundos de investimento em participações (instrumento de investimento em empresas de capital fechado) passam a ser tributados como holding caso a Receita Federal entenda que o FIP se assemelha a uma holding. Empresas de administração imobiliária, importante instrumento para aqueles que investem em imóveis urbanos ou rurais, seriam obrigados a pagar imposto pelo lucro real, caso mais da metade da receita bruta fosse oriunda de aluguéis ou compra e venda de imóveis.

Como podemos ver, a proposta de reforma enviada pelo governo traz um aumento brutal da carga tributária no país, incidindo principalmente sobre empreendedores e aqueles que criam emprego e renda no setor privado. A proposta também cria uma complexidade que daria um poder enorme para a arbitrariedade da Receita Federal, judicializando mais ainda a relação entre o fisco e o setor produtivo. A maior redução de impostos é para aqueles que investem em renda fixa e títulos públicos. Ao contrário da promessa do Paulo Guedes da campanha eleitoral, é uma reforma que privilegia o rentista e pune o empreendedor e o investidor.

*Felipe Martins Passero, CFA, é diretor do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo e sócio da InvestSmartXP, empresa de assessoria de investimentos

[i] "Come cotas" é o imposto de renda hoje semestral - pela proposta de reforma, torna-se anual - calculado sobre os rendimentos produzidos pelos fundos de renda fixa de condomínio aberto e recolhido no último dia útil dos meses de maio e novembro, utilizando-se a menor alíquota em vigor:

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Fundo Curto Prazo: 20%

Fundo Longo Prazo: 15%

Além do "come cotas" semestral, no caso de resgates eventuais, haverá a incidência do imposto de renda referente à diferença entre a alíquota do "come cotas" e a alíquota relativa ao prazo de aplicação e classificação do fundo (longo ou curto prazo).

Para os fundos classificados como ações e de condomínio fechado não há incidência do "come cotas".

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