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A proposta de reforma administrativa: combater a doença com veneno?

Por Rodrigo Pugliesi Lara
Atualização:
Rodrigo Pugliesi Lara. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Lançada como uma das promessas de campanha do então candidato Jair Bolsonaro, a proposta de reforma administrativa foi, após incertezas sobre sua viabilidade política, enfim enviada ao Congresso Nacional.

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Na realidade, de acordo com técnicos do Ministério da Economia, nesse primeiro momento, apenas a fase um da reforma - de um total de três - foi encaminhada aos parlamentares, a qual consiste em uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tem por objetivo realizar profundas alterações no regime jurídico dos servidores e na estrutura administrativa dos órgãos e entidades da Administração Pública Direta e Indireta dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e de todas as esferas de Governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Embora a reforma seja, indubitavelmente, necessária e urgente, é certo que a as alterações propostas pelo governo parecem não acompanhar uma das principais justificativas utilizadas para seu encaminhamento, qual seja a eliminação de distorções e injustiças do serviço público.

Isto porque, não obstante a proposta busque, conforme exposição do Ministério da Economia, estabelecer regras gerais para todos os entes na estruturação de carreiras e forma de remuneração dos agentes públicos, acaba por criar exceções que dividem ainda mais o já estratificado sistema atual de cargos e funções públicas.

Nesse sentido, haverá regras específicas para os servidores com base em diferentes fatores, dentre eles o momento de ingresso no serviço público (se antes ou depois da reforma), a natureza da atividade exercida (carreiras típicas de Estado, carreiras de apoio, funções temporárias ou cargos de liderança e assessoramento), a possibilidade ou não de aquisição de estabilidade (somente as funções típicas de Estados gozarão de estabilidade), a natureza do vínculo com o Estado em função do período de exercício da função pública (em vínculo de experiência, no exercício do cargo em estágio probatório ou no exercício do cargo com ou sem estabilidade) e a forma de ingresso no serviço público (concurso público ou processo de seleção simplificada).

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Além disso, vale ressaltar que a proposta de reforma não abrange os membros dos Poderes Legislativo (Parlamentares), Judiciário (Ministros, Desembargadores e Juízes), Ministério Público (Procuradores e Promotores) e Tribunais de Contas (Conselheiros), embora englobe os servidores desses poderes e entes, contribuindo ainda mais para a percepção de elevada desigualdade existente no âmbito do serviço público.

Como se não bastasse, na prática, a proposta burocratiza ainda mais a gestão de pessoal no âmbito da Administração Pública, posto que, em um mesmo órgão ou ente, existirão servidores sujeitos a regimes de remuneração, vantagens, progressão funcional e natureza de vínculos completamente distintos entre si.

Somente a título de exemplo, imaginemos que determinado órgão conte com servidores em exercício de funções típicas de Estado e servidores que não exercem tais funções. Nesse caso, seria possível observar casos de agentes públicos que contam com a estabilidade (todos aqueles ingressantes antes da reforma e aqueles em exercício de funções típicas de Estado aprovados no estágio probatório e no período de experiência), que não possuem estabilidade, mas que podem vir a ter (exercentes de carreiras típicas de Estado durante o período de experiência ou estágio probatório), que não terão direito à estabilidade (exercentes de outras carreiras que não são típicas de Estado), que terão direito à remuneração e vantagens distintas (ingressantes antes da reforma), entre outros cenários possíveis.

No nosso entender, entretanto, boa parte destas diferenças poderia ter sido sensivelmente corrigida, incluindo-se na reforma, ao menos no que toca à questão constitucional, também os membros de Poderes, visto que inexiste iniciativa reservada à propositura de PEC, não sendo um óbice, portanto, que o Poder Executivo iniciasse o processo de reforma constitucional nesse sentido.

Também entendemos que alguns direitos dos atuais servidores poderiam igualmente ser remodelados sem qualquer impacto ao direito adquirido, visto que, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, inexiste tal prerrogativa em relação a determinado regime jurídico, desde que respeitado o princípio da irredutibilidade de vencimentos. Assim, por exemplo, o benefício da licença-prêmio dos servidores estaduais e municipais que ainda possuem tal direito, e cujo período aquisitivo não estivesse completo, poderia ser extinto, sem prejuízo do direito ao benefício já adquirido, porém não gozado.

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Por outro lado, entendemos que a proposta de reforma administrativa deveria ainda ter atacado outros sérios problemas da Administração Pública, como é o caso da correta definição dos conceitos de direção, chefia e assessoramento para fins de criação de cargos em comissão - os quais são chamados pela reforma apenas de funções de liderança e assessoramento - além do estabelecimento de limites objetivos à quantidade destas funções e a discrepância de remuneração existente em relação aos ocupantes de cargos efetivos, especialmente no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo.

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Em suma, a reforma administrativa ora proposta, embora louvável por se fundamentar em premissas verdadeiras, tais como o elevado custo da máquina pública, a existência de benefícios e vantagens injustificáveis a determinadas parcelas dos servidores e a ineficácia dos atuais controles de desempenho, acaba por promover as já acentuadas desigualdades existentes dentro do próprio serviço público, além de, aparentemente, não atacar sérios problemas do atual sistema.

Resta acompanharmos como a matéria será tratada no âmbito do Congresso Nacional, torcendo para que tais distorções sejam, enfim, corrigidas.

*Rodrigo Pugliesi Lara, procurador da Câmara Municipal de Araraquara

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