Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

A previdência social pós-reforma e os impactos da pandemia

PUBLICIDADE

Por Sara Quental
Atualização:
Sara Quental. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O ano de 2020 começou com as notícias e relatos de que mais de dois milhões de benefícios da Previdência estavam represados, em razão do sistema do INSS não estar adaptado para analisar os requerimentos de acordo com as novas regras da Emenda Constitucional nº 103/2019. E os meses seguintes foram ainda mais críticos com a pandemia causada pela Covid-19 e a decretação do estado de calamidade no Brasil, que postergou ainda mais a concessão dos benefícios, ocasionou o fechamento das agências do INSS e a suspensão da realização das perícias médicas presenciais. Nesse cenário, foram publicadas diversas Leis, Decretos, Portarias, Resoluções com providências que visavam reduzir os impactos da pandemia.

PUBLICIDADE

Após o Decreto Legislativo nº 06, em 20 de março, reconhecer o estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro, ocorreram várias mudanças drásticas em diversas áreas da economia, saúde, assistência social, trabalho, previdência, visando conter a disseminação do vírus e propor medidas para reduzir os impactos na vida financeira das pessoas, principalmente das classes mais carentes que não possuem carteiras assinada e foram as mais prejudicadas com o isolamento social.

Nesse contexto, a Lei nº 13.982 de 2 de abril, dispôs sobre a concessão do auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 ao trabalhador informal, não titular de benefício previdenciário, assistencial ou seguro-desemprego, ao microempreendedor individual, autônomos e desempregados. E, após a publicação do Decreto nº 10.488, de 16 de setembro, foi definido o auxílio emergencial residual no valor de R$ 300,00, com pagamento nos meses de setembro a dezembro.

Diante da instituição do trabalho remoto dos servidores do INSS, previsto na Portaria 422, de 31 de março, houve o fechamento das agências do INSS e a interrupção das perícias médicas presenciais, que ensejou a concessão da antecipação do auxílio por incapacidade temporária, regulamentada pela Lei nº 13.982/2020, inicialmente pago por três meses, no valor de um salário mínimo, aos segurados que fizeram o requerimento no Meu INSS, mediante a juntada dos documentos pessoais e atestado médico, de acordo com as exigências previstas na Portaria nº 9.381 de 6 de abril. A ausência das perícias médicas também ocasionou a prorrogação automática do auxílio por incapacidade permanente, por 30 dias, ou até o retorno das perícias presenciais, sendo limitado a seis pedidos, nos termos da Portaria nº 552 de 29 de abril.

Visando resguardar a saúde dos segurados idosos, foi suspensa a exigência da prova de vida anual, sem o risco de bloqueios dos créditos, suspensão e cessação das aposentadorias e pensões, para que os idosos não se deslocassem até as instituições bancárias. E, com os atendimentos presenciais suspensos, o INSS ampliou as opções de serviços prestados remotamente pelo Meu INSS, tais como: a atualização e correção de vínculos e remunerações no CNIS, cálculo de contribuição em atraso, transferência de benefício para conta corrente, dentre outros.

Publicidade

Outra mudança de combate a crise econômica durante a pandemia, foi a determinação para a antecipação do 13º salário dos aposentados e pensionistas, que foi pago no fim de abril e começo de maio (primeira parcela), e fim de maio e início de junho (segunda parcela). Ressalta-se que atualmente está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei nº 3.657/2020, que prevê a possibilidade de pagamento do décimo quarto salário aos segurados do RGPS, no valor de até dois salários mínimos.

No dia 30 de junho, a publicação do Decreto nº 10.410, representou a mais importante e extensa alteração legislativa do ano de 2020 em matéria previdenciária, ao atualizar o Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/1999) com as modificações legislativas dos últimos anos, em especial as novas regras da Emenda Constitucional nº 103 (Reforma da Previdência), além de consolidar algumas decisões de julgados dos Tribunais Superiores. Dentre as principais alterações do Decreto 10.410, temos:

a) O tempo de contribuição a partir de 13/11/2019, será computado em meses, independentemente dos dias trabalhados, desde que o recolhimento do salário de contribuição mensal seja igual ou superior ao limite mínimo. E, para os períodos de contribuição anteriores a 13/11/2019, a contagem permanece dia a dia, da data do início da atividade até o efetivo desligamento.

b) A partir de 13/11/2019, para manutenção da qualidade de segurado, cômputo de tempo de contribuição, carência e cálculo do salário de benefício, serão consideradas apenas as competências com recolhimentos igual ou superior ao limite mínimo do salário de contribuição e, caso existam contribuições abaixo do valor, será necessário complementar a quantia ou ainda agrupar o valor desse mês com o recolhimento a menor ou excedente de outro mês, até atingir o montante mínimo de contribuição.

c) A inclusão do trabalhador intermitente como segurado obrigatório da Previdência Social, na categoria de empregado.

Publicidade

d) O direito do trabalhador doméstico de receber oauxílio por incapacidade temporária e aposentadoria por incapacidade permanente.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

e) Após o óbito do segurado ou segurada que fazia jus ao salário maternidade, o benefício será pago ao cônjuge ou companheiro sobrevivente.

f) A renda mensal da aposentadoria do deficiente passou a ser calculada com base em 100% dos salários de contribuição existentes a partir de julho/1994, contrariando o artigo 22 da EC nº 103/2019, que determina o cálculo do benefício na forma do disposto na LC nº 142/2013, ou seja, com base na média aritmética simples de 80% maiores salários de contribuição a partir de julho/1994.

Em setembro, mesmo sob os efeitos da pandemia, com as agências ainda fechadas, para desespero de milhares de segurados, o INSS divulgou novo pente fino nas aposentadorias e pensões, convocando o segurado, via comunicado, a enviar pelo Meu INSS, no prazo de 60 dias, os documentos solicitados, sob pena de suspensão do benefício e, após 30 dias da suspensão, em caso de não cumprimento dos procedimentos solicitados, o bloqueio do pagamento.

O mês de setembro também foi marcado pelo embate entre o INSS e os peritos médicos federais sobre o retorno das perícias presenciais e, na ausência de consenso e de condições para reaberturas de todas as agências, os segurados continuaram sendo prejudicados pela não realização das perícias, sendo possível consultar a relação atualizada das agências que retomaram parcialmente a prestação dos serviços através do Portal Covid (www.covid.inss.gov.br).

Publicidade

Outro fato que merece destaque é o acordo firmado no dia 16 de novembro entre o Ministério Público Federal e o INSS, nos autos do RE 1.171.152/SC, referente ao Tema 1066 de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal. Apesar de a questão submetida a julgamento ser a possibilidade do Judiciário estabelecer prazo para o INSS realizar perícia médica e, caso esta não seja realizada no prazo, determinar a implantação do benefício requerido, a minuta do acordo dispõe prazos ainda mais extensos do que os 45 dias previstos na legislação previdenciária para conclusão do processo administrativo de concessão de benefícios previdenciários e assistenciais, em total desrespeito à dignidade da pessoa humana, tendo em vista que os benefícios que o INSS pretende concluir a análise em 90 dias após o encerramento da instrução do requerimento administrativo, possuem natureza alimentar e são imprescindíveis à sobrevivência do segurado e de seus dependentes. Os novos prazos de análises serão aplicados após seis meses da homologação do acordo, o que até o momento não foi homologado.

No final de novembro e início de dezembro, novas publicações do Ministério da Economia prorrogaram durante os meses de novembro e dezembro de 2020 a realização da prova de vida dos segurados do RGPS; possibilitaram ao segurado incapacitado requerer até 30 de novembro a antecipação do auxílio por incapacidade temporária, com pagamento limitado até o dia 31/12/2020; e dispuseram sobre a revisão para pagamento em dezembro das diferenças das antecipações do auxílio por incapacidade temporária, concedidas entre 3 de julho e 31 de outubro desse ano aos segurados que contribuíram para a Previdência Social com valores que proporcionariam um benefício com renda mensal superior a R$ 1.045,00.

Portanto, verifica-se que o ano 2020 na esfera previdenciária, após os impactos causados pela pandemia e pelas medidas legislativas criadas para amenizar os danos na vida dos segurados, termina com o mesmo problema que foi destaque nos primeiros meses, qual seja, a demora na análise inicial dos benefícios, ocasionada ora pela falta de adaptação do sistema do INSS às regras da Reforma da Previdência, ora pela redução do quadro de servidores do INSS, ora pelo fechamento das agências do INSS e a ausência de perícias médicas presenciais, sem desconsiderar a morosidade do Instituto em cumprir as decisões judiciais, bem como a dificuldade de aplicar nas análises dos benefícios as jurisprudências já pacificadas pelos Tribunais, fatos que resultaram em atrasos e indeferimentos desnecessários que fomentam o aumento da judicialização, e submetem o segurado a uma longa espera até a concessão do benefício que, na maioria dos casos, representa a sua subsistência.

*Sara Quental, advogada especialista em Direito Previdenciário e Sócia de Crivelli Advogados

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.