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A previdência complementar é um luxo?

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Por Wagner Balera
Atualização:
Wagner Balera. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A edição número 149 da Revista do Advogado, toda ela dedicada ao tema do Direito Previdenciário, publicada pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), me permitiu refletir sobre esse tema, suscitado pela colega Fátima Cristina Bonassa.

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De antemão invoco o caudal das reformas previdenciárias. A Constituição é de 1988 e, a partir de 1993, já foi reformada seis vezes. Há certa tônica comum no conjunto de reformas: todas elas reduziram direitos da população protegida.

Considero irreversível esse processo. Cada vez mais a previdência social vai proteger cada vez menos. Dias virão, e esses dias se aproximam rapidamente, que o sistema público somente estará capacitado para assegurar as necessidades básicas.

Nem se diga que esse caminho é surpreendente. Desde 1952 a Organização Internacional do Trabalho fixou as normas mínimas de seguridade social. Para quem tiver seguido aquele receituário os ajustes serão menores. Para quem tiver jogado nas costas largas da previdência social a cobertura de toda e qualquer necessidade as reformas cortarão mais e mais direitos.

É exemplar o tema do teto atual do Regime Geral, administrado pelo INSS. Esse teto é de R$ 6.433,57. Se esse montante parece elevado a alguns, é porque não paramos para pensar. A média salarial do Brasil é de menos da metade desse valor. Portanto, não é necessária uma bola de cristal para que se preveja a redução gradativa do teto. O que só não ocorreu até agora porque o tema deve ser encartado ao contexto da reforma que não sai nunca, a tributária, na qual outras fontes de custeio devem ser identificadas para a proteção social.

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De todo modo, como o Regime Geral será apto a proteger tão somente as necessidades básicas, significativo espaço de mercado estará aberto para que a Previdência Complementar ofereça seus produtos a quem se posiciona melhor na pirâmide remuneratória. Não se trata de luxo.

Aliás, o Brasil incentiva esses planos, mediante dedução do valor vertido à previdência complementar da renda bruta sujeita ao Imposto de Renda da pessoa física. É o significativo montante de 12%.

A mim parece estranhável que milhões de pessoas prefiram dar ao leão da Receita Federal algo que poderia servir para incremento de suas rendas futuras. Essa estranheza tem explicação: a falta de uma verdadeira educação previdenciária para a maioria da população.

Assim como houve, nos anos sessenta, a criação da cultura da poupança, é tempo de se criar a cultura da previdência complementar.

Não se trata de luxo, cumpre insistir, mas de lançar mão de ferramenta de planejamento previdenciário para aqueles que mais sentirão os efeitos da perda de renda quando tiverem que se retirar com a aposentadoria.

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A debacle do sistema público não é algo desejável. É uma fatalidade estatística. A Estatística comprova o aumento da longevidade. Se as pessoas vivem mais, a previdência social pagará benefícios por mais tempo e o incremento dos gastos não está sendo acompanhado pelo incremento da arrecadação. Por conseguinte, o corte das despesas é inevitável.

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O que ocorreu com todas as reformas? Corte de despesas mediante redução dos benefícios ou imposição de mais abrangentes exigências para conquista das prestações pelos sujeitos de direitos previdenciários.

Esse movimento de reformas pode ter sua marcha alterada? É pouco provável e, com o rescaldo da pandemia, haverá agravamento da situação geral, inclusive porque despesas sociais terão que acudir, com prioridade, o avatar de pobreza e marginalização que cresce a olhos vistos.

Ora, aqueles que detiverem maior poder aquisitivo, maior capacidade de poupança, cuidem de aderir aos planos de previdência complementar.

Tudo o que se comentou aqui, muito brevemente, não é uma questão de Estado, ou de governo. O Estado, ou o governo, podem querer ignorar os dados, como podem ter desprezado a excelente oportunidade de trabalhar com os dados de pobreza amealhados no cadastro dos que receberam o benefício emergencial em sua primeira fase.

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É certo que não haverá dinheiro. Os problemas estruturais superam, de maneira significativa, os dados conjunturais. E, sem planejamento, não há seguridade segura.

O sistema público, na forma como nós o conhecemos durante anos, está com os seus dias contados.

Futuras reformas serão mais e mais restritivas.

Sem descurar, insisto, dos pobres e dos novos pobres, a comunidade deverá eleger prioridades.

Portanto, é urgente que cada qual busque aderir a um plano de previdência complementar. Eis o dado de realidade a ser considerado.

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O plano de previdência complementar poderá ser modesto na fase inicial e, à medida em que cada qual se embrenha pelo caminho este se torna mais claro, e o incremento da poupança previdenciária cresce até que a capacidade de trabalho decresça e os valores amealhados sirvam para garantir um futuro de melhor seguridade social.

Antigamente não se falava em plano de saúde. Hoje, segundo dados da ANS, são mais de quarenta e cinco milhões de pessoas que aderiram a esses planos. Custam caro? Sim, mas criam a segunda rede de seguridade.

Esse é o propósito da previdência complementar.

Se preferir tapar o sol com a peneira, ignore que o Regime Geral esgotará sua capacidade de financiamento e que o Estado não vai ser capaz de cumprir sozinho a tarefa de seguridade idealizada em 1988.

A estatística da Organização Mundial da Saúde afirma que em 2050 um terço da população mundial será idosa. Quanto de recursos do sistema de seguridade social será destinado a essa parcela da comunidade?

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Aqui não é o momento, nem tampouco o lugar, de se cogitar do dispêndio monumental com a pandemia, posto que os dados ainda não são suficientes para as necessárias e urgentes cogitações que o tema comporta.

Mas é, sim, o momento de se exortar a todos para que cogitem do próprio futuro e nele encaixem um plano de previdência complementar.

*Wagner Balera é professor titular de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -- PUC-SP. É livre-docente em Direitos Humanos, doutor em Direito das Relações Sociais. Autor de mais de 20 livros da área de Direitos Humanos. Professor titular de Direito Previdenciário da PUC-SP é sócio do escritório Balera, Berbel & Mitne Advogados

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