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A possibilidade de impugnação da colaboração premiada por pessoas delatadas e o julgamento do habeas corpus 142.205 no STF

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Por Caio Marcelo Cordeiro Antonietto , Rafael Guedes de Castro e Douglas Rodrigues da Silva
Atualização:
 Foto: Divulgação

Nesta terça-feira, 05 de novembro de 2019, a 2a Turma do Supremo Tribunal Federal dará continuidade ao julgamento do Habeas Corpus n. 142.205/PR, iniciado em 19 de fevereiro de 2019, que pode alterar o entendimento do Supremo Tribunal sobre a possibilidade de pessoas acusadas por meio de colaboração premiada questionarem a legalidade do acordo firmado entre o órgão estatal e o réu colaborador.

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O Relator do Habeas Corpus, Ministro Gilmar Mendes, proferiu voto a fim de conceder Ordem de Habeas Corpus para declarar nula a decisão de homologou aditivo em colaboração premiada anteriormente rescindido, propondo alteração da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que impedia o questionamento do acordo por terceiros.

Contextualizando, o Habeas Corpus decorre da chamada Operação Publicano, desencadeada no ano de 2015 na Cidade de Londrina-PR, envolvendo suposto esquema de corrupção na Receita Estadual do Paraná. Tal operação é decorrência direta de colaboração premiada celebrada entre o Ministério Público Estadual e um auditor fiscal da Receita do Estado do Paraná preso em flagrante delito pela prática de crimes sexuais contra menores de idade. Preso, o auditor fiscal celebrou acordo de colaboração por meio do qual delatou a existência de uma organização criminosa instaurada na Receita estadual para o cometimento de crimes de corrupção tributária e, em decorrência desta colaboração, dezenas de auditores fiscais, empresários, contadores e advogados foram presos preventivamente e respondem a ações penais perante o Juízo Criminal da Comarca de Londrina-PR.

Porém, no ano de 2016 este acordo de colaboração foi rescindido judicialmente, a pedido do Ministério Público Estadual, apontando que o réu colaborador mentiu sobre fatos narrados, bem como teria praticado crimes de extorsão durante o período em que se encontrava preso com o acordo vigente. Passados poucos dias, Ministério Público e Colaborador firmaram "aditivo" ao acordo rescindido, o que foi homologado novamente em juízo.

O Habeas Corpus impetrado tem por objeto o pedido de nulidade da decisão que homologou o termo aditivo ao acordo rescindido, sustentando como tese principal a ilegalidade do citado aditivo. Afirma-se no Habeas Corpus impetrado que: "Não obstante a rescisão, ato jurídico que declara a anulação e o rompimento do acordo bilateral realizado entre as partes, o D. Juízo da 3ª Vara Criminal de Londrina, homologou 'termo aditivo' de colaboração premiada. Ou seja, considerou a validade de um aditivo contratual de um acordo que não possui mais efeito jurídico algum."

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Reforça a argumentação o fato de que o ato jurídico de homologação judicial impugnado "atinge diretamente o interesse processual de cada Paciente", que "ilegal homologação de aditivo de acordo rescindido tem o potencial de causar irreparáveis prejuízos aos Pacientes e a sua liberdade de locomoção.". Tudo isso somado a ausência de fundamentação da decisão que homologou o aditivo conduzem ao pedido de nulidade da decisão.

Em voto já proferido perante a 2a Turma do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Gilmar Mendes, relator do Habeas Corpus, sustentou a legitimidade de pessoas atingidas pelos efeitos da delação premiada para questionar a legalidade dos acordos firmados, eis que não seriam terceiros, mas pessoas diretamente atingidas pela relação jurídica entre Ministério Público e Réu colaborador.

Ainda, segundo o Ministro Relator, no caso concreto está evidenciada a ilegalidade do procedimento, razão pela qual nenhuma das acusações formuladas pelo colaborador pode ser utilizada em desfavor dos delatados. Por fim, o Ministro votou por manter os benefícios concedidos pelo Ministério Público ao colaborador, por entender que este não pode ser prejudicado pela falha estatal.

Em tempos de flexibilização de garantias fundamentais e de ataques aos princípios que regem o Estado de Direito, onde decisões que reconhecem a eficácia da Constituição são constantemente vistas como "reflexos da impunidade" e muitas vezes reduzidas ao argumento genérico e simplista de "ataques à Lava-jato", reconhecer a possibilidade de pessoas delatadas poderem questionar um acordo de colaboração premiada significa conferir máxima eficácia aos princípios da igualdade de partes, da ampla defesa e contraditório.

Ora, além de gravoso impacto na esfera privada de terceiros afetados, o que por si só justificaria a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal, há evidente interesse coletivo na medida em que a colaboração premiada é o instituto pelo qual agentes estatais concedem benefícios, que podem culminar na imunidade penal de diversas pessoas que praticaram crimes. Neste sentido, a possibilidade de impugnação do acordo por pessoas delatadas se torna necessária, inclusive, para a segurança jurídica e o controle da legalidade.

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O julgamento, portanto, merece ser acompanhado com atenção, pois tratará de tema da maior importância ao processo penal brasileiro, conferindo balizas e delimitando o alcance de um tema normatizado de forma lacônica na legislação brasileira.

 

*Caio Marcelo Cordeiro Antonietto, advogado

*Rafael Guedes de Castro, advogado

*Douglas Rodrigues da Silva, advogado

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