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A possibilidade de exploração compulsória de patentes em meio à pandemia da covid-19

Por Otávio Carvalho de Barros e Danniel Rodrigues
Atualização:
Danniel Rodrigues e Otávio Carvalho de Barros. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Enquanto o mundo aguarda esperançosamente pela aprovação e posterior comercialização de uma vacina capaz de imunizar contra o Sars-CoV-2, causador da atual pandemia de Covid-19, muito tem se debatido acerca do risco dos direitos de propriedade intelectual se tornarem barreiras comerciais de acesso às tecnologias e fármacos utilizados no enfrentamento da pandemia.

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Felizmente, ao que tudo indica, há um consenso sobre a necessidade de se repensar, ao menos durante este momento, os limites e formas de exploração dos direitos de propriedade intelectual atrelados ao contexto da pandemia, tal qual se denota com algumas iniciativas adotadas a nível internacional que estimulam não só o compartilhamento de informações, dados e pesquisas, mas também o licenciamento voluntário de ativos de propriedade intelectual que possam auxiliar no combate ao Covid-19, a exemplo das destacadas a seguir:

  • COVID-19 Technology Access Pool (C-TAP) - iniciativa que visa compilar em um só ambiente as declarações de compromisso da comunidade internacional com a "Chamada à Ação Solidária" (Solidarity Call to Action), que incentiva a divulgação de dados, ensaios clínicos e descobertas relacionadas ao Covid-19, bem como a promove a licença voluntária de direitos de propriedade intelectual ao Medicines Patent Pool como medida para facilitar a produção, distribuição e uso de tecnologias no combate ao Covid-19, principalmente aos países de baixa renda;

  • Open COVID Pledge - compromisso internacional que estimula as organizações públicas e privadas a licenciar voluntariamente suas patentes e direitos autorais que possam ser úteis no combate à pandemia do Covid-19, o qual estabelece os termos e condições a serem acordados pelas empresas licenciantes, como ausência de royalties, uso atrelado exclusivamente ao diagnóstico, prevenção, contenção e tratamento do Covid-19 e vigência até a declaração do fim da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), dentre outras condições estabelecidas. A gigante de tecnologia IBM foi uma das empresas que aderiu ao compromisso;

  • Tech Access Partnership - projeto capitaneado pelo United Nations Technology Bank que visa facilitar e acelerar o acesso de países subdesenvolvidos às tecnologias necessárias a produção de equipamentos médicos, de proteção e diagnósticos;

Além das iniciativas citadas acima, em 19 de maio deste ano, a OMS aprovou a Resolução WHA73.1, a qual foi ratificada por todos os 194 Estados-membros e tem como principal objetivo permitir o acesso global e igualitário a futuros tratamentos, remédios e vacinas. E, para tanto, estabelece que os Estados-membros deverão trabalhar de forma colaborativa, instituindo, inclusive, mecanismos para licenciamento de patentes de acordo com as disposições constantes de acordos internacionais, como o Acordo de Trips (Aspects of Intellectual Property Rights - Trips Agreement), ratificado pelo Brasil em 1994.

O referido Acordo de Trips, que estabelece parâmetros mínimos de proteção e direitos de propriedade intelectual a serem adotados por seus Estados-membros, prevê as hipóteses nas quais o objeto de uma patente poderá ser utilizado, sem autorização de seu respectivo titular, pelo governo ou por terceiros por ele autorizados, que é o caso das licenças compulsórias de patente.

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Dentre as provisões a serem respeitadas pelos Estados-membros em suas legislações locais para tanto, destacamos (i) a necessidade de negociação prévia com o titular da patente para obtenção de licença de uso e que não tenha sido bem-sucedida em tempo razoável - negociação esta que é dispensada no caso de emergência nacional; (ii) o escopo e o prazo de uso da patente deverão respeitar a causa que deu ensejo à licença compulsória, ou seja, encerrando a causa, cessa-se a licença; e (iii) a licença deverá ser não exclusiva, com a remuneração negociada de forma adequada a cada situação e, ainda, autorizada preferencialmente para suprir demandas domésticas dos Estados-membros.

Tal exceção, também conhecida popularmente como "quebra de patente", encontra respaldo a nível nacional no princípio constitucional da função social da propriedade e é prevista entre os artigos 68 a 71 da Lei de Propriedade Industrial (a "LPI"), que, na linha do tratado abordado acima, estabelecem que a declaração de licença compulsória de patente poderá ocorrer em razão de eventuais abusos no exercício do direito por parte dos respectivos titulares, ou mesmo em casos de interesse público e emergência nacional, o que certamente reflete o cenário atual, haja vista o reconhecimento federal de calamidade pública oficializada pelo Ministério da Saúde por meio da Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020.

Diferentemente das hipóteses que envolvem eventual abuso de direito sobre a patente, no caso de interesse público, a licença compulsória há de ser concedida de ofício por meio de ato do Poder Executivo Federal, não sendo necessário o requerimento de qualquer terceiro interessado, posto que possui finalidade exclusiva de atender à emergência ou ao interesse público temporário, a exemplo do que o ocorreu em 2007, quando o Governo Federal determinou a licença compulsória das patentes que tinham por objeto o Efavirenz, medicamento antirretroviral conhecido pelo combate ao vírus do HIV.

Não obstante todos os mecanismos nacionais e internacionais relacionados às licenças compulsórias, fato é que, desde o início da pandemia, empresas do setor não têm medido esforços quando o assunto é investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos métodos de testagem, tratamentos e possíveis vacinas contra o Covid-19.

Não à toa, de acordo com o balanço da OMS datado de 31 de julho de 2020, seis vacinas já se encontram na terceira e última fase avançada de testes, trazendo esperança à população de que deveremos ter uma vacina disponível ao menos dentro do primeiro trimestre de 2021. Embora não conste na lista de vacinas da OMS e não tenham sido divulgados estudos relacionados, a Rússia anunciou a aprovação da primeira vacina contra o Covid-19.

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E a corrida do mercado de saúde não está restrita à descoberta das vacinas, vez que os avanços em pesquisa e desenvolvimento relacionam-se a todas as etapas aplicáveis ao combate do Covid-19, tal qual ocorreu com o Hospital Albert Einsten, que anunciou recentemente um método de testagem baseado em Sequenciamento de Nova Geração (Next Generation Sequencing - NGS) com eficácia equivalente ao já utilizado RT-PCR, porém com a vantagem de permitir a realização simultânea de até 1536 amostras, cuja patente, muito embora tenha sido depositada perante o Sistema Internacional de Patentes dos Estados Unidos, deverá ser licenciada para outros laboratórios e para o governo federal, de modo que o país inteiro possa fazer uso do método.

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Outro fator que corrobora com o esforço do Governo Federal no que diz respeito ao estímulo à produção e licenciamento de tecnologias, foi o anúncio do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), responsável pelo exame de patentes em âmbito nacional, acerca da priorização do exame de pedidos de patentes relativos as inovações que possam ser usadas no combate à pandemia, medida esta oficializada por meio da Portaria nº 149/2020 e que vigerá até 30 de junho de 2021.

O INPI disponibilizou, ainda, uma página em seu site denominada Observatório de Tecnologias Relacionadas à COVID-19, na qual são divulgadas tecnologias que podem ajudar os atores nacionais e internacionais no combate à pandemia, bem como artigos e pesquisas relacionadas ao tema.

Seguindo a tendência já adotada por países que alteraram ou reforçaram suas legislações para facilitar os procedimentos de licença compulsória em meio à pandemia, a exemplo do Canadá e Alemanha, atualmente tramitam três projetos de lei no Congresso Nacional acerca do tema, quais sejam, PL 1.184/20, PL 1.320/20 e PL 1.462/20, todos com objetivo de permitir e facilitar a concessão da "quebra" de tecnologias úteis para a vigilância, prevenção, detecção, diagnóstico e tratamento de pessoas infetadas com o vírus Sars-CoV-2, enquanto perdurar o estado de calamidade pública atual.

Desta forma, ainda que o Brasil e diversos países estejam juridicamente preparados para tomada de ações coercitivas para evitar que os direitos de propriedade intelectual tenham o condão de majorar a desigualdade social, ao permitir que somente aqueles que tenham acesso a melhores recursos financeiros sejam privilegiados com vacinas, medicamentos, métodos de testagem e tratamentos, espera-se que os mecanismos de licença compulsória não sejam efetivamente acionados e que os titulares de tais direitos se voluntariem frente a negociações mais céleres, inclusivas e em benefício de todos.

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*Otávio Carvalho de Barros, integrante do time de Propriedade Intelectual do BVA Advogados, e Danniel Rodrigues, sócio das áreas de Propriedade Intelectual e Direito do Marketing do BVA Advogados

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