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A política em sociedades divididas

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Por Affonso Ghizzo Neto
Atualização:
Affonso Ghizzo Neto. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Resultado das fissuras ocasionadas pelas desigualdades econômicas, políticas e sociais em todo o planeta, constatação contemporânea comum a países ricos, pobres e em desenvolvimento, o conflito ideológico gerado por grupos extremistas - de direita ou de esquerda -, não raras vezes, divide sociedades inteiras por meio de motivações falsas e propagandas manipuladas nos interesses de poucos, criando guerrilhas urbanas inimagináveis. Dentre outros exemplos visíveis e presentes em todos os continentes do mundo, o recente episódio ocorrido no início do ano em Washington, com a invasão de extremistas à sede do Congresso americano - que resultou em quatro mortes - bem demonstra a urgência de compreender e de aprender a lidar com este fenômeno.

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Os sistemas governamentais baseados na trocar de favores políticos podem ser corrigidos mediantes reformas pontuais na própria estrutura burocrática estatal. Todavia, quando o poder político é exercido por grupos concentrados e manipulações extremistas, a democracia pode sofrer um abalo em suas estruturas fundamentais, especialmente quando estes movimentos se encontrem enraizados numa rede de extremistas, apaixonados e radicais, estabelecendo ordinariamente procedimentos destrutivos institucionalizados que podem enfurecer simpatizantes, aliados e revoltosos.

A questão, portanto, é o conflito que pode ser gerado pela disputa de grupos radicais distintos no poder, especialmente quando os interesses públicos não são as prioridades públicas. Quando isso ocorre, havendo um estímulo intencional para a divisão social, é preciso enxergar mais longe do que nossos olhos possam ver, buscando novas possibilidades para a composição negociada dos diversos interesses sociais em jogo, definindo métodos capazes de selecionar governantes que possam se comprometer com a integralidade do sistema político e, consequentemente, conduzir aos denominadores comuns de todos os seguimentos e grupos sociais mediante procedimentos legítimos e transparentes, sem a corrupção como mecanismo de impulso e recompensas. Estas instabilidades ocasionadas pelas coalizões decorrentes das disputas pelo poder, também podem estimular novas práticas violentas para manutenção ou conquista do poder. Na verdade, nenhum grupo de poder acredita que possa se manter no comando político por um longo tempo, aproveitando o exercício da governança como oportunidade para satisfazer os interesses pessoais dos membros do grupo a que pertençam, antes de atender as políticas públicas prioritárias no interesse social.

Neste particular, se a premissa é verdadeira, sistemas eleitorais que alimentam sistemas de governo estáveis podem limitar práticas corruptas e violentas com maior eficiência, impulsionando as mudanças necessárias para uma disputa democrática sadia, estimulando o regular funcionamento do sistema econômico, político e social, por meio da valorização do mérito e do esforço de cada indivíduo desde que, evidentemente, sejam solucionados os problemas decorrentes das desigualdades sociais propositalmente estabelecidas, como costuma ocorrer em sociedades divididas pelas disputas dos grupos de poder.

Segundo Rose-Ackerman[1], ao contrário do que sustenta Mancur Olson[2], segundo o qual os sistemas estáveis permitiriam o desenvolvimento de coalizões ineficazes que buscariam unicamente o proveito pessoal, a ideia seria incentivar a adoção de visões mais plurais e amplas, a longo prazo, considerando as possíveis consequências, ganhos e perdas políticas, com os possíveis resultados dos pleitos eleitorais futuros. Os partidos políticos de oposição, inclusive, desempenham um importante papel de fiscalização, vigilância e controle, representando uma ameaça frente as denúncias que poderão vir à tona no processo de disputa eleitoral. Se assim ocorrer, e os eleitores forem educados para o exercício da cidadania, críticos e preocupados com os resultados provenientes da manipulação do sistema político pelos grupos extremistas (direita/esquerda), priorizada uma ética universal comprometida com o controle social, o exercício de uma política plural, honrada e acessível a todos os cidadãos, poderá estabelecer um sistema político verdadeiramente democrático, com instituições fortes, imparciais e confiáveis.

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Muitas democracias instáveis sofrem da falta de referências, com a construção de verdades históricas distorcidas e apaixonadas de acordo com as crenças ideológicas dos cidadãos que se comportam como torcedores fanáticos. O importante acaba não sendo a objetividade da análise de fatos e de acontecimentos, mas qual a melhor interpretação que pode favorecer os desejos e as ideias dos personagens idealizados. Sem assumir a subjetividade das justificativas apresentadas, muitas das quais escamoteadas em razões inconfessáveis, o peso e o valor de cada acontecimento, sem critérios lógicos ou coerências definidas, estimulam discursos agressivos e intolerantes, de esquerda e de direita, que são defendidos cegamente sem focar o nó górdio comum do problema, qual seja, a corrupção sistemática prevalecente nestes entornos institucionais.

Portanto, o desalento político decorrente da falta de referências, materializado em sociedades divididas e manipuladas, sem conhecimento dos reais propósitos escondidos nas ideologias cegamente guerreadas, encaminha a armadilha política arquitetada, presente na descrença proposital das noções de coletividade, espaço público, composição e controle social. É preciso compreender que sociedades divididas, econômica, política e socialmente, só podem encontrar respostas por meio do diálogo crítico e da construção de denominadores comuns próprios de democracias sem extremos, onde direita e esquerda, vermelho e verde/amarelo, convivem lado a lado, emprestando cada qual a sua graça para a formatação de uma ética universal plural, sem a qual não será possível entender que a corrupção - sem desculpas, relativizações ou comparações -, é um fenômeno econômico, político e social inaceitável, haja vista a nocividade mortal para o desenvolvimento das instituições democráticas, próprias de sociedades mais educadas, maduras, tolerantes, justas e equilibradas, com menos desigualdades sociais.

[1] ROSE-ACKERMAN, Susan. La corrupción y los gobiernos: causas consecuencias y reforma. Traducción de Colodrón Gómez. Madrid: Siglo Veintiuno de España Editores, 2001, p. 181.

[2] OLSON, Mancur. A lógica da ação coletiva. São Paulo: Edusp, 1999, p. 14.

*Affonso Ghizzo Neto, promotor de Justiça, doutor pela Universidade de Salamanca - USAL e mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, é idealizador da campanha "O que você tem a ver com a corrupção?"

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Este artigo faz parte de uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), com publicação periódica. Acesse aqui todos os artigos.

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