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A política de isenção de dividendos adotada pelo Brasil não é comparável com a de outros países

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Por Renato Souza Coelho
Atualização:
Renato Souza Coelho. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Um argumento comumente utilizado pelos críticos da isenção dos dividendos é de que todas as economias mais desenvolvidas do mundo tributam esse tipo de renda. Com base nessa alegação genérica, seria possível, em rigor, evidenciar duas possíveis críticas à atual desoneração tributária sobre os dividendos: (i) o Brasil está desatualizado, na medida em que adota uma prática que já teria sido há muito abandonada pelos países mais desenvolvidos; e (ii) o Brasil estaria desalinhado com a realidade e melhores práticas tributárias internacionais.

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Não se pretende aqui de forma alguma advogar em favor do atual regime de isenção de dividendos e/ou de uma correta posição isolada do Brasil frente aos demais países. O que se pretende é refutar argumentos desprovidos de muita técnica para focar a discussão nas vantagens e possíveis efeitos adversos decorrentes de uma mudança de política fiscal.

O argumento de que o Brasil deve passar a tributar os dividendos simplesmente com base na comparação com a prática adotada pelos outros países nos parece inadequado. Embora a informação em si a respeito da política quase ímpar de isenção dos dividendos pelo Brasil tenha fundamento, a sua apresentação tende a ser descontextualizada.

a. Em outras jurisdições há também métodos para evitar a dupla tributação econômica da renda

Somente a partir de uma análise detalhada e específica sobre a tributação, por cada jurisdição, do fluxo da renda como um todo, que começa desde a tributação da empresa até o efetivo recebimento pelos indivíduos, é que seria possível confirmar a efetiva carga tributária a que os rendimentos estiveram sujeitos.

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E esta é, a nosso ver, a principal deficiência do argumento comumente utilizado por parte dos defensores da tributação de dividendos. Ao analisar isoladamente a política de tributação dos dividendos, tais defensores ignoram o contexto de cada jurisdição e, principalmente, que países membros da OCDE também se utilizam de diferentes métodos para endereçar a questão da dupla tributação econômica da renda. Esses mecanismos de integração entre pessoa física e pessoa jurídica utilizados pelos outros países podem trazer o mesmo efeito econômico da isenção de dividendos.

Os estudos realizados no próprio âmbito da OCDE identificam claramente a existência de diferentes métodos de tributação sobre a renda empresarial, sendo que tais métodos sempre analisam a tributação com base na dicotomia "tributação da pessoa jurídica" e/ou "tributação da pessoa física". A combinação entre tributação do dividendo recebido pelo indivíduo e a tributação do resultado econômico no nível da empresa sempre foi um aspecto acompanhado pela OCDE.

Assim, caso, por exemplo, determinada jurisdição tribute o pagamento de dividendos, mas ao mesmo tempo traga mecanismos para eliminar totalmente a dupla tributação econômica da renda, a comparação com o método de isenção passa a ser irrelevante.

Sob a perspectiva puramente econômica, é indiferente se a tributação está concentrada na empresa, no acionista ou em ambos. É a carga tributária que esse acionista suportará como um todo que dirá se determinada jurisdição está ou não alinhada com os padrões internacionais de tributação adequada da renda gerada em seu território ou auferida por seus residentes.

b. Muitos países adotam o regime do participation exemption

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Não é possível ignorar o fato de que grande parte dos membros da OCDE se utilizam do regime de participation exemption para os dividendos distribuídos ao longo da cadeia societária. Esse regime é, sem dúvida, também um método de isenção para eliminar a dupla tributação econômica da renda. A principal diferença desse regime com o atual brasileiro é que, ao chegar no nível das pessoas físicas, os dividendos são então tributados.

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Por outro lado, ao fazer essa comparação com a tributação internacional, pouco se fala que o Brasil não adota o método da isenção para resultados de investidas no exterior. Pelo contrário, o Brasil é, nesse aspecto, também um dos únicos países do mundo onde há tributação dos lucros auferidos por uma empresa brasileira por meio de controladas e coligadas no exterior, independentemente da natureza da renda por elas auferidas.

Em razão dessa regra peculiar de tributação do lucro do exterior, haveria uma enorme distorção, quando comparada com outras jurisdições, se o Brasil passasse também a tributar, no nível da pessoa física, dividendos de pessoa jurídica brasileira que fossem fruto de resultado auferido (e tributado) por intermédio de empresas estrangeiras.

Por esses motivos, a comparação do regime brasileiro de isenção para evitar a dupla tributação da renda com a política fiscal de outras jurisdições não nos parece muito adequada, exatamente em razão das peculiaridades atinentes ao nosso sistema tributário.

c. Deve haver cautela na comparação com alíquotas nominais

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Em adição aos diferentes métodos de tributação e integração entre a empresa e seus acionistas, há outros elementos que igualmente influenciam na carga tributária efetiva que também devem ser considerados para uma comparação com a forma de tributação da renda no mundo, tais como a base sobre a qual a tributação incide.

A carga tributária efetiva de determinada jurisdição não pode ser aferida apenas pela verificação das alíquotas nominais incidentes, mas também pela base sobre a qual a tributação recai. Para fins de comparação da carga tributária aplicável, é imprescindível a comparação de alíquotas efetivasUma pessoa jurídica localizada em jurisdição, por exemplo, que tributa o lucro auferido com base em uma alíquota de 45%, mas que permita uma ampla dedução de despesas, pode tributar seu lucro por uma alíquota efetiva menor que outra empresa localizada em jurisdição que tributa o lucro em 30%, mas traz inúmeras restrições à dedutibilidade de despesas.

O caso brasileiro é bastante elucidativo para essa questão. A tributação nominal sobre o lucro das pessoas jurídicas em geral é de 34% no regime do lucro real, genericamente considerada baixa quando comparado com padrões mundiais.

Há no Brasil, por outro lado, uma considerável lista de despesas tratadas como indedutíveis pela legislação, além da limitação à compensação de prejuízos fiscais acumulados em 30% do lucro do período e regras peculiares de tributação do lucro no exterior. Não deixemos ainda de relembrar que o país tem um histórico de efeito inflacionário e não há correção de balanço desde o ano de 1996. A tributação efetiva sobre a renda real, considerando o efeito inflacionário de 25 anos, tende a ser bem maior que 34%, pois o custo dos ativos não é corrigido por inflação.

Sem esse tipo de análise sobre o que compõe a base tributável em cada jurisdição, a conclusão é de que justificativas para tributação dos dividendos somente com base na indicação de que o Brasil é um dos únicos países do mundo que isenta o recebimento de dividendos são imprecisas.

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*Renato Souza Coelho, sócio tributarista do Stocche Forbes Advogados

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