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A política de compliance no âmbito da Operação Lava Jato

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Por Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues
Atualização:
Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues. FOTO: AUGUSTO DAUSTER Foto: Estadão

As revelações de inúmeras reportagens sobre as trocas de mensagens entre investigadores e, principalmente, o juiz que esteve à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, demonstram uma negação das políticas de integridade que a operação lava jato buscou internalizar nas empresas investigadas.

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No Brasil, o conceito legal de compliance está previsto no Decreto nº 8.420, de 2015, e consiste no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades, dentre outras ações, visando detectar e sanar eventuais irregularidades. Esse decreto, não por coincidência, que regulamenta a Lei nº 12.846, de 2013, conhecida como lei anticorrupção, foi editado no contexto da lava jato que teve início em março de 2014.

As aplicações desse conjunto de regras se dá, nesse âmbito, dentro de pessoas jurídicas, e, por óbvio, não se aplica a juízes, promotores e advogados enquanto na atuação das causas, que são disciplinados por regras próprias. Pelo menos essa não é a intenção inicial do regramento da legislação anticorrupção que é voltada às pessoas jurídicas.

No entanto, é possível jogar luz nas condutas dos agentes públicos que atuaram na investigação, pois os diálogos disponibilizados na conhecida vaza jato apresentam irregularidades que não são compatíveis com um sistema de compliance efetivo. Além das condutas entre juiz e investigadores não serem transparentes, o procedimento de auditoria - os recursos - não continha elementos suficientes para revisitar as motivações das condutas. Esse é um modelo de integridade conhecido como de prateleira, isto é, ineficaz.

A justiça criminal brasileira consolidou-se no sentido de adotar o sistema acusatório, que define os papéis a serem exercidos entre os órgãos incumbidos investigar, acusar, defender e julgar, sendo que este último deve se manter afastado e equidistante das partes. Esse modelo que confere legitimidade às decisões judiciais, que resultam da ampla participação das partes envolvidas e de um pronunciamento final isento.

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Por essa razão, recente alteração da legislação processual penal determinou que ao juiz cabe apenas formular perguntas complementares às testemunhas e réus durante as audiências, retirando do magistrado o protagonismo da produção probatória. O juiz, diz a lei, também poderá complementar a inquirição sobre pontos não esclarecidos.

O fato é que corrompem as regras de integridade de um processo rígido provas produzidas sob recomendação de magistrado. Da mesma forma, o sistema acusatório se fragiliza quando o juiz é acessado diretamente, e por modo não convencional, por uma das partes, especialmente da acusação, ainda mais como, por exemplo, via mensagens de celular. Essa interlocução direta viola uma das bases de um programa de integridade, que é a transparência.

As decisões do Poder Judiciário são manifestações de um dos Poderes do Estado, e, em razão das graves implicações que inevitavelmente essas ações geram, não é possível a admissão de atos que atentem à credibilidade da Justiça. Ao contrário do que ocorrem Legislativo e do Executivo, as decisões judiciais sempre são racionalmente fundamentadas, e por isso são revestidas de solenidades claras como a obrigação de indicar os principais argumentos das partes e a possibilidade de revisão por um colégio de juízes.

Por mais que as regras de integridade não se apliquem tal como redigido no mencionado decreto federal, é inafastável que a legitimidade da atuação da justiça criminal seja questionada. As divulgações de áudios, acordos de colaboração premiadas e outras provas produzidas, com o intuito de obter apoio popular e a ostensiva participação do magistrado junto aos investigadores apontam para o descumprimento dessa regra, o que põe em xeque a validade das decisões judiciais daí decorrentes.

Nesse sentido, é imperiosa a discussão a respeito dos limites de comunicação entre agentes públicos encarregados dos atos de investigar, acusar e julgar, sob pena de deslegitimação da justiça criminal brasileira. Não é legítimo um processo em que a defesa está alheia às comunicações entre investigadores e julgador, notadamente porque o processo penal, de partida, já é desequilibrado em favor da acusação, que possui todo um aparato para agir nessa função.

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O descumprimento das regras de integridade próprias do processo merece o acionamento de graves sanções como a invalidação de atos judiciais e, até mesmo, da própria ação judicial, pois macula a imparcialidade que se espera dos pronunciamentos da justiça.

*Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues é advogado em Brasília, mestre em Direito Constitucional pelo IDP e sócio-fundador do escritório Pisco & Rodrigues Advogados

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