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A polêmica sobre a confidencialidade em arbitragens societárias

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Por Silvia Rodrigues Pachikoski , Esther Jerussalmy Cunha e Reynaldo Vallu
Atualização:
Silvia Rodrigues Pachikoski, Esther Jerussalmy Cunha e Reynaldo Vallu. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A confidencialidade em arbitragens societárias tem gerado intensos debates ao longo dos últimos anos, principalmente no âmbito do mercado de capitais, em razão do princípio da transparência que rege as companhias abertas e do dever de informar que é próprio de seus administradores. Retomando essa discussão, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou em audiência pública proposta de alteração da Instrução CVM 480, com vistas a regulamentar a divulgação de determinadas informações sobre demandas societárias, de cunho judicial ou arbitral. O prazo para manifestações encerra-se em 12 de abril de 2021.

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A propósito, é salutar a intenção da CVM de flexibilizar a confidencialidade dos procedimentos arbitrais e regular o assunto, inclusive para maior clareza e segurança jurídica do próprio mercado e dos seus agentes.

É de conhecimento público o processo administrativo instaurado na CVM em face do diretor de Relações com Investidores da MMX Mineração e Metálicos S.A., sobre a não divulgação de fato relevante, qual seja, decisão arbitral proferida no âmbito do procedimento em que a MMX era parte. Nessa ocasião, embora o diretor tenha sido absolvido, o Relator do processo administrativo, Gustavo Machado Gonzalez, da CVM, destacou que "as obrigações de confidencialidade previstas nos regulamentos de certas câmaras arbitrais não eximem as companhias abertas de cumprir as obrigações informacionais a que estão sujeitas."

Outra pendenga que se deve ter em mente quando o assunto for divulgação de informações em arbitragem societária é o caso envolvendo a Petrobras, que ganhou contorno internacional, inclusive. O fato de não ter havido comunicação oficial da Petrobras aos investidores sobre a possibilidade de adesão ao procedimento arbitral instaurado por acionistas minoritários, em 2017, impossibilitou que todos os investidores que negociaram ações da companhia na B3 à época aderissem ao procedimento arbitral.

Em vista desse contexto, já era esperado que a CVM estabelecesse novos critérios para a divulgação de informações atinentes às demandas societárias.

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O edital da CVM trata da criação de um novo comunicado, específico para demandas societárias, e estabelece marcos processuais com prazo de 3 (três) dias úteis para divulgação das informações relevantes.

Em linhas gerais, a proposta da CVM é oportuna e aborda a questão de forma apropriada, uma vez que preserva a possibilidade de adoção da confidencialidade, merecendo apenas ajustes pontuais. Aliás, a confidencialidade dos procedimentos arbitrais, embora não decorra de lei, não somente é a praxe adotada pela maioria dos regulamentos das câmaras arbitrais no Brasil e no exterior, como também é um dos pilares que orientam a prática arbitral e que pesam na escolha, pelas partes, desse mecanismo para a solução de eventuais disputas.

De fato, a CVM reconhece a importância da confidencialidade como regra, tendo deliminado no edital as seguintes categorias de demandas justificariam a divulgação por meio do comunicado, quais sejam: (i) que envolvam direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos; ou (ii) nas quais possa ser proferida decisão cujos efeitos possam atingir a esfera jurídica da companhia ou de outros titulares de valores mobiliários que não sejam partes do processo.

O edital também apresenta rol exemplificativo das principais informações a serem divulgadas. Por exemplo, nas hipóteses de instauração de demanda, recebimento do requerimento de instauração ou citação, devem ser divulgadas, no prazo de 3 (três) dias úteis: (a) partes no processo; (b) valores, bens ou direitos envolvidos; (c) principais fatos; e (d) pedido ou provimento pleiteado. Tanto para os processos judiciais como para as arbitragens, a proposta da CVM não exige a íntegra das decisões proferidas, mas a divulgação do resultado das sentenças de mérito, assim como das decisões provisórias e, no tocante às arbitragens, das decisões sobre jurisdição e impugnação de árbitros (tanto em caso de acolhimento como de rejeição).

Em que pese a preocupação da CVM ao formular a minuta, recepcionando o princípio de que o direito dos acionistas à informação não é absoluto, o rol exemplificativo de informações obrigatórias a serem divulgadas deve ser definido ainda com mais cautela, de forma a se evitar potenciais efeitos adversos, como o prejuízo à dinâmica dos próprios processos, exposição das companhias a oscilações desnecessárias de cotação, aumento dos custos com cumprimento da regulação e caracterização de desvantagem competitiva frente a outros mercados que não exigem a divulgação de processos arbitrais.

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É o caso, por exemplo, da divulgação sobre impugnação de árbitros que, fatalmente, acarretaria especulação quanto à composição do tribunal arbitral. Não existem casos relevantes que justifiquem essa divulgação. São raros os casos de questionamento quanto à composição do tribunal ou às decisões proferidas, o que comprova o rigor das câmaras e dos próprios árbitros para assegurar a inexistência de conflito de interesses ou de quaisquer fatores pessoais que possam comprometer o processo decisório. A confidencialidade da composição dos tribunais arbitrais tem contribuído com a estrita observância dos atributos legais aplicáveis aos árbitros, principalmente no tocante à imparcialidade, independência e discrição. A alteração desta dinâmica traria mais riscos do que ganhos efetivos, tendo em vista a inevitável exposição que tais profissionais passariam a ter e as pressões a que poderiam ficar sujeitos.

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Também merece ser revista a pretendida divulgação de propostas de acordos realizadas no curso das demandas, o que certamente suscitaria questionamentos quanto à obrigatoriedade de divulgação de eventuais contrapropostas ou do término das negociações. Considerando-se as diversas ocasiões em que as propostas podem ser formuladas, assim como as sucessivas contrapropostas usualmente negociadas e, ainda, a dificuldade de se determinar o momento em que a tentativa de acordo restou prejudicada, seria um trâmite que, além de complexo, acarretaria oscilações no mercado por conta da intrínseca imprevisibilidade do trâmite de negociação de acordos. Pode até mesmo representar desincentivo para que as companhias abertas venham a formular propostas de acordo, pois passariam a avaliar eventuais reflexos negativos no mercado em caso de não aceitação. Assim, a obrigação deve ficar restrita à divulgação das informações relevantes do acordo apenas quando efetivamente celebrado.

A audiência pública promovida pela CVM é uma ótima iniciativa para, novamente, suscitar esse debate sobre um tema tão importante. O ideal é que essa regulamentação seja amplamente debatida pelos participantes do mercado de capitais e a comunidade arbitral, encontrando-se equilíbrio entre o direito dos acionistas à informação e as particularidades dos procedimentos arbitrais. Essa interação será essencial para que as novas regras de divulgação não prejudiquem os avanços que a arbitragem propiciou ao longo das últimas décadas para o julgamento das disputas societárias.

*Silvia Rodrigues Pachikoski, Esther Jerussalmy Cunha e Reynaldo Vallu, sócias e associado do L.O. Baptista Advogados

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