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A Petrobrás e o desafio de conciliar função social e lucratividade

Por Marcello Guimarães
Atualização:
Marcello Guimarães. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A discussão vem a público sempre que a alta do petróleo e a pressão nos preços dos combustíveis torna o tema político. A interferência não técnica do poder executivo vai contra os alicerces dos preceitos liberais econômicos, prejudica o funcionamento do livre mercado e, em última ratio, dos acionistas.

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A função social e a lucratividade das estatais de economia mista têm sua base na Constituição, na Lei das S.A. e na Lei das Estatais. Essa última trouxe governança e transparência na gestão das corporações, onde, gradativamente, programas de compliance são implementados em decorrência tanto de uma tendência internacional quanto de desdobramentos da operação Lava-Jato, em função das normatizações que ocorrem nesse campo por meio de leis ordinárias e regulamentações.

Cumprir a função social e perseguir o lucro dentro de parâmetros de compliance são os dois lados de uma mesma moeda. São necessários para a reforma do Estado brasileiro sob a perspectiva humanista e consagradora da eficiência e da moralidade, mas há de se considerar a escassez dos recursos públicos e a pesada carga de tributos suportados por toda a sociedade.

A captação de poupança popular via mercado de capitais é fonte de financiamento barato para as empresas e para o atendimento da função social. Sem o investimento dos acionistas minoritários não haveria recursos para o custeio sustentável das empresas nem para a dinamização de suas atividades em ambiente competitivo de mercado.

O compliance é um custo adicional, mas sua existência na cadeia concorrencial é vital, sob pena da competição desleal das empresas que não o praticam e que, portanto, não possuem tal custo em seu overhead.

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É a ferramenta que pode viabilizar o atendimento da função social na forma definida pelo acionista controlador, e tal objetivo talvez não seja inconciliável, desde que: a lucratividade venha como objetivo de gestão sempre antes da função social; a lucratividade seja pautada pelo caminho da Governança e do Compliance na forma do Art. 6 da Lei das Estatais; a maximização de dividendos se reverta para os acionistas, incluindo o controlador, que, aí sim, irá aplicar tais lucros na busca da função social, conciliando de forma harmônica dois princípios que devem se completar em vez de colidir.

Todavia, a inversão de tal ordem - a função social antes da lucratividade - só traz dor e ranger de dentes, além de subverter a lógica de administração racional de qualquer empresa séria.

É importante apreciar aspectos de governança corporativa comprometidos com a ética, a transparência e a eficiência, de modo que o conflito de interesses entre controladores e minoritários seja equilibrado em prol das finalidades das estatais mistas. Ainda, a segurança jurídica, que prevê estabilidade de regras e de transparência na gestão dos recursos, atrai capitais, reforça o planejamento econômico nacional e permite a função social. É uma conquista que envolve conceitos relevantes difusos, pois são de interesse de toda a sociedade, a partir da boa ética nos negócios.

A adequada fiscalização pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a existência de controles internos e de mecanismos de governança afastam a possibilidade do uso político de ocasião das tais companhias, o que por certo não está em linha com o espírito da Lei das S.A., de 1976, sequer com a finalidade de função social ou com as normas que complementam os princípios de moralidade e eficiência trazidos pela Emenda Constitucional no 19, de 1998. Empresas que observam a integridade, a ética e o compliance em uma perspectiva abrangente exercem in totum os princípios mais nobres da competição justa.

A ingerência direta do governo na gestão das estatais mistas são chagas antigas no País e comprometem o desenvolvimento, impossibilitam a reforma do Estado e obscurecem a visão nacional do que sejam as nossas prioridades, já que os recursos são escassos e não podem ser usados em todas as frentes. É preciso escolher e, neste artigo, a defesa é que o full compliance seja o certo a se fazer.

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Há de se perquirir se o ordenamento legal satisfaz a necessidade atual das estatais e se está claro para delimitar a aplicabilidade dos conceitos sociais e de lucro, tal como o conflito de interesses inerente a essa relação, tendo em vista os diferentes papéis dos acionistas. Como se sabe, no Brasil, não há infraestrutura sem a forte presença das estatais e do Estado, seu acionista controlador.

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A CVM e a Controladoria-Geral da União (CGU) precisam tornar-se centros de difusão, controle e implantação da mentalidade de full compliance não apenas na veste punitiva e sancionadora, mas como indutores desta cultura, porque as empresas precisam sobreviver e progredir.

O compliance gera eficiência nos locais onde as zonas ambíguas de interesse tentam se instalar. Sua existência e eficácia ajudam de modo decisivo na função social e na obtenção da lucratividade segura e sustentável.

*Marcello Guimarães é advogado, mestre em Economia e presidente da Swot Global Consulting. É autor do livro Uso Político de Estatais em Prejuízo dos Acionistas Minoritários

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