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A perda e a subtração de tempo na visão do Poder Judiciário

Por José Ricardo Armentano
Atualização:
José Ricardo Armentano. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

O tempo, apesar de ser um conceito de fácil percepção, não é de fácil compreensão.

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Aliás, não é à toa que o tempo, na concepção de Albert Einstein, é algo relativo, de modo que o passado, o presente e o futuro são, na visão desse célebre cientista, ilusórios.

Ilusório ou não, o tempo é, sem dúvida nenhuma, algo finito e precioso. No ilusório mundo -- no bom sentido -- do cinema, isso fica claro, por exemplo, na tocante agonia da personagem Heather, da obra cinematográfica Highlander, o Guerreiro Imortal, em seu leito de morte. Para essa apaixonada personagem, cuja vida está se esvaindo rápida e irremediavelmente nos braços de seu amado Connor, os segundos são preciosos.

No mundo jurídico o sentimento de grande valia do tempo não é diferente, principalmente quando ele está atrelado à sensação de perda, de desperdício. Aliás, é importante ressaltar que, por aqui, esse tipo de questão foi tradado de forma pioneira, no âmbito das relações de consumo, na obra Teoria Aprofundada do Desvio Produtivo do Consumidor, de autoria do jurista Marcos Dessaune (Ed. RT, São Paulo, 1ª ed., 2011).

De uma forma simplista, o tempo, para esse jurista, é um recurso produtivo, de modo que a respectiva perda, decorrente de falha em produto ou serviço, será considerada abusiva nas hipóteses em que não houver empenho do fornecedor para sanar o problema em lapso temporal razoável ou, então, quando houver esquiva quanto à sua responsabilidade nesse sentido. Na concepção desse jurista, o desvio produtivo é um evento danoso que se consuma quando o consumidor, sentindo-se prejudicado em razão de falha em produto ou serviço, perde, em decorrência de conduta omissa, descompromissada ou deliberada do fornecedor, tempo -- precioso, finito e irrecuperável -- para a respectiva resolução.

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O Superior Tribunal de Justiça, sensível a esse tipo de problema e na esteira desse entendimento, vem se manifestando favoravelmente em prol da coletividade de consumidores que, abusivamente, são vítimas desse tipo de situação.

Um exemplo disso é o entendimento adotado por esse tribunal superior em questões envolvendo o atendimento descompromissado e moroso por parte de agências bancárias (cf. REsp 1662808-MT). Aliás, atire a primeira pedra quem nunca sofreu com agências bancárias morosas e desprovidas de pessoal, com filas enormes e com caixas eletrônicos inoperantes, sem numerário, ou com dispositivos inadequados e insuficientes para um bom atendimento, ou, então, com a dificuldade de acesso telefônico às centrais de atendimento ou mesmo com a espantosa morosidade com a qual assuntos prementes a elas submetidos são tratados.

Na visão dessa corte, o desperdício de tempo útil viola, de forma injusta e intolerável, o interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, e isso, por si só, é suficiente para a configuração de dano moral coletivo (cf. REsp 1737412-SE).

A esse respeito, oportuno se faz ressaltar, de uma forma simplista, que o dano moral coletivo nada mais é do que aquele decorrente de uma violação injusta, significativa e intolerável dos valores fundamentais de uma coletividade -- assim compreendida como grupos, classes ou mesmo categorias de pessoas --, cuja reparação não visa apenas compensar o grupo ofendido, mas, também, punir o ofensor, com a finalidade de desestimular e inibir esse tipo de comportamento.

É importante ressaltar, por fim, que questões dessa natureza, quando tratadas individualmente, sequer ultrapassam o âmbito do mero aborrecimento ou do transtorno cotidiano. Todavia, quando essas mesmas questões ocorrem sistematicamente, de forma reiterada, com o mal disfarçado fim de propiciar vantagem ao fornecedor, em detrimento da qualidade do serviço e em prejuízo de uma coletividade de consumidores, dão ensejo a nítida violação, injusta e intolerável, do interesse dessa comunidade, de modo a caracterizar dano moral coletivo. E diante desse tipo situação, cabe ao Judiciário, quando provocado, prover -- como de fato tem provido -- a devida proteção da coletividade, mediante exemplar punição do ofensor, com a finalidade de cessar e inibir a reiteração desse tipo de ilicitude.

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*José Ricardo Armentano, advogado na Morad Advocacia Empresarial

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