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A pauta ESG e o contrabando de madeira na Amazônia

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Por Ricardo Prado Pires de Campos
Atualização:
Ricardo Prado Pires de Campos. FOTO: MPD/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A sigla ESG, acrônimo para Environment, Social and Governance, que na sua versão em português é traduzida para Ambiental, Social e Governança, tem entrado definitivamente no foco das grandes empresas nacionais. Os temas, que são dominantes no âmbito do mundo desenvolvido, cobram dos agentes privados, uma nova visão sobre a função das empresas. Estas não são vistas mais, apenas, com o objetivo de lucro. A teoria de Milton Friedman e Jack Welch cederam espaço para nova abordagem, mais ampla e que encontrou esteio no âmbito das Nações Unidas. A vida não tem apenas uma finalidade, embora se manter vivo seja sempre prioridade, a vida permite uma série de outras atividades que a tornam mais rica e mais bela. Assim, também, embora o lucro, na vida empresarial, seja a seiva através da qual as empresas conseguem se perpetuar, mas, ainda aqui, a sociedade não se contenta apenas com isso. As empresas precisam ser sustentáveis no longo prazo. O lucro, solitariamente, traz uma visão imediatista que pode comprometer a própria continuidade dos negócios, daí, a necessidade de temperar o ímpeto empresarial com outras finalidades que assegurem que a conquista seja perene, e não apenas momentânea.

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A vida pode ser esplendorosa num determinado instante, mas é preciso continuar vivo nos dias seguintes. Assim, também, é para as empresas.

Muitas atividades que dão prazer à humanidade são saudáveis ao longo da vida, mas nem todas se enquadram nessa categoria. O uso abusivo de álcool e drogas estão entre os exemplos mais comuns, mas não são os únicos. Atividades nocivas e tóxicas existem as dezenas. Pois bem, para garantir a sustentabilidade das empresas ao longo da vida, criou-se uma agenda que recebeu o nome de ESG e que inclui as preocupações com as questões ambientais, sociais e de governança corporativa. Governança diz respeito ao gerenciamento da empresa e seu relacionamento com os acionistas. O aspecto social diz respeito ao relacionamento com a sociedade, com o entorno da empresa. Muitas delas, durante a pandemia, passaram a fazer doações para as comunidades nas quais estão inseridas. Não adianta ter uma empresa próspera se o entorno estiver empobrecendo e se deteriorando, aos poucos isso atingirá a empresa. Nossa casa pode ser uma mansão ou um castelo, mas se o bairro estiver em chamas a vida pode se tornar inviável. A ideia subjacente que não é clara para todos, mas muito nítida para alguns, é que estamos todos no mesmo barco. Se ele afundar, morreremos afogados. Em verdade, a imagem melhor é que estamos todos numa nave espacial, chamada Terra, e se a nave se incendiar, o prejuízo será geral.

Além do relacionamento com seus acionistas e com a comunidade, a empresa também se relaciona com a Natureza, com o ambiente. A empresa não está solta no mundo, mas inserida dentro de um contexto com o qual se interrelaciona. Portanto, não basta apenas que os produtos sejam saudáveis, é preciso que sejam sustentáveis ao longo do tempo. Suas embalagens precisam ser recicláveis ou biodegradáveis. Suas contraindicações precisam constar de alertas claros e abundantes para que todos possam ver. E assim, há um rol de exigências que precisam ser cumpridas, obedecidas e revisadas periodicamente, pois, na medida que o conhecimento aumenta, as precauções crescem, o gerenciamento dos riscos é aperfeiçoado.

Todavia, essa agenda não é somente empresarial, os governos também devem se sujeitar a essas questões, a essas pautas e objetivos. E não são apenas as empresas públicas, como Petrobras, Eletrobras e outras companhias, mas inclusive os governos municipais, estaduais e federal.

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A legislação traz essa pauta de forma evidente, e cobra dos gestores públicos sua implantação. A própria Constituição Federal traça os grandes nortes dessa agenda.

No âmbito social, a Constituição fala em assistência à saúde e instituiu o SUS para dar conta do objetivo; fala em assistência social e criou mecanismos de distribuição de renda para fazer frente a essa questão.

No âmbito de governança, a Constituição impôs o dever de transparência, de publicidade dos negócios governamentais, de impessoalidade, o que deveria ser o suficiente para afastar o desejo de nepotismo.

No âmbito ambiental, a demarcação das reservas florestais e das áreas indígenas, mais uma série de outras normas deveriam preservar a flora e a fauna nacionais, regulamentando a atividade de mineração e desmatamento, impedindo o uso de agrotóxicos nefastos à saúde; todavia, nem todos se convencem dessas necessidades. É uma pena. O vezo de olhar apenas o lucro, inclusive em atividades estatais, ainda é predominante em muitas pessoas. Enxergar o entorno, enxergar o outro, enxergar o ambiente como um local amigável e que deve ser preservado, ainda, infelizmente, não é um conceito universal.

Num país onde se consegue pregar contra a ciência, contra as vacinas, pregar contra o meio ambiente não chega a ser uma novidade. Infelizmente, é um sinal da falta de civilidade que acomete parcela da humanidade. Sem as árvores da Amazônia, corremos o sério risco de comprometermos o regime das chuvas no país, corremos o risco que deteriorar a qualidade do ar para níveis preocupantes, mas como essas questões não são perceptíveis de imediato, trazem a falsa noção de que não são importantes ou de que podem esperar um momento mais oportuno. Ocorre que o momento oportuno está passando. Diversos estudos científicos publicados dão conta de que o aquecimento da Terra está mudando e pode se acelerar muito rapidamente se não for contido a tempo. Nunca vivemos uma situação dessa magnitude, mas nunca a raça humana foi tão grande na face do globo. Sete bilhões de habitantes fazem muita diferença. Não tínhamos poder sobre o destino da Terra, mas isso mudou. Resta saber se a humanidade acordará a tempo de tomar as medidas necessárias para conservar o planeta, conservar o ambiente e preservar a vida não apenas da nossa geração, mas também das próximas; para isso, conservar a Amazônia e as reservas legais, suas matas e sua biodiversidade são mais importantes e mais valiosas do que um pouco mais de minério de ferro ou madeira. Afinal, esses materiais são abundantes na terra, as reservas naturais e as florestas também eram, mas já estão ficando mais escassas do que deveriam.

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É obvio que a exploração econômica e o atendimento das necessidades básicas de hoje são importantes, mas o amanhã chega muito rapidamente. A pandemia mostrou com todas as letras a necessidade de possuir reservas (poupança) para os momentos de infortúnio. Quem se precaveu, está sobrevivendo melhor nesse período. Os países que se importarem em preservar parte de seus recursos naturais, que conservarem melhor suas florestas e sua biodiversidade, seguramente, passarão melhor pelos anos que se avizinham. A pauta ambiental não pode ser desprezada, nem a Amazônia deve ser destruída pela atividade mineradora ou madeireira. Esperemos que os gestores dos bens públicos e a população saibam reconhecer o valor que a Amazônia representa e que é muito maior com as árvores vivas, em pé, do que com elas mortas. Não será com o contrabando de madeira que faremos o Brasil melhor ou mais rico, isso já foi tentado no século XVI.

A atividade econômica é fundamental, mas pode ser realizada conjuntamente com critérios modernos de ESG, os quais o Estado brasileiro, também, deve observar.

*Ricardo Prado Pires de Campos é procurador de Justiça aposentado, mestre em Direito e, atualmente, exerce a presidência do MPD - Movimento do Ministério Público Democrático

Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

Ministério Público Democrático ganha coluna no blog Fausto Macedo no 'Estadão'

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Começou nesta quinta-feira, 10, a nova parceria entre o Ministério Público Democrático (MPD) e o blog Fausto Macedo no Estadão. A partir de agora, no blog, sempre às quintas-feiras, o leitor poderá conferir a coluna do movimento que tratará semanalmente de temas ligados ao Direito e à democracia.

O foco do MPD é a defesa de direitos humanos, solução pacífica dos conflitos, prevalência do Direito sobre a violência, defesa do meio ambiente, defesa do consumidor, combate à corrupção, aperfeiçoamento da Justiça e do Estado, e maior Justiça Social, dentre outros. E é sobre isso que seus associados, todos promotores, procuradores, aposentados ou na ativa, vão escrever.

O texto desta semana, que inaugura a coluna, é de autoria de Ricardo Prado, presidente do MPD e procurador aposentado, e fala sobre a importância do ESG, sigla em inglês usada para se referir às melhores práticas ambientais, sociais e de governança, que tem sido muito usada pelas empresas atualmente.

"A coluna é um passo importante para o MPD divulgar o Direito, levar às pessoas informações jurídicas de qualidade para melhoria da atuação social, e contribuir para o aperfeiçoamento da democracia brasileira. O Estadão é um jornal amplamente conhecido e lido pela população brasileira devido a sua alta qualidade. A criação da coluna do MPD no Estadão, no blog do Fausto, marca uma vitória para o leitor", afirma Ricardo Prado.

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