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A participação feminina na cúpula do Poder Judiciário -- igualdade de gênero

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Por Raquel Branquinho
Atualização:
Raquel Branquinho. FOTO: LEOBARK/SECOM/PGR Foto: Estadão

A Constituição Federal estabelece, no primeiro inciso do dispositivo que trata dos direitos e garantias fundamentais, ou seja, dos direitos estruturantes de um Estado democrático, a igualdade de homens e mulheres em direito e obrigações, o que chamamos de igualdade de gênero.

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O Brasil é um país que apresenta um equilíbrio populacional entre homens e mulheres, com pequena superioridade quantitativa de mulheres, que correspondiam, em 2019, a 52,2% da população1.

Esse mesmo quadro se reflete no campo eleitoral, onde as mulheres representam os mesmos 52% do eleitorado brasileiro, segundo dados divulgados pelo TSE2.

Partindo da premissa do direito à igualdade de gênero no Brasil e, ao se considerar a proporção de equivalência quantitativa feminina tanto populacional, quanto no recorte eleitoral, a conclusão lógica a que se chega é de que essa proporção se mantém em todos os setores da vida civil e política brasileira, havendo uma equidade da participação feminina nas diversas esferas de poder.

No entanto, a realidade se impõe para atestar que essa assertiva, extraída do silogismo acima, não é verdadeira.

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Por várias questões que não serão aqui enfrentadas e que se aliam a uma cultura social machista e a um contexto político-partidário ainda baseado em valores patriarcais e patrimonialistas, as mulheres, e com mais intensidade as negras e transexuais, não têm acesso às esferas político-decisórias em nosso país.

O cenário brasileiro de participação feminina, segundo dados levantados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela União Interparlamentar (UIP), é um dos piores do mundo. O Brasil ocupa a posição de número 140 no ranking de representação feminina no Parlamento3.

Passando do Parlamento para o Poder Judiciário, órgão estruturado sobre valores constitucionais democráticos, é de se supor, empiricamente, que a realidade seja diferente e que as mulheres ocupem cargos nos Tribunais Superiores em quantidade mais proporcional a dos homens.

Não é essa também a realidade. As mulheres ocupam, proporcionalmente, os mesmos 15% do Parlamento na cúpula do Poder Judiciário, notadamente no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. No Supremo, das onze vagas, apenas duas são ocupadas por mulheres e, no STJ, a proporção é de seis para um total de 33 vagas.

Essa é uma situação bastante preocupante e é um indicativo de que não se está cumprindo um comando constitucional que é base da democracia brasileira.

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Recentemente, o Brasil tem avançado em uma legislação afirmativa dos direitos políticos das mulheres, destacando-se a Lei 14.192/2021, que em seu artigo 2º, dispõe:

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Art. 2º Serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política e no exercício de funções públicas.

Além de estabelecer normas de prevenção, repressão e combate aos atos de violência política de gênero no campo eleitoral, essa lei também fixa diretrizes para maior acesso das mulheres ao exercício de funções públicas.

O CNJ tem atuado em diversas frentes para promover uma maior igualdade de gênero no âmbito do Poder Judiciário brasileiro e instituiu, pela Resolução número 255, de 4.09.2018, a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.

O debate sobre a igualdade de gênero e a busca por maior participação feminina nas esferas decisórias e de poder estão na pauta do dia de organizações internacionais, de órgãos públicos, entidades privadas e representantes da sociedade civil.

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E, nesse contexto, surgiu uma legítima expectativa em torno da lista que seria formada pelo Superior Tribunal de Justiça para escolha de dois novos integrantes para a Corte. Composta por nomes de magistrados ou magistradas, essa relação é encaminhada ao Presidente da República a quem cabe indicar os novos ministros.

Houve um debate torno desse assunto, pois, em se tratando o STJ, como ele mesmo se denomina, da "Corte da Cidadania", nada mais legítimo e necessário do que garantir uma maior participação feminina na sua composição colegiada, já que as mulheres representam a maioria da população brasileira, respondem pelo sustento de quase a metade dos lares4 e pela educação de milhares de crianças e jovens, sendo, portanto, um dos mais relevantes atores da sociedade brasileira.

Como é de costume acontecer nessas ocasiões, há uma grande disputa política em torno dessas vagas, com os mais diversos mecanismos de apoio aos candidatos, também pautados em interesses plurais, o que é natural.

Mas, nessa campanha pela disputa das duas vagas existentes no STJ, uma peculiaridade não pode ser desprezada: o fato de que duas mulheres, desembargadoras federais, terem participado ativamente da disputa, colocando seus nomes e seus currículos à disposição para escolha pelos seus pares.

Recentemente, o ministro Edson Fachin, na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), adotou uma postura inovadora nesse contexto de indicação de nomes para formação de listas para preenchimento de vagas nos Tribunais Superiores. Ele encaminhou ao Supremo Tribunal Federal uma lista com quatro nomes, duas mulheres e dois homens, praticando, assim, uma política de igualdade de gênero em sua gestão.

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Retornando ao STJ, que, como já foi dito, possui apenas seis ministras em sua composição, no dia 11 de maio de 2022, a Corte se reuniu para escolher os nomes a compor a lista que será encaminhada ao Presidente da República e o fez mantendo fora da lista as duas mulheres, escolhendo quatro homens. Como consequência, não há nenhuma chance de quaisquer das duas vagas ora existentes na Corte serem preenchidas por uma mulher.

Essa situação, para além das questões políticas que influenciaram na escolha, como uma melhor distribuição geográfica dos representantes indicados de acordo com os respectivos Estados e Tribunais de origem, evidencia uma grave desigualdade de gênero na composição do Superior Tribunal de Justiça, que reflete uma dura realidade do Brasil. É forçoso constatar que o país não tem conseguido criar, de fato, espaços para um aumento de participação feminina para se alcançar, em curto lapso, uma maior equidade.

Alguns países, como o Chile, por exemplo, têm avançado a passos largos. O Brasil, não obstante o esforço de um conjunto de instituições públicas e privadas e de organizações internacionais, está estagnado com tendência de retrocesso, o que demonstra que não está sendo capaz de praticar as políticas afirmativas votadas e aprovadas pelo Parlamento.

Conforme constatado pelo Fórum Econômico Mundial, apesar de possuir uma população feminina mais educada e mais saudável, a condição particular do Brasil no tratamento da política de equidade de gênero em sua sociedade indica que seriam necessários 95 anos para que mulheres e homens atinjam uma situação de plena igualdade5.

Nesse contexto, vê-se que o STJ perdeu uma oportunidade de dar um grande exemplo e de praticar, de fato, uma política de equidade de gênero. Mais do que prestigiar as duas concorrentes, a medida representaria um incentivo para que outras mulheres buscassem participar de processos semelhantes garantindo, no futuro, um verdadeiro equilíbrio entre homens e mulheres nas esferas de poder.

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*Raquel Branquinho, coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero do Ministério Público Eleitoral e procuradora regional da República da 1.ª Região

1Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-08/ibge-mulheres-somavam-522-dapopulacao-no-brasil-em-2019#:~:text=Publicado%20em%2026%2F08%2F2021,idosa%20(56%2C7%25).

2Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Marco/mulheres-representam-52-doeleitorado-brasileiro.

3Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-03/com-pouca-representatividadepolitica-mulheres-ainda-buscam-direitos

4Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2020/02/16/internas_economia,1122167/amp.html

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5Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-37758080

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