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A pandemia e o registro de imóveis

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Foto: Estadão

A propriedade imobiliária tem um significado extraordinário nesta fase trágica imposta pela crise do coronavírus à humanidade. Sempre representou estabilidade e refúgio seguro ao titular dominial de bens de raiz, em atendimento ao anseio comum ao homem normal. E o Brasil foi uma nação privilegiada com o seu sistema registral, sem o que a propriedade não se perfaz, com todos os atributos que a caracterizam. Quem está constando de um Registro Imobiliário como proprietário, tem para si a segurança de que o sistema garantirá uso e fruição do imóvel. Decorrência do adequado tratamento jurídico ao tema. Após origem complexa, a estrutura do Registro de Imóveis adquiriu musculatura singular, mercê de um trato constitucional muito lúcido: a atividade eminentemente pública, portanto estatal, do registrador, se fará mediante delegação do Estado e em caráter privado.

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Foi o que bastou para que os titulares das delegações, recrutados agora por severa e exigente seleção de mérito, confiada pelo constituinte ao Poder Judiciário, se convertessem num dos mais dinâmicos e proficientes empreendedores brasileiros.

Sob fiscalização e orientação das Corregedorias, tanto a permanente como a Geral, congregaram-se em associações que se mostraram o instrumento ideal para a universalização do acesso às informações, dados e documentos produzidos pelos Registros. As Centrais Eletrônicas mostraram-se aptas a acelerar e a dinamizar o mercado de imóveis. Incrementaram o curso dos trâmites e combateram o clássico inimigo do fluxo negocial: a burocracia. São milhões as buscas efetuadas sem que o interessado precise se locomover até à sede do Registro. Benefício decorrente da irreversível imersão na era digital e da qual não haverá retorno.

As perspectivas para o contínuo aprimoramento do sistema eram as melhores e as mais necessárias para o enfrentamento do rude golpe infligido pela peste à economia planetária. O Brasil precisa incorporar à sua prática, aquilo que economias mais robustas já conseguiram: o aproveitamento do substancioso capital representado pelo seu patrimônio imobiliário, em sua maior parte ocioso, diante de ainda não se implementar, em relação ao mesmo imóvel, o registro de sucessivas alienações fiduciárias em garantia. Tal providência multiplicaria as operações creditícias, fator de ânimo cada dia mais urgente para a combalida economia brasileira. Valer-se de inteligente interpretação do ordenamento já permitiria adotar-se praxe que é reconhecido eixo de impulsão do crédito imobiliário.

Tudo isso e muito mais se mostra urgente para atenuar os efeitos do colapso econômico e parece prejudicado com recente medida do CNJ, que impediu a cobrança do custo dos serviços prestados pelas Centrais Eletrônicas.

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Estas não se inserem na atividade típica ao Registro de Imóveis, cujos serviços continuam disponibilizados a quem prefira a superada praxe do comparecimento pessoal à sede física da serventia, tão combatida por ser excrescência burocrática. Algo que deveria ser coibido em tempos de crescente contaminação dos sujeitos à covid19.

As Centrais representam a resposta de um setor que, por exercer em caráter privado e com seriedade, uma prestação estatal delegada, mostrou-se apto ao desempenho cada vez mais eficiente e confiável de novas modalidades de oferta. O impacto da Quarta Revolução Industrial, com a carga disruptiva experimentada em outros Países, não surpreendeu o qualificado nicho do Registro de Imóveis. Adaptou-se, incorporou as novas tecnologias, viabilizou a interoperabilidade e aquilo que parecia arcaico e ligado à longeva concepção cartorial, converteu-se em padrão de modernidade e eficiência.

Visão pioneira de alguns setores do Poder Judiciário, encarregado de orientação e fiscalização do Registro de Imóveis, anteviu a potencialidade de significativos avanços e homologou iniciativas que o mercado assimilou e incentivou, acorrendo em massa aos novos padrões.

A surpreendente busca por fórmulas eletrônicas foi injeção de vigor às transações imobiliárias e só foi possível diante de vultosos investimentos dos delegatários do RI. À evidência, a manutenção dos serviços em upgrade tão bem recebido pelos destinatários, tem um custo considerável. E a precificação deles é consequência racional, natural e apreciada por aqueles que se servem do pioneirismo e reconhecem sua mais valia, se cotejado com o anacronismo do atendimento em balcão.

Lamentavelmente, o CNJ, que vinha acompanhando o progresso e contínua ascensão da qualidade dos serviços confiados às Centrais, entendeu de vedar a cobrança dos custos. Confundiu preço com taxa e, com isso, impôs retrocesso que afetará o curso evolutivo de uma carreira em que o extrajudicial serviu de parâmetro e de exemplo para o universo judicial.

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A vítima será a já combalida economia brasileira, necessitada de ânimo e coragem, não de retrocessos.

*José Renato Nalini estuda Direito Notarial e Registral. Foi corregedor-geral da Justiça e presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo-2014-2015

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