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A pandemia e a gestão dos canais de denúncias das empresas

Por Kevin Altit , Luiza Cattley e Leonardo Kozlowski
Atualização:
Kevin Altit, Luiza Cattley e Leonardo Kozlowski. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O avanço do coronavírus (covid-19) no Brasil impõe uma série de desafios para as áreas de compliance das empresas, na medida em que a atual conjuntura intensifica os riscos relacionados à prática de atos de corrupção e fraude de naturezas diversas. As mudanças impostas pela pandemia exigem que as empresas reavaliem de forma constante os riscos aos quais se sujeitam, melhorem seus controles internos e confiram maior eficiência aos seus processos decisórios. Neste cenário, o canal de denúncias pode se tornar um importante instrumento de enfrentamento à pandemia, enquanto contribui para o desenvolvimento de um ambiente empresarial pautado na ética e no combate à corrupção.

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A legislação brasileira não obriga as empresas a instituírem canais de denúncias, exceto nos casos de companhias abertas listadas no segmento do Novo Mercado, que são submetidas a critérios de governança corporativa mais rigorosos. No entanto, há um incentivo legal para a sua adoção, previsto no texto do Decreto nº 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção. O canal de denúncia é considerado um dos requisitos para a adoção de um programa de integridade efetivo, devendo ser aberto e amplamente divulgado a funcionários e a terceiros, e conter mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé.

Ao comprovarem que possuem programas de integridade efetivos, as empresas fazem jus à redução das sanções aplicáveis no caso de violações da legislação anticorrupção, variando de 1 a 4% no valor da multa administrativa que vier a ser aplicada. Mas para além do incentivo pecuniário previsto em lei, um canal de denúncias bem divulgado, e que preserve o anonimato de forma eficaz, pode ser um importante mecanismo para que empresas tomem conhecimento rápido de eventuais violações legais ou de políticas internas, sobretudo em momentos de crise.

Nas últimas semanas, órgãos reguladores no Brasil e no exterior criaram canais exclusivos (ou incluíram seções específicas nos canais preexistentes) para o recebimento de denúncias relacionadas à covid-19, como o Departamento de Justiça norte-americano (DoJ), e a Controladoria-Geral da União (CGU). O canal da CGU, 'Fala.BR', apresentou um aumento de cerca de 50% nos relatos entre março e abril de 2020, se comparado ao seu histórico. Tanto a CGU quanto o DoJ aprimoraram seus sistemas, tornando mais rápido o atendimento de denúncias relacionadas à pandemia.

Não é irrazoável supormos que o aumento do número de denúncias relacionadas à covid-19, decorrentes da flexibilização de regras provocada pela decretação de calamidade pública pelo Governo Federal, ocorra também no setor privado. Momentos de crise expõem fragilidades e tendem a distrair o foco e flexibilizar processos, criando novas oportunidades e incentivos para a prática de ilícitos, como o aumento abusivo de preços e as condutas antiéticas decorrentes da pressão para alcançar metas estabelecidas pré-crise. Este crescimento de denúncias pode representar um grande desafio para as áreas de compliance, sobretudo em tempos de trabalho remoto.

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Canais de denúncia eficientes e bem estruturados podem ser um instrumento importante rumo à mitigação de riscos exacerbados pela pandemia. O momento é, portanto, propício para a revisão e aprimoramento de seus sistemas. Cabe às empresas, agora, revisitar suas políticas de tratamento de denúncias para avaliar se as suas disposições atendem à nova realidade. A depender do grau de complexidade da estrutura organizacional da sociedade empresarial, poder-se-ia contemplar, por exemplo, a atribuição das tarefas de supervisão de denúncias ou a avaliação de medidas disciplinares aplicáveis nos casos de violações a um grupo específico de pessoas, reunidas em um comitê. Neste caso, os integrantes desse colegiado deveriam rever a matriz de riscos da sociedade com o fim de adequá-la à situação fática atual para, então, definir suas prioridades.

Será igualmente importante que as empresas repensem a dinâmica de entrevistas e reuniões presenciais relacionadas aos processos investigativos decorrentes de denúncias, recorrendo à tecnologia para permitir a participação e - conforme o caso - voto à distância, de modo a não inviabilizar o funcionamento de seus órgãos durante a crise. De qualquer forma, qualquer medida de aprimoramento dos canais de denúncias depende intrinsecamente da confiabilidade da ferramenta. Seus usuários precisam ter certeza que o sistema privilegia o anonimato e que as denúncias apresentadas de boa-fé serão efetivamente apuradas. Daí a importância dos esforços de divulgação interna do sistema, essenciais para assegurar a sua eficiência.

A devida atenção aos canais de denúncias pode representar uma oportunidade para as empresas durante a pandemia provocada pela covid-19. A identificação e tratamento tempestivo dos novos riscos impostos às empresas será fundamental para manter a alta administração informada, garantindo um processo decisório consciente e evitando reações tardias ou reativas.

*Kevin Altit, Luiza Cattley e Leonardo Kozlowski são, respectivamente, sócio e advogados de Compliance e Ética Corporativa do escritório Mattos Filho

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