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A pandemia acende um alerta para a responsabilidade de administradores

Por Camila Borba Lefèvre
Atualização:
Camila Borba Lefèvre. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O mundo corporativo já não é mais o mesmo, e há alguns anos administradores passaram a ser, de forma crescente, responsabilizados pessoalmente por problemas causados na operação das empresas. Cada vez mais executivos e, em menor grau, conselheiros são acusados e até mesmo condenados por danos causados pela ação da companhia a consumidores, empregados ou ao interesse público em geral.

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Historicamente, a figura da empresa ou "sociedade de responsabilidade limitada" foi criada para restringir a responsabilidade dos investidores por prejuízos causados pela atividade empresarial. A ficção criada pela "pessoa jurídica" serve para isolar o risco da atividade e, assim, proteger o restante do patrimônio dos investidores e administradores. Tradicionalmente, acionistas e executivos somente poderiam ser responsabilizados pelos danos causados pela operação de empresas caso houvessem cometido alguma fraude ou utilizado a personalidade jurídica de forma abusiva.  Se fosse demonstrado um "desvio de finalidade" ou "confusão patrimonial", conforme previsto no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, a personalidade jurídica poderia ser "desconsiderada" e os sócios e administradores responderiam, com o seu patrimônio próprio, pelos danos causados a terceiros pela atividade empresarial. Além disso, executivos respondiam também caso descumprissem seus deveres perante a sociedade e terceiros agindo de forma negligente ao se omitir diante dos riscos conhecidos do negócio.

A ocorrência de grandes crises como a financeira de 2008 e de vários escândalos empresariais como aqueles revelados pela operação Lava-Jato, aumentou o clamor pela responsabilização de indivíduos pelos danos causados aos cidadãos. Ao mesmo tempo, mudanças legislativas acompanhadas do fortalecimento dos órgãos fiscalizadores e da sociedade civil geraram situações onde administradores eram chamados a responder por atos empresariais, mesmo sem participação específica na ação que havia causado o dano. Foi o caso, por exemplo, de membros do Conselho de Administração da mineradora Samarco, que foram denunciados pelo Ministério Público pelas mortes causadas no desastre de Mariana (MG) por, segundo o MP em sua denúncia, "serem, pessoalmente, garantidores da integridade da Barragem de Fundão." Outro exemplo são os membros do Conselho de Administração da Boeing que estão sendo processados por não terem tomado medidas para evitar os problemas ocorridos com o modelo 737 Max, envolvido em dois acidentes fatais que causaram várias mortes e gigantescos danos à empresa.

O cenário atual, com as mudanças trazidas pela pandemia, também traz grandes desafios para executivos e conselheiros e ainda gera muitas dúvidas. Por exemplo, os administradores podem ser responsabilizados caso haja um surto de Covid-19 na empresa, contaminando funcionários ou mesmo terceiros? A Portaria Conjunta nº 20 do Ministério da Economia e da Secretaria do Trabalho, publicada em junho deste ano, trata deste contexto e acende alertas para aqueles que administram as empresas. Tomemos o caso dos enormes surtos de Covid-19 em frigoríficos, ocorridos tanto no Brasil como no exterior. Por saberem que os frigoríficos são ambientes propícios para a disseminação do vírus, por serem ambientes frios e úmidos onde as pessoas trabalham em uma linha de produção muito próximas umas das outras, é esperado dos administradores que tomem todas as medidas necessárias para evitar o risco de contágio. Na hipótese de negligência nesse aspecto, levando a contaminações ou mortes, há um risco grande de responsabilização não somente da empresa, mas também dos executivos.

Além das situações de possível contágio, a adoção massiva de home office também traz vários desafios. Como fica a responsabilidade pela integridade dos sistemas eletrônicos e de dados com vários funcionários utilizando seus próprios aparelhos para acessarem os sistemas da empresa? Segundo a nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a companhia é responsável por falhas de segurança que levarem a vazamentos de dados pessoais. Mas nesse contexto caberia também a responsabilidade pessoal dos executivos?

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Para enfrentar esses desafios, é crucial que os administradores estabeleçam sistemas eficientes de controles internos e mitigação de riscos. Não basta que esses controles existam somente no papel, todos devem agir segundo as regras e não se omitir diante de problemas. Executivos e conselheiros devem assegurar que o sistema existe e funciona de forma eficiente. Por exemplo, quando uma empresa tem um canal de denúncia que não tem ocorrências, é provável que as pessoas não confiem no sistema, o que deve acender um alerta para os administradores, pois indica que este não é eficaz.

Num cenário de retomada de atividades econômicas em meio a uma pandemia, é essencial que administradores estabeleçam um sistema de gestão e controle dos riscos existentes. Somente estabelecer regras não é suficiente, é preciso fiscalizar o seu cumprimento e agir nos casos de transgressões. Mais do que isso, administradores devem dar o bom exemplo e incentivar o cumprimento das regras. É fundamental, portanto, incentivar a cultura de integridade na empresa, afastando-se de um modelo que prioriza o cumprimento de regras acima do cuidado com o bem geral da organização e da comunidade.

Companhias geridas por administradores zelosos, que se preocupam com o funcionamento efetivo dos sistemas de controle e com a sustentabilidade do negócio no longo prazo, levando em consideração o bem geral dos funcionários e de todos os stakeholders, correm menos riscos de gerarem danos internos e externos. Dessa forma, os executivos que estabelecem e fiscalizam o funcionamento desses sistemas se resguardam de serem responsabilizados pessoalmente.

*Camila Borba Lefèvre é sócia do Vieira Rezende Advogado

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