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A ordem é não desperdiçar

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Foto: Estadão

O Brasil é o reino do desperdício. Em todos os setores. O caso mais emblemático é a intensa e crescente produção de resíduos sólidos, os dejetos que, eufemisticamente assim chamamos, porém que o povão conhece por "lixo".

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Tudo aquilo que poderia ser reaproveitado na economia circular, já praticada no mundo civilizado, aqui é arremessado aos pré-medievais "lixões". Aliás, um país que tem "lixões" e "desmanches", não tem condições de pretender se encontrar na vanguarda do mundo.

Desperdiça-se água. Há vazamentos, há as "vassouras hidráulicas" de quem prefere acionar as mangueiras para levar uma pequena folha do passeio para a sarjeta. Deixa-se o chuveiro aberto enquanto se vai atender o telefone. Entre um prato e outro na pia, a torneira jorrando sem qualquer consciência de que água doce é um bem finito. E que nossas represas dependem de chuvas, sempre irregulares e cada vez mais imprevisíveis, mercê do aquecimento global que nós mesmos provocamos.

Gasta-se papel adoidado. Esperava-se que a digitalização resultasse em economia. Não. Tudo o que aparece na tela é convertido em impresso. A má-educação transparece em qualquer banheiro provido de toalhas de papel. Pode-se afixar aviso - quase sempre já constante dos equipamentos - de que bastam duas folhas. Gente que se diz educada se apropria de cinco, dez, sem piedade. Afinal, é "de graça".

Em qualquer esquina há desempregados ou informais entregando folhetos, folders, cartões, tudo imediatamente arremessado ao chão. A publicação de extensos balancetes ocupa boa parte dos jornais físicos. Papel desperdiçado, que poderia ser empregado para coisas mais úteis. Quem lê balanços e balancetes? Já se pesquisou o percentual de quem se interessa por eles?

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O desperdício de alimentos é um verdadeiro crime. Fruto também da má educação. Pessoas se servem com os olhos e depois o estômago não aguenta a quantidade posta no prato. Há - o que é surreal! - pessoas ditas eruditas que acham elegante deixar um resto no prato. Enquanto isso, hoje temos irmãos a chafurdar latões de lixo para procurar comida.

Leis burras também ameaçam quem quer destinar alimentos que sobram em restaurantes. Outra falta de educação é não ensinar as crianças que recebem refeições manipuladas nas escolas e, não raro, também não consomem tudo o que está nos pratos. Isso deveria merecer constante orientação e vigilância.

Mas o desperdício está também nas compras exageradas de quem pode pagar. Adquire-se quantidade superior à das necessidades e, logo que a advertência da validade se aproxima, tudo é dispensado sem qualquer hesitação.

Desperdício na construção civil. Desperdício na volúpia de construção de grandes estruturas, sem racional aproveitamento dos espaços que já estão disponíveis. Desperdício no uso de próprios públicos, quase sempre ociosos no período vespertino ou noturno. Os Estados Unidos, país reconhecidamente pobre, enquanto nós somos milionários, tem uma utilização inteligente de suas escolas. Ali acontece tudo. Aulas, mas também teatro, festivais de música, reuniões da comunidade, eventos religiosos, até velórios. Aqui, precisamos de algo específico para cada atividade. Há dinheiro à beça, para esbanjar.

Desperdício de dinheiro do povo para propaganda oficial. Sempre estranhei muito a necessidade do aparato de publicidade para o poder público. Penso que se as coisas ocorrem, se as obras são feitas, a melhor propaganda é o resultado. Comparo a propaganda do governo àquela que a esposa faria para o marido, como prestação de contas do dinheiro que ele entrega a ela para a administração doméstica.

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Desperdício também de talentos. Quantas vocações, aptidões e qualidades não encontram espaço para mostrar aquilo de que são capazes?

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Enfim, fôssemos um país que pretende oferecer à juventude melhor futuro do que aquele que se avizinha, cuidaríamos melhor de nossos recursos. Adotaríamos a logística reversa com todas as suas consequências, pondo a funcionar a economia circular.

Imporíamos fiscalização severa sobre a destinação dos recursos públicos, cada vez mais escassos, enquanto a população se esfalfa para atender à voracidade de um fisco insaciável. As políticas públicas tupiniquins são rasteiras. O prêmio Nobel Jean Tirole proferiu uma lição que nós, brasileiros, não ouvimos: as políticas eficazes são aquelas não dissipadoras de dinheiro público. O que dizer de nossa política ambiental, que dilapida um patrimônio valioso e irrecuperável e que foi entregue à sanha criminosa de grileiros, exterminadores do futuro e genocidas, pois expulsam indígenas de terras hoje exploradas para um garimpo ilícito?

Haverá, ainda nesta era, uma responsabilização de quem desperdiça não só o tesouro brasileiro, mas acaba com a alma verde-amarela?

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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