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A nova reviravolta do IOF câmbio sobre as receitas de exportação

Por Flávia Holanda Gaeta e Bruna Menani Lima
Atualização:
Flávia Holanda Gaeta e Bruna Menani Lima. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Com a publicação da Solução Cosit 231/2019 na semana passada, a Receita Federal criou uma verdadeira salada de frutas com normas financeiras e tributárias, visando, como postura não pouco usual, restringir o direito dos contribuintes expressamente disposto em Lei.

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Recentemente, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta Cosit nº 246, na qual praticamente impediu que as empresas mantivessem receitas provenientes da exportação fora do País - conduta esta autorizada por Lei -, já que firmou o entendimento de que qualquer valor recebido a este título deveria ser imediatamente ingressado no País quando do encerramento do "ciclo de exportação", sob pena de incidência do IOF- Câmbio.

Provavelmente motivada pela alta quantidade de decisões liminares deferidas por todo o Brasil afastando o limite temporal imposto pela referida Solução de Consulta (246/2018), a Receita Federal publicou uma nova solução Cosit (231/2019) para reformar a anterior, embora também limitando temporalmente o ingresso de recursos provenientes da exportação, mas, dessa vez, adotando como critério os prazos de liquidação do contrato de câmbio previstos em uma legislação financeira do Banco Central do Brasil, a Circular 3.691/2013.

É certo que as receitas de exportação são aquelas decorrentes de fornecimento de bens ou serviços para o exterior. A manutenção dessas receitas fora do País é garantida pelo artigo 1º da Lei nº 11.371/2006 e regulamentado pela Instrução Normativa RFB nº 1.801/2018, e é uma prerrogativa do exportador manter ou não os recursos em conta corrente no exterior.

Já o ingresso da receita para o Brasil com incidência de alíquota zero do IOF está previsto no inciso I do artigo 15-B do Decreto nº 6.306/2007, o qual dispõe que as operações de câmbio relativas ao ingresso de receitas de exportação de bens e serviços estarão sujeitas à alíquota zero, sem qualquer determinação de limite temporal.

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A confusão fazendária tem início com a interpretação da IN RFB nº 1.801/2018, esta que define regras financeiras relacionadas à manutenção das receitas de exportação em contas no exterior, observados os limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Ora, a referida Instrução Normativa não estabelece, e nem poderia estabelecer, qualquer alteração à norma que determinou a alíquota zero. Primeiramente, porque o Decreto nº 6.306/2007 está posicionado de forma hierarquicamente superior. Em segundo, porque as normas dispostas no IN RFB 1.801/2018 não dispõem sobre o IOF câmbio, mas de prazos para contração e liquidação de contratos de câmbio para que este possa usufruir de validade.

Se observada a Circular nº 3.691/2013, adotada pela Solução Cosit 231/2019, em seu artigo 97 estão presentes as hipóteses de regularização do contrato de câmbio, dentre as quais, entre outras, constam a liquidação, o cancelamento e baixa. Mais adiante, no artigo 99, estão listados os requisitos específicos para que a liquidação seja regular. Desta forma, se cumpridos os requisitos previstos no artigo 99, o contrato será regularmente liquidado. Se cancelado, de acordo com a disposição do artigo 97, também será regular. Trata-se, portanto, de limite temporal para a validade da liquidação do instrumento contratual.

No que se refere à contratação prévia à exportação, a norma prevista no inciso I do artigo 99 da Circular do Banco do Brasil estabelece o prazo máximo para liquidação do contrato de 750 dias contados de sua contratação, sendo que a exportação deve ocorrer em até 360 dias de sua assinatura.

Dito de outro modo, a partir da assinatura do contrato de câmbio antes da exportação, iniciam-se, concomitantemente, dois prazos: o de 750 dias para liquidação e o de 360 para exportação. Entretanto, é óbvio que o prazo previsto não obriga a empresa a concretizar exportação, uma vez que esta pode não ocorrer por diversas razões: contratuais; relacionadas ao processo produtivo; casos fortuitos ou de força maior.

Em verdade, o que a Circular prescreve, simples e unicamente, é que, caso a exportação não ocorra em 360 dias da assinatura do contrato de câmbio, este estará irregular, e não será capaz de produzir os efeitos a ele inerentes, qual seja, disponibilizar em reais os valores em moeda estrangeira de propriedade da empresa alocados fora do País.

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Neste mesmo contexto deve ser analisado o inciso II do artigo 99: caso o contrato não seja liquidado até o último dia útil do 12º mês subsequente contados a partir dos termos iniciais postos no inciso, o contrato de câmbio não alcançará a finalidade que dele se espera, tornando-se inócuo.

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Dessa forma, conclui-se que a Receita intentou, por meio da referida solução de consulta, limitar o prazo de ingresso de receitas provenientes de exportação e localizadas no exterior com alíquota zero de IOF-Câmbio a 750 dias contados da contratação de contrato de câmbio ou ao 12º mês subsequente ao embarque das mercadorias ou da prestação do serviço.

Assim, é evidente que os prazos ali previstos tratam exclusivamente dos procedimentos formais relativos ao contrato de câmbio, sem qualquer força modificativa sobre os critérios da norma tributária do IOF-Câmbio.

Assim, as receitas de exportação, ainda que mantidas no exterior por tempo indeterminado, mantêm sua natureza jurídica para todos os efeitos legais, fiscais e cambiais, não sendo válido qualquer ato do Poder Executivo que venha a alterar o conteúdo semântico do termo "receitas de exportação" para fins de incidência do IOF, muito menos se apropriando indevidamente de limites temporais previstos na norma financeira.

Em outras palavras, a posição do Fisco Federal reside no entendimento de que sempre que mantidos os recursos no exterior após transcorridos os prazos previstos no artigo 99 da Circular 3.691/2019 do Banco Central do Brasil, restaria alterada a natureza jurídica da operação para fins de incidência da alíquota zero de IOF, devendo ser aplicada a regra geral do caput do art. 15-B do Decreto n.º 6.306/2007, não mais o seu inciso I que trata de alíquota zero.

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Note-se que esse entendimento, tal como aquele constante na Cosit 246/2018, é absolutamente equivocado e fere princípios constitucionais como o da segurança jurídica, da legalidade, da moralidade administrativa, da previsibilidade do direito, da estabilidade das relações jurídicas tributárias, além de ofender a extrafiscalidade do IOF, criando um ambiente de absoluta descrença nas normas e no ordenamento jurídico pátrio, ao passar a tributar as operações de câmbio envolvendo receitas de exportação para as quais a Lei define sua alíquota como zero.

Diante deste cenário, a melhor conduta a ser tomada pelos contribuintes é a busca pela tutela judicial para afastar os limites temporais impostos pela Solução de Consulta Cosit nº 231/2019. Para aqueles que já estão discutindo judicialmente a Cosit 246/2018, é recomendado conduzir o processo para que seja proferida uma decisão de mérito, capaz de obstar qualquer ato coercitivo da fiscalização federal, para ver mantida a alíquota zero independente do tempo de permanência dos recursos no exterior.

*Flávia Holanda Gaeta é Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP e sócia-fundadora do FH Advogados; Bruna Menani Lima é advogada especialista em Direito Tributário pela PUC/SP e coordenadora da área tributária do FH advogados

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