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A nova lei francesa de proteção dos influenciadores digitais infantojuvenis

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Por Rodrigo Vieira
Atualização:

Parte da geração dos millennials e dos centenials já nasceram grudados às telas de tablets e smartphones com acesso ininterrupto à internet. Para eles, as tecnologias não são apenas mediadoras de suas relações interpessoais, mas veículos predominantes de produção, circulação e consumo de informações. São suas principais fontes de conhecimento e formação da personalidade.

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Enquanto muitos de nós e dos nossos pais têm ainda como referência informativa veículos tradicionais de comunicação, essa juventude tem como principal modelo a figura do Youtuber, o influenciador digital de plataforma que se transforma em desejo de profissão futura. Esse objetivo não é inalcançável em uma época na qual o usuário da internet pode se converter facilmente em um gerador ou produtor de conteúdo, inclusive com a possibilidade de ser remunerado por aquilo que produz. Isso faz com que muitos jovens transformem sua imagem ou a associem desde muito cedo a um produto ou a uma marca. Ou transformem sua imagem em produto.

O que vezes começa como uma brincadeira acaba se transformando em coisa séria, que as indústrias culturais querem dar aparência de inocente entretenimento e ócio, em verdade, é trabalho (imaterial) cujo dispêndio de tempo, pressões psicológicas e busca incessante de padrões ocasionam variados tipos de transtornos às crianças e adolescentes. Esse tipo de conflito e os dilemas da exploração comercial das atividades de crianças e adolescentes influenciadores têm ganhado dos legisladores.

No início deste mês, o Poder Legislativo francês regulamentou a atividade dos influenciadores digitais mirins, alterando o Código do Trabalho. As mudanças têm por objetivo regular o trabalho de menores de dezesseis anos em todo tipo de plataformas digitais de compartilhamento de conteúdo online nas quais há a exploração comercial direta e indireta de suas imagens por terceiros (por agências de publicidade e propaganda, pelas próprias plataformas, pelos pais ou responsáveis legais). Os dispositivos modificados acabam por enquadrar essa atividade como um trabalho semelhante ao realizado nos espetáculos, na publicidade e na moda. Os beneficiários dos frutos das atividades dos influenciadores infantojuvenis deverão possuir uma autorização especial que explicará aos pais ou responsáveis o contexto no qual se dará a produção audiovisual digital, as implicações de sua difusão, bem como as obrigações financeiras de quem lucra com esse tipo de exposição virtual. Segundo a nova lei, a autorização é concedida por um período limitado que pode ser renovado, no entanto é possível sua revogação a qualquer tempo ou sua suspensão por um período em caso de emergência.

As plataformas têm de observar se os conteúdos dos jovens influencers compartilhado por meio de suas redes é disponibilizado de acordo com a autorização prevista em lei, caso contrário o Judiciário pode se valer das medidas apropriadas para prevenir danos a esses sujeitos ou pôr mesmo fim à ilegalidade.

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Além dessa previsão, os pais ou responsáveis que gerenciem diretamente a divulgação do conteúdo de seus filhos ou tutelados também estão sujeitos a uma autorização administrativa na hipótese da duração ou número de conteúdos exceder limite de tempo fixado por decreto do Conselho do Estado francês, ou quando a difusão desses conteúdos os beneficiar direta ou indiretamente pela função de direção, produção e distribuição com renda acima do teto estabelecido igualmente pelo referido Conselho. Nesse sentido, será observado sempre o bem-estar da criança e do adolescente no que se refere à duração e horário para produção de conteúdos, à segurança, à higiene, à possibilidade eventual de danos psicológicos gerados por essa atividade, à necessidade de garantir a frequência escolar e observar cuidados com a saúde financeira do lucro obtido com os vídeos dos Youtubers.

Uma inovação positiva para salvaguardar o futuro desses jovens, em caso de eventuais conflitos com seus parentes ou representantes legais, é a previsão de que o excedente das receitas diretas e indiretas que ultrapassarem o limite firmado pelo Conselho de Estado, durante determinado período, será direcionado a um fundo (caixa de depósitos e consignações). A criança só poderá gerir esses recursos nas hipóteses de maioridade ou quando conquistar a emancipação nas hipóteses previstas pelas leis francesas. Eventualmente, a própria autoridade administrativa pode permitir o acesso aos recursos do fundo em situações de emergência ou deixar à disposição dos pais ou representantes legais um percentual da receita.

Anunciantes e publicitários que vinculem seus produtos ou serviços a esses conteúdos criados por influenciadores digitais mirins devem verificar junto às plataformas se elas estão sujeitas às obrigações financeiras de transferir as rendas auferidas para o fundo mencionado. Em caso positivo, os anunciantes pagam o valor devido na forma de depósito ao fundo reduzida a eventual parcela destinada por autorização administrativa aos pais ou responsáveis.

Além disso, a lei cria obrigações de transparência e informação que as plataformas de compartilhamento de vídeo devem cumprir para preservação da imagem das crianças no ambiente digital: a) promoção de informações e campanhas de sensibilização sobre normas e consequências da divulgação de imagens de menores de dezesseis anos, inclusive alertando para os riscos psicológicos, violação da privacidade ou da integridade moral e física desses menores; b) prevenção do tratamento dos dados desses sujeitos a fim de evitar usos comerciais e publicitários baseados em segmentação direcionada (mensagens publicitárias personalizadas para o público infanto-juvenil); e c) união de esforços com entidades de proteção da infância para detectar e atuar contra atividades de disseminação de conteúdos que violem a dignidade de menores de dezesseis anos.

Por fim, pela nova lei francesa, os menores também podem requerer às plataformas o respeito ao direito ao esquecimento previsto no Regulamento Europeu de Proteção de Dados, sem a necessidade do consentimento dos pais ou responsáveis, solicitando diretamente a exclusão de dados, informações ou vídeos contra a qual as empresas responsáveis pelo tratamento do conteúdo não podem se opor. Essa disposição fortalece previsão já existente na lei francesa de informática que obrigava os provedores de serviços da sociedade da informação a retirar com celeridade dados pessoais tratados e coletados quando o interessado era menor de idade, caso sejam requisitados.

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Sem dúvida a aprovação da legislação sobre a proteção de direitos dos Youtubers mirins na França fortalece o debate mundial sobre a necessidade do respeito aos direitos de crianças e adolescentes. Diante dessa (nova) espécie de trabalho infantil, a iniciativa pode ser considerada positiva, pois esses direitos foram, nos últimos anos, relativizados e precarizados pela indústria do entretenimento, cujos verdadeiros propósitos de engajamento e lucratividade no ambiente digital ainda se escondem atrás dos sonhos dos frágeis astros dentro de nossas próprias casas.

*Rodrigo Vieira, articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), investigador visitante em Pós-Doutoramento no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra/vice-coordenador do Mestrado em Direito da UFERSA/coordenador do DiGiCULT - Estudos e Pesquisas em Direito Digital e Direitos Culturais da UFERSA

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